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Porque é que nós não votámos?

Repito aquilo que já por aqui disse e que, segundo um companheiro de mailing list, dizia também o Frank Zappa: se o presidente dos EUA toma decisões que afectam todo o mundo então toda a população devia votar nessas eleições.

Por isso, andei atento aos rescaldos e ouvi algumas coisas interessantes.
Ouvi, por exemplo, num canal noticioso tendencialmente sério (BBC) um comentador a dizer que não se devia minimizar a importância das propostas que tinham ido a votos no dia das eleições presidenciais. Dizia esse comentador que uma das possíveis razões para um estrondoso afluxo de eleitores ultra-conservadores que aproveitaram para votar Bush, no Ohio, podia estar relacionado com a votação duma proposta que visa banir o casamento entre homossexuais a nível estatal (ou seria federal?).
Na Califórnia, por outro lado, as propostas de criação de um bio-centro para investigação em células estaminais, controlo e taxação da actividade dos casinos e endurecimento da “3rd strike rule” (a regra que põe em prisão perpétua imediata delinquentes reincidentes e que gera dramas humanos e sociais impensáveis), podem ter levado um maior número de democratas a votar: o bio-centro passou e o endurecimento da 3 strikes não.

Aliás, a BBC fez uma cobertura bastante interessante das eleições norte-americanas, centrando parte da sua atenção e análise nos aspectos mais “estranhos” da democracia americana. “Estranhos” para uma parte da Europa, pelo menos.
Chamando a atenção para a inexistência de poder legislativo por parte da equipa presidencial e, por isso, para a importância do Senado e do Congresso (que acabam por ser pouco falados nestas coberturas mediáticas e fulanizadas);
alertando para a importância de esperar pelas nomeações do Bush para o “Supreme Court” para se perceber se ele vai ou não endurecer as suas políticas;
explicando que a regra “winner takes all” no colégio eleitoral não é válida para todos os estados (o que distorce ainda mais todo o sistema, ou não?);
analisando as principais motivações dos americanos no momento de votar que, de acordo com sondagens várias, punham os valores morais (e convicções religiosas se bem percebi) expressos pelos candidatos quase no topo das suas preocupações, acima de impostos, educação, saúde, política interna… apenas abaixo da segurança/terrorismo.

Estas eleições dão-nos de facto muito que pensar. A todos. Porque o Zappa tinha toda a razão.
Mas uma das coisas que gostei de ouvir foi a análise dum tipo de Harvard que, a propósito das falhas na estratégia dos Democratas, dizia que, enquanto o Bush conseguiu sintonizar-se muito bem com uma parte significativa da população e garantir os seus votos, defendendo posições que se sabia lhe custariam votos, mas convencido que tinha que centrar a sua atenção e motivação para assegurar aqueles votos (os que precisava), os Democratas liderados pelo John Kerry parecem não querer perder votos nenhuns nem à esquerda, nem à direita… e assim, deitam tudo a perder por não se empenharem com convicção em nenhuma causa.

Achei interessante esta análise: a América está de tal forma dividida (isto já é complemento duma analista da Newsweek que por lá andava também) que para garantir votos em determinadas zonas ou de determinadas populações é preciso sacrificar outras explicitamente. E isso, de acordo com eles, transforma os discursos finais de celebração e união em momentos ainda mais tontos: o Bush ganhou por “capitalizar” e explorar as diferenças na sociedade americana, construindo um discurso que serve exclusivamente uma parte dos cidadãos (a maior parte dos que vão votar, pelos vistos). O Kerry perde por tentar não excluir ninguém.
Isso, duma forma estranha, dá razão ao Michael Moore que dizia, já há algum tempo, que um dos problemas dos Democratas é faltarem-lhes “tomates” para escolherem um lado da “barricada”.
Por cá, vamos assistindo a coisas parecidas (terceiras vias, Guterrismos e sucedâneos), mas duma forma mais diluída pela diversidade do sistema multipartidário.

Será, finalmente, a falência do modelo estapafúrdio dos 2 partidos norte-americanos?

Agora temos todos que aturar mais 4 anos de Bush e esperar que uma recém adquirida sensação de legitimidade e um maior peso no Senado e Congresso não o façam entrar definitivamente numa espiral de maluqueira.

“United, we will show the greatness of America…”, disse ele.

Tremo só de pensar.

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