O Rui Eduardo Paes, jornalista, crítico de música e ensaísta e homem atento ao que se vai passando, deixou no seu site uma referência aos dois volumes da colectânea No Noise in Porto, da Let’s Go To War.
Como é tão raro haver quem faça este trabalho, aqui fica a transcrição, com devidos agradecimentos ao autor e sublinhados de minha exclusiva responsabilidade:
Vários: “No Noise in Porto Vol. 1” e “No Noise in Porto Vol. 2” (Let’s Go to War)
Eis duas compilações que nos mostram que há coisas novas e com muita validade a acontecer em Portugal no domínio da electrónica (e não só), mormente no Porto, base da editora Let’s Go to War. A maior parte dos nomes envolvidos são por enquanto desconhecidos, mas a verificar pela qualidade das propostas tal não irá acontecer por muito tempo.
Lost Gorbachevs e Sikhara são projectos noise que glorificam o disfuncionalidade das máquinas, com os últimos a utilizarem samples de música tradicional japonesa e loops de piano em meio ao ruído branco. A estética “click ‘n’ cut” de Carla Oliveira e o ambientalismo mesclado de electrónica erudita de Bruno Ribeiro são exemplos de como as principais linhas criativas internacionais ainda permitem outras abordagens. A Stealing Orchestra, umbilicalmente ligada à Guarda e não à capital do Norte, é “sampling music” no seu mais característico, partindo de uma citação do swing para algo que se identifica estranhamente com o rock progressivo. HHY é drum ‘n’ bass possessivo, com a loucura de um Kid 606 a integrar desconcertantes “flashes” de Amália Rodrigues e Carlos do Carmo.
Os Red Albinos fazem a ponte entre o jazz à la Lee Konitz ou Paul Desmond e o paisagismo electro. João Martins começa no ambientalismo e termina com o que parece ser um quarteto de saxofones da música clássica contemporânea,
enquanto David Miguel parte de uma situação concretista (sons de relógio e de despertador) para desaguar numa fórmula “ambient”.
Ohmalone é jazz eléctrico com displicência punk
e Most People Have Been Trained to be Bored” segue os princípios da colagem, e não apenas de materiais, associando noise, sampladelia e “beats”. Citizen Shame é electrónica com manipulações de piano, uma espécie de “Kontakte” on acid. Society Has Tape Recorders (And Also Copyright Laws) intervém com uma peça reichiana baseada em registos de marimba e percussão, reconhecendo-se mais além um clarinete e o que parece ser a secção de metais de uma orquestra sinfónica. Fátima Vieira é “kosmisch musik” com grande atenção à dramaticidade das situações e um carácter muito cinemático, com o vento a soprar e reminiscências tímbricas de cordas de arco. Zé Miguel Pinto vai dos subgraves aos agudos, numa composição feita simplesmente com sinusoidais, mas já Nuno Peixoto multiplica-se em materiais sonoros, incluindo claxons de automóveis. José Alberto Gomes faz uma interessante utilização do factor espaço, assinando uma das melhores peças da selecção.
O Klank Ensemble trabalha com pequenas percussões, num investimento de “bricolage” que inclui cordas, modulador de frequências e objectos vários.
Percussão também é o que centra as execuções dos Stabs, mas num enquadramento próximo da música contemporânea. O que julgaríamos ser um er-hu (violino chinês) acrescenta uma dimensão lamentativa às construções. Os Mécanosphère de Benjamin Brejon e Adolfo Luxúria Canibal, que por acaso – tanto quanto eu sei – têm base em Lisboa, espartilham-se entre o experimentalismo e o techno, com elementos do death metal pelo meio. Pleghmatic Plump junta montagens de voz (“power to the people”, ouvimos numa passagem) a samples de piano e percussão e a uma miríade de sínteses digitais. A vertente “drone” surge no final com The Morlocks. Uma guitarra eléctrica em sobredose de distorção associa-se ao que aparenta ser um acordeão, bebendo tanto à “ambient music” como ao noise. Pena só que não nos seja dada informação sobre os intervenientes…