Categorias
design macintosh portugal

iCreate, uma opinião

Para quem não sabe, sou utilizador de computadores Apple Macintosh desde sempre. Não sou fanático, mas reconheço em mim um certo preconceito contra outras coisas e uma postura defensiva, típica em comunidades pequenas, que leva a certas atitudes e comportamentos quase próprios de uma seita ou clube: somos poucos, sentimo-nos incompreendidos e, durante muito tempo, fomos duplamente mal tratados na condição de Mac Users e de portugueses, por não existir Apple Portugal e o importador nem sempre ter um comportamento aceitável (será que isso vai mudar?).

Mas este sentimento de pertença a uma minoria “iluminada” é uma ferramenta poderosa: alimenta uma das mais eficazes e úteis comunidades de utilizadores informáticos que conheço, a mailing list “O Correio dos Outros”, gerida pelo Pedro Aniceto; proporciona momentos de solidariedade e entreajuda raros nos dias que correm; sustenta uma mobilização superior à média no que diz respeito à defesa da dignidade da “nossa” plataforma e a questões de acessibilidade a meios de informação e serviços online, por exemplo… e permite o lançamento de publicações e iniciativas que, por serem “Apple”, têm o patrocínio tácito de uns milhares de utilizadores, uns mais influentes que outros, uns mais recentes que outros (estava agora a pensar no Paulo Querido e a sorrir).

Uma destas publicações que contou de facto com o meu patrocínio tácito, na forma de uma assinatura, por se tratar duma publicação “Apple” e pouco mais, foi a iCreate, “A Revista Criativa dos Utilizadores Mac” que vai já no seu número 6 e sobre a qual ainda não tinha feito nenhum tipo de comentário, com a secreta esperança de ver uma mudança significativa. A verdade é que depois dos primeiros 2 números, que, a custo, li duma ponta à outra, só este 6º número me mereceu de novo esse tipo de atenção e foi só porque tinha 2 viagens de comboio para fazer e andava a ficar com vontade de publicar uma opinião sobre a revista.

Olhei para todos os números, tentei pôr-me no lugar de vários tipos de utilizador, mantive presente a ideia de que o Pedro Aniceto é o editor e, isso, de alguma forma, garante-me que a revista deve estar a prestar um serviço a um grande número de utilizadores, mas a verdade é que, a mim, deixa-me entre o irritado e o aborrecido.

Aborrece-me o “eye candy”, o festival de imagens e clichés gráficos que, mais do que qualquer outra coisa, vai dando razão aos “geeks” que dizem, que os Mac’s são só “look” e pouco mais. A colagem “obscena” a uma imagem “Mac” satura-me tanto ou mais do que os templates de iPhoto, iMovie, iWeb e demais iApps e ponho-me a pensar que, se reconheço utilidade em pôr templates nestas aplicações para que os utilizadores “amadores” possam facilmente produzir resultados apelativos, não percebo porque é que uma “revista criativa” não há-de alocar recursos ao desenvolvimento de ambientes e estruturas igualmente atractivas e eficazes, para mostrar que o que sai dum Mac não tem obrigatoriamente que se parecer com um molde qualquer de Cupertino.
Aborrece-me a sequência de “tutoriais” simplórios e superficiais onde se faz um enorme esforço para que tudo pareça ser feito sem nenhum esforço, sem cruzamento de aplicações, sem aplicação real de nenhum conhecimento disciplinar estruturado. Como criar linhas de baixo no GarageBand, como criar ilustrações com Photoshop CS3, como criar menus de DVDs com iDVD, como… como é que se escreve sobre tudo isto desta forma “leve e fresca” sem que isso seja desvalorizar o conhecimento e experiência de músicos, artista gráficos, designers e todo o tipo de criativos?

Não quero com isto dizer que acho que os meios informáticos de apoio técnico à criação não devem ser democratizados (não seria um utilizador Apple se pensasse de outra forma), mas aflige-me ter à minha frente uma pilha de revistas com “tutoriais” sobre todas estas coisas, explicadas duma forma que roça a leviandade, tendo já que lidar tantas e tantas vezes com pessoas (clientes e parceiros) que acham que fazer coisas no computador é “1, 2, 3 cliques e já está”. Revistas como a iCreate não só não ajudam em nada neste contexto como podem perfeitamente criar problemas noutros. Se eu tivesse um tostão por cada vez que alguém veio ter comigo porque começou (o próprio ou um amigo jeitoso) a fazer uma “coisa simples” (um slideshow, um site, um folheto, um catálogo, uma gravação áudio) e agora só queria que eu “desse um jeito” e “imprimisse, gravasse num CD ou DVD, colocasse online, etc.”
Na maior parte destes casos o trabalho maior está em “desfazer” o que já foi feito e coisas verdadeiramente simples assumem toda uma outra dimensão.

Em muitas áreas técnico-criativas estes problemas são sentidos de forma bem real e acredito que a abordagem da revista pode, muitas vezes, irritar um designer gráfico, um músico ou técnico de som, um editor de vídeo ou um programador web, mas tenho a sensação que cada um destes profissionais deve pensar que, para contrabalançar o “beliscão” dado à sua dignidade profissional, ficou com aqueles truques porreiros para os seus “hobbies” e ninguém é muito prejudicado… mas e se pensarmos no quadro global?

Bem sei que o público da revista não são os “power users” (assim espero) e, por isso, não podemos levar a coisa demasiado a sério. Mas não deveria ser mais claro para todos que assim é?

Além disso há os erros das traduções e parece claro que alguns dos textos não estão a ser revistos por especialistas, ou adaptados à realidade portuguesa: desde a referência aos PhotoBooks a partir do iPhoto, em que se esqueceram de referir que para ter esse serviço em Portugal era preciso “enganar” a Apple Store Espanhola, até à recente tradução dos artigos de GarageBand e LogicExpress em que “bars” são “barras”, em vez de “compassos”… é o tipo de coisa que me faz pensar em quantos erros me poderão estar a escapar nos assuntos que me sejam estranhos. Sou assim.

É claro que a minha opinião não passa disso mesmo, mas ando intrigado para saber se, de resto, os outros Mac Users portugueses estão assim tão fascinados com a revista da “seita”?

7 comentários a “iCreate, uma opinião”

Caro João,

Concordo com a generalidade do que diz. É importante que não haja o mínimo de falhas, para não incutir a ideia de que a “bota não bate com a perdigota”.

Contudo, é de louvar o investimento feito pela enjoy nessa área. Até porque é a única revista que vai havendo..

Abraços

Caro João,

A sua crítica à revista foi bem fundamentada, provavelmente após uma reflexão que foi fazendo ao longo da (curta) existência da edição portuguesa.
No entanto, peca por algumas injustiças. A revista é única no nosso paupérrimo panorama. Antes dela era o deserto, uma espécie de margem-sul para os Mac users ou para os potenciais switchers. Tem os seus defeitos, e ainda bem, mas a sua função é pedagógica. Chama-se iCreate, e não Mac Format ou Macworld. Provavelmente, o João terá de continuar a comprar revistas inglesas e americanas para encontrar algo que não o irrite. Porque irritante é o nosso panorama de pseudo-choque tecnológico em que não há quase nada verdadeiramente evoluído, exceptuando a Via Verde e os Operadores da Internet mais cara da Europa…
Não estou aqui para dar palmadinhas nas costas da Enjoy, do Pedro Aniceto ou de quem quer que seja (ninguém me paga para isso). Mas irrite-se com o quem merece, com a Apple Portuguesa que não existe, com outras revistas como a Exame Informática que arrogantemente assumem um nome abrangente mas os seus conteúdos apenas têm espaço para vangloriar a plataforma WinDOS, em desrespeito total para com o Mac ou o Linux, por exemplo.
Termino dizendo-lhe o mesmo que costumo dizer aos que criticam certos canais de televisão. Quando havia apenas RTP, desligue o televisor e oiça rádio!
Agora, que há canais privados, veja a RTP… ou então mude de estação!
Faz-me lembrar quando num avião queremos comer peixe mas já só há carne, ou vice-versa. O problema é haver escolha! Se apenas houvesse um prato não havia problema porque quando se tem fome come-se o que se tem na mesa…

Temo que tenha de acrescentar um ponto mais complicado a este tópico: sou assinante e raramente deixo de me queixar pelos atrasos nos números seguintes.

Estamos a chegar a Julho e o último número que saiu é de Abril…

Responder a João Carlos Osório Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado.