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O imenso poder dos professores

A manifestação de ontem marca o país de várias maneiras. A principal, na minha opinião, prende-se com o facto de manifestar, em vez de convicções políticas ou laborais, descontentamento, desconforto, cansaço, estados de espírito… as mudanças em curso na escola pública são muitas e quase todas violentas. Os professores sentem-se maltratados, com razão, por se lhes exigir um esforço desproporcionado no contexto da sociedade portuguesa. A diminuição das taxas de abandono escolar, o alargamento dos horários, a diversificação das actividades alternativas dentro das escolas, a garantia de acompanhamento dos alunos no contexto escolar… muitas destas mudanças que sempre foram necessárias e que a democratização do ensino exigia que se fizessem com planificação, cuidado e investimento, para se ajustarem às brutais diferenças de escala, foram concentradas num curto e violento espaço de tempo. E os professores, naturalmente, ficaram com imensas razões de queixa. Não acredito, apesar dos esforços de alguns sectores da desinformação, que se queixem ou reclamem contra os objectivos destas medidas. Mas assiste-lhes o direito de se queixarem e reclamarem contra as condições objectivas em que se lhes atribuem novas responsabilidades, se impõem novos procedimentos e tarefas, sem que, no horizonte, se vislumbre a justa retribuição. E por muitos agradecimentos e discursos que façam governantes e por muito que se fale da dignidade da função, na memória recente e no quotidiano dos professores actuais há remunerações congeladas, falta de condições físicas, stress associado à velocidade das mudanças.

E é por isso que a manifestação de ontem é, acima de tudo, uma manifestação de descontentamento, desconforto e cansaço. Podia ser uma manifestação de outra coisa, se o alvo maior da contestação fosse o novo Modelo de Gestão e não o de Avaliação. E é importante e interessante perceber porque é que a Avaliação é mais capaz de unir os professores do que a Gestão Democrática das Escolas, não é?

A mim, parece-me que o sistema de avaliação de desempenho, limpo das tretas da propaganda dum lado e doutro, é mais uma medida cuja bondade dos objectivos não se discute. É mais uma mudança de rotinas e procedimentos, num curto espaço de tempo, com impactos difíceis de perceber. Já o Modelo de Gestão, pelo que consigo perceber, preconiza mudanças “reais” na gestão democrática das escolas e suscitaria discussões políticas de princípio. Mas, para isso, não se mobilizarão nunca 100 mil professores. Porquê?

Por causa do imenso poder dos professores. O imenso poder que raramente exercem e que está na base de muitos dos confrontos actuais. É que o poder de todo o sistema educativo está nas mãos dos professores. É pela acção e omissão dos professores que se determina, actualmente, quem exerce os diferentes poderes na escola pública. Na sala de aula, nas coordenações de disciplina ou departamento, no Conselho Pedagógico, no Conselho Executivo, na Assembleia de Escola, são os professores que fazem a escola avançar ou regredir. É a eles que compete compreender, adaptar e implementar as orientações do Ministério. Se o exercício desse poder fosse normal para a maioria dos professores, este nível de contestação não era possível. Talvez nem fosse possível que determinadas mudanças fossem decretadas nos termos em que o foram. É interessante notar que, acerca dos potenciais “mediadores”, a Ministra se referiu aos Sindicatos, referindo que, entre o Ministério e os Professores e a Escola, os sindicatos ocupam esse papel. E é (devia ser) verdade. Só não é assim, ou parece não ser assim aos olhos esbugalhados da comunicação social, porque ninguém dignifica, de facto, o papel da Escola e dos Professores no processo de tomada de decisão. É mais fácil achar que as Escolas e os Professores são “trabalhadores” cujo patrão é o ME e reduzir isto tudo a uma caricatura de conflito laboral clássico. O problema é que isso não é verdade, nem pouco mais ou menos. Os Professores e as Escolas são locais de exercício de poder e partilham da tomada de decisão em todo o sistema. Isso é mais ou menos visível, dependendo do envolvimento real dos Professores nos seus “postos”.

Mas este tecido está todo atacado e tem sido atacado sucessivamente para proveito de todos, menos da própria classe. O poder de que os professores decidem abdicar, serve os interesse do ME e dos sindicatos, por ser por eles disputado. Mas é dos Professores.

Por isso, discutir o Modelo de Gestão é fundamental. É preciso garantir a manutenção do poder dos Professores na Escola Pública para que estas mudanças e as próximas sejam feitas e decididas com e por eles.

O plano B, sobre o qual JPP se interroga, é o exercício desse poder nas escolas.

A ver vamos…

Um comentário a “O imenso poder dos professores”

Parece-me uma pergunta e se é que a percebi bem, vou tentar dar a resposta. Que, quanto a mim, é extremamente simples: é que, enquanto o sentido da evolução devia ser o da autonomia (que, como se sabe, pressupõe o “capaz”, “responsável” e “inocente” até evidência em contrário) surgem directivas de acção e de mudança no sentido contrário ao da autonomia, o imenso poder dos professores resume-se a “está bem, faço” ou “não quero e não faço”. E depois, vem a avaliação…

Por outras palavras, qualquer modelo de gestão é mau com uma avaliação que trilha o rabo dos professores debaixo do pé do avaliador e na obrigação da produção intensa e abundante de provas físicas e extensivas de capacidade, as “evidências”. Mas isto é apenas a ponta do iceberg…

abraços

eduarda

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