Já há bastante tempo que fiz as pazes com a ideia de que a música que crio (uma parte muito significativa, pelo menos) tem os seus espaços e momentos naturais e que há imensas ocasiões e contextos em que a sua utilização é descabida. Claro que a diversidade de projectos em que me fui envolvendo e a relativa longevidade da “carreira”, se considerarmos os agrupamentos em que participei ainda como estudante do Conservatório (Orquestra Ligeira, Big Band, Grupo de Saxofones, etc), me permite guardar como memórias situações de todo o tipo, desde participações em programa de televisão a concertos em eventos Gastronómicos, Feiras Medievais, Festivais de Rock e Música Ligeira e recitais em salas de concerto conceituadas nas mais diversas áreas e numa mão cheia de países europeus.
Com o tempo, acrescentei a essa “escola” alguns grandes eventos, como o Festival Paredes de Coura (Jazz na Relva em 2005 e 2007) e o circuito convencional de alguns Teatros Municipais e salas como a Casa da Música, com o Space Ensemble, por exemplo, mas também conheci a sensação de tocar em clubes e lojas de jazz e no circuito “squatter” europeu, com Lost Gorbachevs, e, com a Fanfarra Recreativa e Improvisada Colher de Sopa, o leque de situações e contextos alargou-se quase ao limiar do possível: coretos, procissões populares, salas de Museu…
Ainda assim, há situações que não me imagino a musicar fora do contexto das bandas sonoras que vou fazendo. Funerais, baptizados e casamentos são os contextos típicos com que se brinca, entre músicos, por causa da sua especificidade. E são, tipicamente, os contextos em que a intervenção de músicos como eu não é “natural”. É verdade que, há uns anos, tive a experiência de tocar num casamento, mas o casal era um par de Ohmaloners, como eu, e fez-se um jogo de improvisação com todos os músicos presentes, incluindo noivos, numa atitude que era “natural” para nós e para os nossos amigos e que, felizmente, não melindrou demasiado as famílias presentes.
O que, claramente não esperava, mas me dá uma boa dose de satisfação, é que uma experiência conceptual como a música para o Dia do Pi se pudesse adaptar à situação dum casamento de pessoas que nem sequer conheço. Desejo aos noivos toda a felicidade possível e muito me agrada saber que os convidados não se queixaram. 😉
Esta experiência recente faz-me pensar até que ponto é que os lugares-comuns que aceitamos no que diz respeito às linguagens musicais “adequadas” para eventos “formalizados” não passam de simples treta.
A este ritmo, arrisco-me a deixar de encontrar algum contexto ou situação para a qual não tenha feito já alguma intervenção musical. E, ao contrário do que algumas pessoas possam pensar, isso deixa-me muitíssimo satisfeito.