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De pequenino se torce o pepino

Uma das mais eficazes (e desprezíveis) formas de fomentar o uso de aplicações e linguagens proprietárias e viciar o mercado e o contexto de produção informática é apostar no mercado da educação, com campanhas que, efectivamente, perpetuam e reforçam o ciclo vicioso da aparente falta de alternativas. Várias empresas de software usam estas estratégias: empresas como a Microsoft ou a Autodesk (os exemplos que conheço mais de perto) incentivam a utilização das suas ferramentas no contexto académico, apostam fortemente no circuito da formação financiada e tentam manter relações privilegiadas com o sector, promovendo acções de marketing mais ou menos disfarçadas de formação dirigidas a alunos, professores e demais responsáveis pela selecção de ferramentas a utilizar nas salas de aulas.

Já diz o povo, e com razão, que “de pequenino é que se torce o pepino“, e os efeitos destas acções são evidentes: o percurso formativo em variadíssimas áreas que necessitam de apoios tecnológicos são fortemente marcados por uma única aplicação ou suite. E a emergência de “pseudo” standards, a que algumas pessoas chamam os “standards de mercado”, mesmo que o seu crescimento resulte da manipulação do próprio mercado, é um exemplo claro de como esta é uma estratégia ganhadora para as empresas beneficiárias e altamente prejudicial para a sociedade.

Não me interessam lutas quixotescas contra a Microsoft, que é o exemplo mais completo desta forma de actuar, porque me incomoda (quase) tanto a sua hegemonia na área do “escritório e produtividade”, como me incomoda a hegemonia da Autodesk na arquitectura, engenharia e construção, ou da Adobe nas artes gráficas e multimédia ou mesmo da Apple em certas áreas do áudio e vídeo e como plataforma de hardware nas artes gráficas, ainda que quase não se sinta em Portugal.

As hegemonias, todas, incomodam-me porque resultam num encurtar de perspectivas para os utilizadores e, por esse facto, numa limitação da sua liberdade. É um processo no qual cada indivíduo participa, é certo. E, por isso mesmo, o caminho percorrido durante os períodos iniciais de formação, pelo menos esse, deveria ser marcado pela promoção e exploração de alternativas e deveria ser feita a distinção clara entre os tais “standards de mercado”, circunstanciais, e os standards de facto, dando especial atenção a questões como a interoperabilidade das soluções adoptadas. Esquecer a interoperabilidade é, acima de tudo, viciar as “regras do jogo” e prender os utilizadores numa espécie de “jaula invisível”.

Vem esta reflexão a propósito dum concurso que a Microsoft está a promover, em conjunto com a DGIDC (Direcção Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação),  dirigido a estudantes do 2º e 3º ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário, que premiará sites sobre Segurança na Internet, mas onde se privilegiará a utilização de ferramentas da Microsoft, numa jogada claramente denunciada pelo Rui Seabra.

O concurso promove não só a utilização de software proprietário, como contribui para a relativização da importância dos web standards e isso deveria ser razão mais do que suficiente para que os responsáveis públicos da DGIDC/eCRIE se manterem ao largo. Até porque os termos do concurso contrariam a estratégia positiva de promoção de soluções baseadas em Software Livre , como o Moodle e o Joomla, que, além de serem open source e gratuitas, estão envolvidos na promoção de standards reais e não levantam problemas de interoperabilidade.

Discutir e denunciar as condições de promoção deste concurso são tarefas que nos cabem a todos e espero que a Associação Ensino Livre possa vir a participar também nesta denúncia.

4 comentários a “De pequenino se torce o pepino”

Para não me ficar pela manifestação privada no blog, enviei a mensagem que se segue aos promotores públicos desta iniciativa e aconselho todos os interessados a tomarem acções semelhantes.

——– Mensagem Original ——–
Assunto: Concurso Webmaster 2008
Data: Fri, 25 Apr 2008 00:16:09 0100
De: João Martins | entropiadesign <joaomartins@entropiadesign.org>
Para: info@crie.min-edu.pt, dgidc@dgidc.min-edu.pt, seguranet@crie.min-edu.pt

Boa noite.

Gostaria de manifestar o meu desagrado por se permitir a associação de entidades públicas que, inclusivamente, têm mostrado iniciativa no que diz respeito à promoção de boas práticas de utilização de software e da internet nas escolas, a um concurso que tem como objectivo a promoção de ferramentas da Microsoft que, não só apresentam a clara desvantagem, em ambiente académico, de serem ferramentas proprietárias e fechadas numa área (a programação web) onde o número e a qualidade das alternativas open source é notória, como relativizam a importância dos web standards, com impactos negativos ao nível da promoção da interoperabilidade e da acessibilidade dos sites produzidos.
A iniciativa de promover um concurso de criação de páginas dedicadas à temática da Segurança na Rede parece-me meritória mas a distorção que a Microsoft introduz no regulamento ao valorizar a utilização das suas ferramentas, sobrepondo-se a questões de acessibilidade de conteúdos e interoperabilidade parece-me ser completamente incompatível com a missão e a estratégia da eCRIE.
Entre outras coisas, os alunos, as escolas e os professores ficarão a saber que a utilização das ferramentas que a própria eCRIE sugere e promove no seu portal dedicado ao Software Livre os prejudicará nesta ocasião específica e serão beneficiadas precisamente as escolas menos sensíveis às sugestões da eCRIE. Contraproducente, no mínimo.

À minha indignação junta-se a de muitas outras pessoas, pelos mais variados motivos e essa indignação está já a ter reflexos na blogosfera, como poderão constatar:
http://blog.softwarelivre.sapo.pt/2008/04/23/microsoftdgidcecrie-promovem-desrespeito-pela-internet/

A legitimidade da Microsoft na promoção desta iniciativa não está em causa, assim como não estaria a legitimidade das entidades públicas que participam no projecto SeguraNet na promoção de iniciativa semelhante, liberta de constrangimentos de ferramentas. A associação é que é altamente questionável, como perceberão, certamente.

Não posso deixar de lamentar este episódio e desejar duas coisas:

1. que os projectos premiados sejam, além de merecedores ao nível do conteúdo, exemplos de acessibilidade, respeito por standards e interoperabilidade, independentemente do uso ou não de soluções Microsoft

2. que em iniciativas futuras os poderes públicos imponham como condição para a sua associação a ausência de referências ou privilégios a soluções proprietárias, estimulando o exercício livre das escolhas tecnológicas nas escolas

Com os melhores cumprimentos,

João Martins

Mooi dat je het met een halve varkenskop heb gemaakt Cees, wij doen het altijd met vetspek. Een recept voor rommelkruid staat in nummer 6 van de reacties (van Berry).Van Bas op 12.01.12 9:28 pm

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