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Ateísmo militante

Richard Dawkins defende nesta conferência TED a afirmação e promoção dum ateísmo militante. Defende que devemos deixar de ser respeitosos e educados no que diz respeito à afirmação das nossas convicções como ateus. Que devemos abandonar a reverência às religiões, imposta social e culturalmente.
Eu, pessoalmente, costumo dizer que não posso aceitar que o facto de ser ateu seja frequentemente tratado como uma ausência de convicções religiosas, que muitas vezes desemboca numa ideia de “neutralidade”:

é ateu => não tem convicções religiosas => a opinião dele não é importante no que à religião diz respeito.

É falso: ser ateu significa ter convicções religiosas, nestes contextos, tão fortes ou mais do que qualquer crente. Como diz Richard Dawkins, “um ateu é alguém que sente por Jeová o mesmo que um católico sente por Thor (…) Somos todos ateus relativamente à maioria dos deuses criados pela humanidade, mas algumas pessoas vão um deus mais além nessa descrença.”

Em Portugal (na Europa, em geral), o quadro não é tão negro como nos EUA:

So, we’ve reached a truly remarkable situation, a grotesque mismatch between the American intelligentsia and the American electorate. A philosophical opinion about the nature of the universe, which is held by the vast majority of top American scientists and probably the majority of the intelligentsia generally, is so abhorrent to the American electorate that no candidate for popular election dare affirm it in public. If I’m right, this means that high office in the greatest country in the world is barred to the very people best qualified to hold it, the intelligentsia, unless they are prepared to lie about their beliefs. To put it bluntly, American political opportunities are heavily loaded against those who are simultaneously intelligent and honest.

O sublinhado é meu.

Mas, até por solidariedade com o povo americano, devemos promover esta afirmação militante do ateísmo e “tirar as luvas”, no que diz respeito ao espaço político que damos à religião. Até para apoiar as sábias palavras do Cardeal Patriarca (que subentendem e dão visibilidade às significativas e desesperadas movimentações contra a secularização/laicização do Estado).

Obrigado ao Dactilógrafo e ao Vitor Azevedo por me terem chamado atenção para esta conferência.

7 comentários a “Ateísmo militante”

Por coincidência comecei hoje a ouvir o audio book do “The God Delusion”. Já deu para perceber que promete…

o teu grito nao parece ser contra Deus, mas contra instituiçoes, pela argumentaçao. Ou preciso recordar-te um Leonardo Boff excomungado pela igreja, altamente progressista e um dos fundadores da teologia da libertaçao?

Se queres “pregar” o ateísmo nao seria mais lógico enveredar por um discurso da dependencia da condiçao humana face a um ente superior, colocando-nos enquanto espécie numa condiçao infantilizada pela falta de confiança em nós mesmos para nao cairmos no Homem superior à moral?

E o que isso implicaria para o poder instituido enquanto entidade abstracta na organizaçao social que fomos construindo?

Eu como nao sou ateu, nao penso muito nisso 😉

Rafael: é óbvio que o meu grito não é contra Deus. Não lhe reconhecendo a existência, isso é uma impossibilidade lógica.
A militância ateia é, como eu a entendo, a manifestação cada vez menos “meiga”, “educada” e “respeitadora” da opinião de que as religiões (todas) são, de facto, incompatíveis e inconciliáveis com o progresso humanista e de que o seu papel na sociedade deve ser, por isso mesmo, combatido. A militância “ateia” passa por não admitir que se presuma que os ateus não têm convicções religiosas ou que não têm direito a expressá-las e defender o seu “espaço”.
A importância deste militantismo varia de lugar para lugar: nos Estados Unidos da América é, por agora, fundamental para equilibrar social e politicamente um estado muito à mercê de lobbies religiosos. Em Portugal, e na Europa em geral, não estamos nesse ponto, mas podemos vir a estar.
Defende Dawkins, e eu apoio, que os ateus devem estar preparados e disponíveis para (des)evangelizar a sociedade, da mesma forma que os diferentes grupos religiosos se empenham na sua evangelização.
Deus não tem nada a ver com isto, porque, muito simplesmente, não existe.

Concordo perfeitamente com o teu ponto de vista quanto à liberdade dos ateus se constituirem como “força (des)envagelizadora”, inserida num quadro de liberdade democrática e respeito pela livre expressao discordante.

A minha discordância prende-se com o quadro argumentativo apresentado, que vai no sentido do combate às instituiçoes e nao na argumentaçao conceptual sobre a existência ou nao de Deus.

O argumentário de que todas as religioes vao contra o progresso social, já sem discutirmos a existência de divindades, parece-me genérica e superficial, visto que em várias religioes encontramos elementos que definem ou foram inspiradores da nossa (boa) moral publica como seja a condenaçao dos liberais selvagens (na expulsao de vendedores de um templo) ou o enaltecimento das camadas mais humildes da populaçao (a historia da agulha, camelo e dos ricos), entre outros.

Parece-me que é tudo uma questao de interpretaçao, acreditando ou nao na divindade da Biblia, o Corao e outros livros sagrados, dizer que estes sao entraves ao progresso social per si parece-me redutor.

Deixo-te aqui uma noticia linkada de um post do arrastao que vi há uns tempos que me parece paradigmatica disso: fala de um grupo de conservadores que pretende reescrever a Biblia porque algumas das suas passagens sao demasiado progressistas…

http://www.huffingtonpost.com/2009/10/05/conservative-bible-projec_n_310037.html

Rafael: acabei agorinha mesmo de perceber porque é que faz todo o sentido que sejas, além de comunista, católico. Dando uma de Fermat, deixo isto em nota de margem, por falta de tempo para explicar o meu raciocínio todo agora. Mas faz de facto todo o sentido.

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