Recebi via mail um importante documento enviado pela GDA aos seus cooperadores, destinado a esclarecer dúvidas sobre o regime de IVA a que estão sujeitos os profissionais das artes do espectáculo— actores, músicos e bailarinos— que tem sido alvo de inúmeras (pseudo) alterações, com os poderes públicos, nomeadamente a administração tributária, a tentarem tirar proveito da grande confusão instalada no meio artístico, envolvendo o estatuto dos artistas, mas também dos promotores.
Dada a gravidade da situação actual, a GDA decidiu criar um departamento específico para as questões de fiscalidade e impostos e oferece aconselhamento técnico-jurídico aos seus cooperadores.
Podem consultar o documento na íntegra aqui (em formato PDF), mas destaco alguns pontos:
Queixam‐se os artistas, de um modo geral:
- Que não conseguem perceber nem inteirar-se, não obstante os esforços que têm envidado nesse sentido, sobre qual é, ou como se qualifica, afinal, a sua situação jurídico‐tributária para efeitos de IVA, e designadamente para efeitos da sua inscrição e registo no respectivo cadastro — se isentos nos termos do art.º 53º; se isentos nos termos do art.º 9º, nº 15, al. a); se sujeitos a um regime misto;
- Que, dirigindo‐se à Administração Fiscal, essas dúvidas não são resolvidas, mas antes pelo contrário acentuadas, já que são várias e distintas as respostas colhidas junto das autoridades fiscais: nuns serviços de finanças sendo informados que estão isentos, noutros que estão sujeitos a um regime misto, noutros ainda que não sabem e que aguardam instruções superiores, já que esta situação é nova e está sempre a mudar;
- Que ao longo dos últimos anos a Administração Fiscal tem procedido, em relação a vários artistas, a modificações oficiosas dos respectivos registos e inscrições, estando mais uma vez a utilizar este procedimento, muitas das vezes para alterar o que já foi por si oficiosamente alterado;
- Que esta situação de incerteza e de insegurança— aliada à informação de inspecções fiscais de que foram já alvo alguns artistas — está a gerar o caos na comunidade artística;
(…)- Que toda esta situação está a prejudicar o normal desenvolvimento da actividade artística;
(…)
A GDA colocou como uma das suas prioridades a resolução desta questão fiscal, solidária com os problemas gravíssimos que neste contexto têm assolado os seus Cooperadores e o universo dos artistas.(…)
Porque os Cooperadores precisam prosseguir com a sua vida pessoal e laboral com o mínimo de segurança exigível, criámos no seio da GDA um departamento de fiscalidade e de impostos para o qual os Cooperadores poderão enviar as suas dúvidas e solicitar os respectivos esclarecimentos. Firmámos também uma avença com um advogado especialista em direito fiscal, que cobre estas situações de esclarecimento. Os Cooperadores interessados, podem assim enviar as suas dúvidas ao cuidado da Dr.ª Gisela Telles Ribeiro e Dr. Luís Sampaio, por carta, para a GDA em Lisboa ou no Porto e, por via electrónica, para o email impostos@gdaie.pt.
Esta é, portanto, uma óptima altura para me inscrever na GDA.
7 comentários a “Esclarecimento sobre IVA, pela GDA”
Vais-te inscrever na GDA? A GDA que é sócia da MAPINET?
Marcos: Eu poso discordar profundamente das posições que a GDA tem relativamente às estratégias para a protecção da propriedade intelectual e direitos conexos. Por isso mesmo, e por não ter nenhum trabalho editado em que me considere intérprete e não autor e ser esse o campo de actuação da GDA (direitos conexos) é que não me inscrevi até agora. mas garanto-te que muitos dos serviços que a GDA tem oferecido aos cooperadores são fundamentais para a dignificação das nossas profissões. E assumo que acho que a defesa da propriedade intelectual e dos direitos conexos é um trabalho importante e sei que a cobrança desses direitos tem sido uma fonte importante de rendimento para alguns profissionais da área.
Os fins não justificam os meios, obviamente, e, a inscrever-me, tentarei perceber se posso contribuir para outras formas de cumprir com os objectivos estabelecidos. Mas não posso fechar os olhos ao facto de, neste momento, e face a um problema gravíssimo que afecta a classe profissional (da qual eu faço parte, não sei se tu farás), ser a GDA a estrutura que mais se tem batido por fazer valer os nossos direitos e ajudar quem está em situações muitíssimo complicadas.
Mas se me sugerires uma alternativa duma associação sócio-profissional que esteja a fazer este trabalho que a GDA faz pelos artistas e que me possa dar algum apoio na minha potencial problemática relação com a Administração Tributária (ainda não me calhou na rifa, mas pode não tardar), sou todo ouvidos.
🙂 Compreendo a necessidade de uma entidade que actue no âmbito que faz a GDA, e lamento que não haja (até à data, e que eu tenha conhecimento) outra entidade que o faça além deles. Mas a minha opinião difere num ponto: apesar de ser importante a um artista ter os serviços que eles prestam, também acho importante para a Cultura, talvez mais, que não se dê peso a uma entidade que defende a extensão do tempo de “protecção de direitos” (vitimizando o domínio público), que pretenda excluir o direito à cópia privada, aumentar taxas que nem deviam existir (levies), apoie o uso de DRM, entre outros verdadeiros atentados à arte e à cultura. Não consigo achar defensável o financiamento de tal estrutura, mas claro que cada um tem as suas opiniões e prioridades 🙂
Marcos, diz-me só se concordas com este princípio:
– um produtor decide fazer ou adaptar uma série de desenhos animados e encontra uma estação de televisão interessada que financia a produção;
– um actor é contratado para fazer locução dessa série de desenhos animados e é pago à linha, pelo trabalho que tem naquele momento;
– após a primeira exibição, a série volta a ser exibida no mesmo canal, é posteriormente editada em DVD, é emitida noutro canal e, de cada vez que isso acontece, o produtor é pago por isso
– o actor nunca recebe mais um tostão, mesmo que o valor que acrescentou à série seja publicamente reconhecido.
Sem cobrança de direitos conexos é isso que aconteceria e foi assim que as coisas se passaram em Portugal até há muito pouco tempo. Podemos pensar em actores e locutores, mas podemos pensar em instrumentistas que participam numa sessão de gravação dum álbum, recebem pelas horas de estúdio e deixam de fazer parte da lista de beneficiários do eventual sucesso financeiro do dito álbum.
Como te disse, eu, pessoalmente, não acho que deva ser beneficiário de direitos conexos, já que não tenho (ainda) nenhuma participação em obras das quais não seja autor ou co-autor e, como tal, e porque defendo o domínio público, opto por não proteger essas obras com qualquer tipo de registo.
Mas, do meu ponto de vista, as coisas não são absolutamente a preto e branco e sei que as questões de propriedade intelectual e a definição do justo valor e compensação a atribuir a todos os intervenientes num processo criativo são questões que vão demorar algum tempo a evoluir.
Entretanto, reconheço o meritório trabalho de apoio a variadíssimos níveis que a GDA tem dado à classe: sei de gente que pôde regularizar velhas dívidas com os primeiros pagamentos de direitos da GDA, sei de gente que voltou a um consultório de dentista (e outras especialidades médicas) pela primeira vez em muitos anos, por causa dos acordos da GDA, sei de gente muito talentosa que voltou atrás na decisão de abandonar a profissão por causa dos pagamentos de direitos conexos da GDA.
São coisas de que se fala pouco porque o pudor e a vergonha imperam também entre os profissionais do espectáculo e porque se presume sempre que o cliché do talentoso instrumentista que vive miseravelmente da caridade de estranhos tem algum charme e é opção. Não tem charme nenhum e não é opção.
A GDA, se tem algum mérito, é o de dar a algumas pessoas que deram couro e cabelo pela “arte” e pela “cultura” e que ninguém (re)conhece, uma compensação mínima pela exploração a que foram sujeitos.
Se me tornar cooperador será para ajudar a reconhecer a importância de fazer esse trabalho.
Pela tua resposta vejo que não me expliquei bem. Aquilo que tenho contra a GDA ou contra a SPA (para dar outro exemplo) não é o direito de autor ou os direitos conexos. A discussão (interessante, e que podemos vir a ter se quiseres) da existência desses direitos e em que moldes (em que moldes estão, em que moldes deveriam estar) não é a questão que aqui puz. Os direitos de autor e direitos conexos são direitos que assistem os autores e intérpretes, obrigatoriamente, como definidos pela Lei Portuguesa, e nesses moldes. Não é a GDA que dá direitos conexos, nem a SPA direitos de autor: é a Lei. Que os cidadãos se façam valer dos seus direitos? Nada contra, tudo a favor. A ter contra, seria contra as Leis, não de quem faz uso delas. Mas essas entidades, em particular a GDA, fazem outras coisas, para além da Lei. Como exemplo, a GDA tem feito lobby para que a Lei seja alterada de forma a extender ainda mais o tempo que demora uma obra a entrar em domínio público, coisa a que me oponho veementemente (se quiseres posso aqui explicar o porquê). Sou cidadão Português e autor, não preciso de nenhuma sociedade para ter os direitos de tal – a Lei garante-mos. Pertencer a uma sociedade como a SPA podia eventualmente facilitar-me a vida enquanto autor, mas ao fazê-lo estaria também a financiar movimentos que me prejudicariam enquanto autor mas principalmente enquanto cidadão. Porque a Cultura só o é enquanto bem público, e porque a prezo e quero activamente defendê-la, tento, honesta e seriamente, travar todas as tentativas de a danificar, por mais benefícios pessoais que tiraria disso, por mais “disfarçadas” estejam essas intenções.
O problema, Marcos, é que a lei delega a implementação das leis nestas associações. Nacional e internacionalmente é assim. E elas, SPA e GDA, são associações e cooperativas, representando os membros inscritos, activamente, e os não inscritos, por omissão, pelas competências que a lei lhes atribui.
A real discussão é, portanto, como intervir no seio destas associações para que elas sirvam os interesses reais dos autores e artistas? Com o passar do tempo, parece-me que a única solução é pertencer, ser um membro crítico e promover uma militância crítica dentro destas associações. Dá trabalho que eu, pessoalmente, não queria ter, mas talvez seja a única solução.
Das duas associação, SPA e GDA, inclinar-me-ia mais para intervir junto da GDA, já que lhe reconheço maiores méritos sociais e maior impacto directo na vida dos seus membros. Mas aquela em que me deveria inscrever, em primeira instância era mesmo a SPA, porque é como autor que trabalho e não como intérprete. Mas sobre a acção da SPA tenho tantas outras queixas…
Esta é uma discussão longa e que, provavelmente, desemboca num par de questões:
– deveria a lei prever mecanismos não-associativos ou cooperativos de defesa dos direitos de autor e direitos conexos?
– será possível criar novas associações e/ou cooperativas, capazes de desenvolver trabalho semelhante, com uma agenda radicalmente diferente?
Nota: quando dizes que não precisas da SPA para garantir os teus direitos de autor estás a falar exclusivamente do ponto de vista filosófico, conceptual e abstracto, certo? Sem registo da obra numa associação congénere e sem o teu registo como autor, qualquer recompensa devida pelo uso do teu trabalho resultará do teu empenho pessoal na negociação e, mesmo assim… A título individual é virtualmente impossível que te sejam reconhecidos os direitos autorais e ficas de fora de todos os esquemas compensatórios definidos na lei, como as taxas genéricas, mesmo as de que discordas. Eu, por exemplo, não discordo de todas, mas acho que estão muito mal regulamentadas, como é o caso das licenças das discotecas e das rádios. E se formos para os direitos conexos, aí, sozinho, é a selva… ou não?
(A resposta é curta, apressada, e pode não te responder a tudo. Caso isso aconteça, estás a vontade para voltar a pedir a minha opinião sobre algum ponto em particular :-))
Não é verdade. A Lei não delega a implementação de leis, nem a execução delas. Em particular, essas sociedades só representam os membos activos, e não “os não inscritos, por omissão”. E a Lei não lhes atribui competências.
“A SPA representa os autores portugueses de todas as disciplinas literárias e artísticas,
seus sucessores e cessionários, que nela se acham inscritos (cujo número hoje se eleva a cerca de 20.000).
Representa ainda os autores, sucessores e cessionários inscritos em cerca de 200 sociedades congéneres existentes em 90 países de todos os continentes, com as quais a SPA mantém relações contratuais recíprocas”.
Se eu não quiser ser representado pela SPA é fácil, basta não ser sócio. A Lei não atribui competências à SPA mas sim aos Autores, e se eu não delegar a gestão dos meus direitos à SPA, posso 1) delegá-los a outra entidade, 2) fazer eu essa gestão, ou 3) não ligar ao assunto e pronto. De relembrar que já houve várias tentativas de criação de concorrência a estas entidades. Por exemplo, a DAICOOP, que tentou ser um “2 em 1” (SPA + GDA) mas melhor, mas que logo de início pisou os calos à SPA, não só por ser concorrência mas também por coisas como estas ( http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/150859 ) pelo que rapidamente viu a sua licença de actividade, dada pela IGAC, a ser retirada (também pela IGAC) de forma que eles consideram ilegal (e eu também, mas não sou de direito, posso estar errado). O caso foi para tribunal, com uma providência cautelar que suspendia a suspensão da IGAC, mas o caso ainda marina em tribunal… e não sei se não será arquivado, porque não sei se a DAICOOP ainda existe ou já morreu por falta de negócio à espera da decisão do tribunal… Ou seja, e resumindo, se a SPA e GDA têm o monopólio do mercado é pelas suas atitudes asfixiantes, não porque a lei lhes delegue seja o que for.
Indo directo às questões:
– A lei já prevê, por omissão, mecanismos não-associativos de defesa dos direitos. Tu és autor, tnes direitos e podes exercê-los, indepententemente na tua associação a um movimento como a SPA ou a GDA. A SPA é um mecanismo cooperativo. Nada na Lei diz que a SPA ou a GDA têm direito de monopólio no mercado em que actuam.
– Legalmente, em teoria, é possível “criar novas associações e/ou cooperativas, capazes de desenvolver trabalho semelhante, com uma agenda radicalmente diferente”. Como em qualquer outro mercado em que só haja um player com o monopólio do mercado, tentar isso e conseguir vai ser difícil por abuso de posição dominante, como a história já provou em Portugal. A pormiscuidade da relação entre estas entidades e a IGAC é, também, reprovável e um entrave para que isso possa acontecer. Mas, legal e teoricamente, é possível.
Not so fast. Segundo a Lei, tu crias uma obra -> és autor dela -> tens direitos autorais. Não há obrigação nem sequer recomendação de registo seja do que for. Continuas a ter direito a todos os esquemas compensatórios definidos na lei, como as taxas genéricas. Pode ser “uma selva”, é certo, mas sempre gostei da natureza 🙂 Ou melhor, é uma selva porque não estar registado é ser uma minoria que é discriminada com atitudes muitas vezes comparáveis às da máfia*. Mas se as pessoas começarem a bater o pé, a levantar a voz…
* http://mindboosternoori.blogspot.com/2007/11/being-musician-in-portugal.html
Ah, quanto às “taxas que discordo”, estava a falar em particular disto: http://circa.europa.eu/Public/irc/markt/markt_consultations/library?l=/copyright_neighbouring/compensation_private/ansolpdf/_EN_1.0_&a=i