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Mau sinal

Já aqui escrevi o fundamental do que penso sobre a demissão do Pedro Jordão do cargo de director artístico do Teatro Aveirense. Já tinha até escrito uma boa parte daquilo que pensava no momento da sua nomeação. Li agora, no Público, a reacção da tutela, pela voz da Vereadora da Cultura, Maria da Luz Nolasco, que, sendo célebre pela quantidade de vezes que desperdiça boas oportunidades para estar calada consegue, neste momento específico, uma das suas maiores proezas. Coragem não lhe falta, com certeza. Sentimento de impunidade também não.

Maria da Luz Nolasco, presidente do Conselho de Administração do Teatro Aveirense e vereadora da CMA, não aceita as justificações apresentadas por Pedro Jordão para a sua decisão, e fala antes numa “incapacidade para mobilizar a qualificada equipa de pessoas que forma o actual universo do TA” por parte do director artístico demissionário.

Não adianta nada a propósito dos compromissos assumidos pela Câmara que faltaria honrar, segundo Pedro Jordão. Não adianta nada acerca das condições de tesouraria e gestão do Teatro. Não confirma nem desmente situações de incumprimento em pagamentos de cachets, por exemplo. Não comenta as condições de financiamento e apoio por parte de entidades terceiras, nem a situação de incerteza e indefinição orçamental que Pedro Jordão alega.
Não tenta sequer explicar o desfasamento entre as expectativas que ela própria depositava em Pedro Jordão no início deste processo e a frieza desta análise do seu aparente falhanço elementar.

A fulana que fulanizou a direcção artística do Teatro, fulaniza de forma igual quando corre bem e corre mal.

Já há mais gente a perceber porque é que defendo discussões públicas, cadernos de encargos, cartas de missão e concursos?

Esta reacção é um mau sinal evidente (e expectável) no que ao futuro do TA diz respeito. E entristece-me profundamente. Entristece-me porque sei que com as condições financeiras em que o Teatro vai operar (e não nos esqueçamos que essas condições financeiras resultam de opções políticas) é virtualmente impossível construir um projecto de programação consequente. Entristece-me porque sei que não há nenhuma visão ou projecto por parte dos responsáveis locais para um equipamento que podia desempenhar um importante papel no desenvolvimento da cidade e que já leva 7 anos de adiamentos. Entristece-me especialmente por ter dúvidas sobre o impacto público que esta situação terá e por desconfiar seriamente que a “saúde” do Teatro Aveirense é algo a que a esmagadora maioria da população da cidade é alheia, ainda que todos venhamos a ser afectados pela sua degradação.

E, por falar em 7 anos de adiamentos e falta de visão e discernimento: quem esteve na apresentação da Bichofonia Cantante: Opus Formiguinha” (um belíssimo espectáculo da Companhia de Música Teatral), no passado sábado, terá tido oportunidade de assistir ao deprimente prólogo protagonizado precisamente por Maria da Luz Nolasco, a pretexto do 7º aniversário da reabertura do TA (uma data certamente a celebrar), onde a sua completa desorientação se manifestou de forma original; ao invés de preparar e oferecer à sala cheia e com muitas crianças uma leve e fácil ligação entre este 7º aniversário, o público infantil e o espectáculo, a Vereadora aborreceu as crianças com um discurso sobre as novas valências técnicas do equipamento após a renovação, com requintes de malvadez que fizeram as portas abrir para a saída de algumas crianças mais impacientes e sem uma única referência ao público bastante específico que ocupava a sala naquele momento e nenhuma palavra relativa ao espectáculo que o Teatro ia apresentar. Ouvimos (os adultos e as crianças presentes) coisas tão úteis e interessantes como qual a profundidade do palco, o que é novo no funcionamento do bailéu— com convite a que alguém da equipa técnica explicasse melhor, felizmente recusado—, qual a lotação da sala após a supressão do 2º balcão, qual a altura da caixa de palco e características da teia e como é que isso se relacionava com a perda da classificação patrimonial… Foram pedidas palmas para o Teatro que “está a passar por um período conturbado, mas que se irá resolver”, mas nada foi dito acerca da qualidade do espectáculo a que íamos assistir ou da pertinência de apresentar um espectáculo desta natureza e para este público num momento de celebração e crise. É que nem que fosse completamente hipócrita e demagógico era mais eficaz e era fácil “fazer o bonito” de associar o público infantil a quem o espectáculo se dirige a uma ideia de aposta no futuro e na “música teatral” assim apresentada como um desafio na criação de novos públicos para todas as artes performativas.

Felizmente, o espectáculo da Companhia de Música Teatral foi suficientemente bom para fazer esquecer aquele prólogo, de que me lembrei ao ler a tal reacção no Público.

E por tudo o que sei e por tantas coisas que não sei (e não quero saber), só me resta perguntar: podemos propôr que o Pelouro da Cultura na Cidade de Aveiro fique em auto-gestão?

ADENDA: Vale a pena ler o comunicado da Vereadora na íntegra, especialmente na sua versão comentada por Jorge Pedro Ferreira.

5 comentários a “Mau sinal”

João, o prólogo da Maria da Luz Nolasco é deprimente, como aliás todas as intervenções públicas com que nos tem prendado. Sem excepção. Noutra situação, teria ficado ambivalente, ali entre criticar abertamente ( como já fiz, nomeadamente quando começou a oferecer aleatoriamente bilhetes para o espectáculo que se seguiu à discussão, no TA, sobre o papel de um teatro municipal!!!…) e rir-me da situação, esperando que pessoas como o Pedro Jordão pudessem, enfim, aplacar os ânimos e contornar habilmente a total ausência de perspectiva da nossa vereadora a propósito da programação, da criação de públicos, etc. etc. Desta vez a coisa pia mais fino. Já não há pachorra. Espero sinceramente que o pelouro da cultura fique, não em auto-gestão, mas à disposição. E já agora, aí também seria interessante poder haver critérios de selecção…!

João, quanto ao prólogo da Maria da Luz, já todos nós presenciámos infelizmente, inúmeras situações em que a vedeta principal se exprimiu, mas era tão inconsequente que ninguém reagia de verdade, e tomou-se sempre como acto de desabafo de contar quase semanalmente as novas loucuras da directora/Vereadora. Não podemos ser facilitistas. O facto é que o TA é uma estrutura realmente grande e poderá ter de facto outro raio de acção. A filosofia e política a seguir e tu tocas em algumas coisas interessantes, terá de ser revista. Concordo com a discussão pública.

Boa literatura.

Ou muito me engano ou parte dos 7 anos de adiamento que refere são da responsabilidade de um ex-colega de listas autárquicas…

Boa literatura – (Parte II)

OU muito me engano ou Pedro Jordão afirmou à entrada das suas funções no teatro que sabia bem para onde ia.

OU muito me engano ou Pedro Jordão afirmava no último introito do programa publicitário que realizou que «não há crise financeira que desculpe a falta de visão» … pelos vistos havia.

OU muito me engano ou lá teremos que aturar o dr Marques Correia falar alto do seu pedestal como se percebesse muito do assunto.

Caro Manuel César,

Compreendo que se repita à exaustão a minha afirmação inicial sobre “não ir ao engano” para o TA, mas julgo que se percebe pelas minhas afirmações mais recentes que do outro lado (leia-se “a tutela”) nem tudo foi cumprido como era esperado… ao início. Para além de uma ou outra “pequena” surpresa que não pude adivinhar.

Quanto à minha afirmação no último editorial da agenda do TA, obviamente o aviso quanto a uma eventual “falta de visão” não se dirigia à programação mas a quem tem que decidir se investe ou não na cultura.

Como disse, compreendo um sem número de afirmações/deduções que por aí correm, mas quando fizer sentido um esclarecimento, estarei sempre disponível.

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