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As escolas não são de papel (parte II)

Apontamentos relativos ao enquadramento legislativo da gestão técnica e humana dos Jardins de Infância da Rede Pré-Escolar Pública

Servem os presentes apontamentos para recordar aos decisores políticos o enquadramento jurídico das decisões tomadas no que à gestão técnica e humana dos Jardins de Infância da Rede Pré-Escolar Pública diz respeito.
Recordamos que a Lei de Bases do Sistema Educativo, aprofundada pela Lei Quadro da Educação Pré-Escolar, define os objectivos da educação pré-escolar e as funções que o Estado deve assumir. Recordamos que a educação pré-escolar, nesses documentos é definida como “complementar e ou supletiva da acção educativa da família, com a qual estabelece estreita cooperação”, pelo que as decisões relativas às condições de funcionamento elementares, como alterações ao quadro técnico e humano, seriam, naturalmente, objecto de consulta junto das famílias através da sua representação na escola. Recordamos também que, ainda em sede de Lei de Bases e Lei Quadro, se atribui como um dos objectivos da educação pré-escolar, uma contribuição para a “estabilidade e a segurança afectivas das crianças”. Essa contribuição passará, em grande parte pela natureza das relações que se estabelecem estre os diferentes actores da comunidade educativa e é certamente, contra-producente alterar significativamente este quadro de relações que as crianças estabelecem, a não ser em último recurso e face a outros objectivos superiores. Por isso, entre outras coisas, se tem progredido, em várias frentes e graus de ensino na promoção da estabilidade dos corpos docentes, por exemplo, e, no caso da educação pré-escolar, como resulta evidente da simples observação do seu quotidiano, as relações significativas que as crianças estabelecem não se limitam aos Educadores de Infância. Sendo isto verdade para qualquer criança, as alterações neste quadro de relações terão um impacto inversamente proporcional à idade, sendo as crianças do pré-escolar mais vulneráveis, nesse sentido.
Considerando o exposto ao nível dos princípios, e observando as restrições técnicas e regulamentares de funcionamento, resultado de Despachos Conjuntos do Ministério da Educação e do Ministério da Segurança Social e do Trabalho, assim como das Finanças e o Decreto Regulamentar 12/2000 relativo às condições a observar no alargamento da rede pré-escolar pública e a integração destes equipamentos nos agrupamentos de escola, ainda que se compreenda que a distribuição de competências e obrigações entre Administração Central, nomeadamente Ministério da Educação, e Autarquias não é completamente clara ou respeitada no terreno, não podemos deixar de considerar que a provisão dos necessários profissionais, nomeadamente ao nível dos auxiliares de acção educativa e animadores sócio-culturais, é uma responsabilidade que não pode de forma alguma ser abandonada de forma leviana. Considerando a lotação técnica das salas do Jardim de Infância (20 a 25 crianças) e cruzando o horário de trabalho dos Educadores de Infância- definido no Estatuto dos Jardins de Infância (DL 542/79) como 30 horas de trabalho directo com as crianças e 6 horas para outras actividades- com o horário de funcionamento dos mesmos, percebe-se que a referência, no mesmo DL ao “pessoal auxiliar de apoio”, não se pode entender como uma valência “extra” ou “opcional”. Para funcionar correctamente, mesmo o mais pequeno e restrito dos jardins de infância, necessitará de pessoal auxiliar de apoio, de forma permanente.
O reconhecimento disso mesmo, na Portaria nº 1049-A/2008, onde se estabelecem “os critérios e a fórmula de cálculo da dotação máxima de referência dos auxiliares de acção educativa e dos assistentes de administração escolar” e se aponta como referência para a educação pré-escolar, o número de 1 auxiliar para um número igual ou inferior a 40 crianças, mais 1 auxiliar por cada conjunto adicional de 1 a 40 crianças (Ponto 4º, número 2.1. alíneas a e b), que tem sido respeitado no Jardim de Infância de Santiago (ainda que com vínculos laborais precários e desajustados), presumivelmente por se compreender esta necessidade, fortalece a nossa convicção de que o quadro legal em vigor favorece a nossa interpretação de que, não só as 2 auxiliares de acção educativa em funções são necessárias, como se deveria caminhar precisamente no sentido de resolver a precariedade do seu vínculo laboral.
Qualquer decisão contrária a esta teria que ser cuidadosamente e profundamente explicada a toda a comunidade educativa e sujeita a diálogo, considerando a delicadeza da situação e a fragilidade da população que atinge. Se nos preocupa o futuro laboral das funcionárias em causa (não só as auxiliares, mas também as animadoras que asseguram o prolongamento de horário e a componente de apoio à família), o que nos move, em primeira análise é o bem estar das nossas crianças.
Mas, a manter-se a insensibilidade dos decisores, podemos simplesmente apelar ao seu sentido de respeito pelo estado de direito e, além de fazer estes alertas, frisar que, caso se confirmem as informações oficiosas relativas à substituição destas funcionárias por recurso a Programas Ocupacionais do Centro de Emprego, não temos nenhuma dúvida de que se estará a cometer uma grave ilegalidade e um abuso do próprio sistema implementado pelo IEFP, uma vez que, na definição do mesmo- e por pressão do Provedor de Justiça, entre outras (vide Recomendação Nº 4/B/2004)- é definido de forma clara que o objecto destes programas é o “trabalho socialmente necessário” e que as candidaturas devem comprovar cumulativamente que “são relevantes para a satisfação de necessidades
sociais ou colectivas temporárias a nível local ou regional” e que “não visam a ocupação de postos de trabalho” (Portaria nº 128/2009, artigos 2º e 5º).
No caso vertente, as necessidades não são temporárias e visam a ocupação de postos de trabalho e a verificação destes dados não requer grande trabalho.
Obviamente, nem a razão moral, nem as de tipo jurídico-legal, nos dão qualquer tipo de descanso, em si mesmo, mas temos razões para acreditar que estes esclarecimentos serão úteis para que sejam ainda tomadas as medidas necessárias para inverter o processo já iniciado (as cartas de não renovação de contratos já foram enviadas às funcionárias) e se inicie um processo normal de resolução deste problema.

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As escolas não são de papel

No Jardim de Infância que a Maria frequenta, que é da rede pública, os contratos das auxiliares de acção educativa (confesso que não sei se é este o termo exacto que define a função da Mena e da Eliana), termina a 31 de Dezembro e a Câmara Municipal de Aveiro não terá intenções de o renovar, tendo planeado passar essa responsabilidade para as Juntas de Freguesia que, entre isso e a “austeridade”, planeiam recorrer a bolsas do Centro de Emprego para contratar gente por preços mais baixos.

Se as escolas fossem feitas de papel e habitadas por números, tudo parecia fazer sentido, numa altura em que apenas se admitem subtrações ou um aumento substancial dos divisores. Nas listas de deve-haver dos diferentes níveis de poder, as responsabilidades acumulam-se e, entre “delegar” para o nível abaixo ou abandonar funções progressivamente, o país esboroa-se.

O impacto destas decisões vai sendo sentido por comunidades maiores ou mais pequenas, mais ou menos capazes de fazer ouvir a sua voz e reivindicar os seus direitos, mas, nas voragem dos dias, temos pouco tempo para pensar no efeito não-imediato das medidas que se tomam, quando se reduz o país a um balancete estreito.

Perder a noção das prioridades é, nestes tempos de “austeridade”, meio caminho andado para a desgraça. E é o que parece ser o caso nesta tentativa tonta de poupar uns cobres nos míseros salários destas auxiliares, que têm demonstrado, ao longo do tempo, profissionalismo, dedicação e empenho e constituem, com as educadores e o resto da comunidade escolar uma equipa de que todos precisamos para continuar a funcionar como comunidade. A decisão não serve o interesse das crianças, nem da escola como comunidade e as poupanças, a existir, nunca serão capazes de inverter este facto.

E é particularmente ridículo que este tipo de manobras continue a acontecer, enquanto se afirmou veementemente o consenso de que a estabilidade é um dos valores mais importantes no sucesso dos processos de aprendizagem na escola que, por sua vez, é um dos únicos modos eficazes de nos retirar da crise a longo prazo.

O abaixo assinados que fazemos passar a partir de hoje, entre pais, educadores e encarregados de educação das crianças do Jardim de Infância de Santiago, tenta dizer isso e é a nossa forma de nos manifestarmos, para já. Mas as razões que o movem servem para participar activamente e discutir tantas outras decisões pouco inteligentes que se vão fazendo nos diferentes níveis de poder, em áreas de actuação diversas.

ABAIXO ASSINADO DOS PAIS, EDUCADORES E ENCARREGADOS DE EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS DO JARDIM DE INFÂNCIA DE SANTIAGO
PELA PROTECÇÃO DA COMUNIDADE ESCOLAR NO SEU TODO

Ao Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Aveiro,
Aos Ex.mos Sr.es Vereadores da Câmara Municipal de Aveiro,
Aos ilustres representantes eleitos da Assembleia Municipal de Aveiro,
Ao Ex.mo Sr. Presidente da Junta de Freguesia da Glória,
À Direcção do Agrupamento de Escolas de Aveiro,

Ex.mos S.res:

As notícias trazidas a público no passado dia 4 de Dezembro, no Diário de Aveiro, assim como os esclarecimentos adicionais prestados por vários dos envolvidos, ainda que carecendo de confirmações oficiais, convocam-nos, na qualidade de pais, educadores e encarregados de educação das crianças que frequentam o Jardim de Infância de Santiago, no sentido de obter esclarecimentos rápidos quanto à situação do pessoal não docente que aqui desempenha funções e afirmar, desde já, que quaisquer que sejam os problemas ou constrangimentos que urge resolver, não devem, em nenhum momento ser invertidas as justas prioridades. Ou seja, o superior interesse das crianças que frequentam este estabelecimento de ensino deve ser cuidadosamente acautelado.
Dizem-nos as notícias que os contratos que vinculam o pessoal não docente no Jardim de Infância terminam no dia 31 de Dezembro e que a Câmara Municipal não garante a sua renovação, passando a responsabilidade para a Junta de Freguesia que, previsivelmente, recorrerá a bolsas do Centro de Emprego. Não temos dúvidas que nessas bolsas estará gente capaz e merecedora de vínculos laborais, mas não nos parece fazer sentido, num momento em que a estabilidade dos meios educativos é já um valor consensual e dada a confiança que esta equipa tem merecido por parte de todos, que as profissionais que temos o hábito de tratar pelos nomes, Filomena e Eliana, e com quem partilhamos, no contexto da equipa que a escola estabelece com as famílias, a educação dos nossos filhos e educandos, sejam substituídas desta forma e nesta altura, com prejuízo evidente das crianças, dos restantes profissionais, que se devem adaptar às mudanças na equipa, e da escola, enquanto comunidade.
Compreendemos que, no papel, as medidas que estão a ser implementadas possam parecer simples e eficazes do ponto de vista da gestão dos recursos e da alocação das responsabilidades. Compreendemos que o equilíbrio entre as funções desempenhadas pela administração central e local no domínio da educação seja difícil de manter. Mas nenhuma escola é feita de papel, assim como as crianças que nelas crescem e se desenvolvem ou as pessoas que permitem que esse desenvolvimento acontecem não se podem reduzir à triste condição de número numa lista de deve-haver.
Nós, porque conhecemos as nossas crianças, porque sabemos da importância que tem, para elas, a presença profissional, motivada, empenhada e afectuosa destas pessoas, achamos que temos direito a ser ouvidos neste processo, sabemos que somos parte dele, com ou sem a Vossa iniciativa e desde já afirmamos que, com o que sabemos, não podemos deixar de pensar que, no processo de tomada de decisão, alguém se esqueceu de verificar do que se estava a falar e de compreender que havia um factor determinante que estava a ser esquecido que é, precisamente, o superior interesse das crianças.
E é por isso que assinamos este abaixo-assinado, em que vos pedimos esclarecimentos, mas também acções decisivas no sentido de regularizar esta situação, em nome das crianças que frequentam o Jardim de Infância, a quem não queremos ter que explicar porque é que, depois do Natal, a Mena e a Eliana já não vão estar na escola.

Assinam pais, educadores e encarregados de educação que frequentam o Jardim de Infância de Santiago

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(des)igualdade de género no desporto

Ontem à noite, o comentador de Atletismo da RTP, reflectia sobre a desigual prestação atlética chinesa, em termos de género. Isso aconteceu ao primeiros minutos da transmissão televisiva da Maratona que é, naturalmente, uma transmissão que se presta a reflexões de tipo mais geral.

Dizia ele que no Atletismo era evidente que havia mais atletas femininas chinesas no topo mundial do que masculinos. E que, noutros desportos, lhe parecia que isso também se verificava (citou o futebol, por exemplo). E dizia, numa atitude de honestidade e curiosidade que não é comum entre comentadores televisivos, que isso seria um fenómeno que merecia alguma atenção. Primeiro para se verificar se esta sua “impressão” corresponde à verdade, de facto, e, depois, para estudar as causas (e os efeitos, acrescentaria eu) desta desigualdade de género na prestação desportiva chinesa.

Não percebo nada destas coisas, mas a questão interessou-me, para lá de considerações filosóficas e/ou políticas profundas. Porque, provavelmente, seria importante perceber se se trata de uma desigualdade do contexto desportivo chinês (ou de outras nações em que este fenómeno se verifique), ou de uma desigualdade do sistema desportivo mundial, que privilegia o sector masculino (com visibilidade e recursos), transformando dessa forma a eventual “igualdade” de alguns sistemas de promoção do desporto, numa aparente desigualdade a favor das mulheres no quadro competitivo global. Percebe-se a minha questão?

Que dizem os treinadores de bancada?

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Liberdade religiosa

Dou por mim a pensar que, no “Portugal profundo”, liberdade religiosa tem um significado algo particular. Poderá ser a liberdade de ficar no café, ao domingo, enquanto se espera pelos membros da família que vão mesmo à Igreja. Poderá ser a liberdade de sintonizar a TVI, em vez de ir mesmo à Igreja. Ou até a liberdade de fazer zapping entre a TVI e um outro canal (eventualmente com desporto ou “programas populares”).

No fundo, liberdade religiosa, para uma parte significativa da consciência colectiva dos portugueses, é apenas a liberdade de decidir com que intensidade se pratica a religião dominante e a tolerância “histórica” que sempre se alimentou relativamente aos “não-praticantes”, normalmente ilustrada por histórias de “hipocrisia” dos que, em momentos de aflição, se tornaram devotos.

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50 anos de Amnistia Internacional

[vimeo]http://www.vimeo.com/24146622[/vimeo]

A causa é valorosa. O vídeo belíssimo e, como se pode constatar no making of, a referência “florida” ao nosso 25 de Abril de 74 é uma escolha consciente e simbólica que muito nos devia honrar e que nos devia dar força para continuar a lutar pelos amanhãs que cantam.

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O Verdadeiro Poder das Artes Performativas, Ben Cameron

Conferência TED de Ben Cameron, de Fevereiro de 2010.

Um interessante paralelo entre o momento actual das Artes Performativas, face à democratização dos meios de criação, difusão e consumo e a Reforma Protestante do século XVI. E uma defesa apaixonada do papel das artes na construção dum mundo mais equilibrado em tempos conturbados.

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Comunicação Social no seu melhor (sobre a supressão do comboio Porto-Vigo)

A CP decidiu acabar com a ligação ferroviária Porto-Vigo, dando um triste exemplo do que nos espera face às anunciadas privatizações. O Público dá a notícia de que a “CP suprime ligação Porto-Vigo a partir de domingo” e, na página da notícia, podemos ver, nos títulos relacionados, que os “Espanhóis aceitam fim da ligação de comboios Porto-Vigo“, mas que o “Autarca de Vigo lamenta fim da ligação ao Porto“.

Estará o Público a pôr em causa a nacionalidade do autarca de Vigo ou a alertar para as diferentes perspectivas entre o poder político local e a população? Nada disso: os “espanhóis” a que se refere o título acerca da aceitação deste fim anunciado, referem-se à Renfe, a operadora ferroviária espanhola.

Qual será o critério editorial que justifica estes títulos?

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Contribuição para o Debate Aberto, no Esquerda.net

O Bloco tem que reflectir e tem que fazer muita coisa*

Tenho acompanhado com interesse uma parte significativa da reflexão que se vai fazendo e sublinho os apelos à necessidade de reflectir sobre as causas mais profundas da derrota da esquerda, em geral, e do Bloco de Esquerda, em particular. A possibilidade de participar num debate aberto, promovido pela Mesa Nacional é, por isso, algo que prezo especialmente e que espero sirva para convocar em quantidade, diversidade e qualidade, vozes lúcidas de esquerda.

É particularmente difícil, nesta altura em que parte do ruído gerado pela comunicação social e eventualmente mal gerido pela estrutura do Bloco e alguns dos seus protagonistas, se sobrepõe à reflexão real, compreender algumas vozes de militantes do Bloco que criticam os “ziguezagues” estratégicos dos últimos tempos. Não que não compreenda do que falam, mas porque me parece que os que criticam os “zigs” não são os mesmos que criticam os “zags” e estão mesmo na origem destes últimos. E vice-versa. E, sendo a diversidade enérgica de opiniões no interior do Bloco a sua principal riqueza, custa-me constatar que, até certo ponto, os bons resultados eleitorais tenham servido os interesses de todos os seus sectores, que se apresentam muitas vezes como portadores da legitimidade eleitoral “toda” do Bloco, enquanto que os maus resultados parecem ser usados como arma de arremesso interno, dizendo uns que o espaço natural do Bloco é mais ao centro (culpando os zags), outros que o Bloco tem que clarificar e radicalizar o discurso à esquerda (culpando os zigs).

A mim parece-me evidente que o Bloco tem que reflectir e tem que fazer muita coisa. Parece-me também evidente que, nesse exercício, não pode deixar de ser um espaço de liberdade e convergência da(s) esquerda(s) divergente(s), mas tem que encontrar formas mais claras e eficazes de comunicar interna e externamente, porque há um desfasamento entre as convicções do(s) eleitorado(s) e da(s) militância(s), natural e presente em quase todos os partidos, que no Bloco se articula de forma difícil com a energia da discussão interna e com a sua desequilibrada visibilidade pública.

Por outro lado, também acho que é preciso enquadrar toda esta reflexão, considerando a verdadeira natureza do último resultado eleitoral do Bloco. Pessoalmente, não acho que o resultado nestas eleições tenha sido catastrófico, na exacta medida em que senti que o anterior tinha sido excepcional. Ou seja, acho que é chegado o momento de compreender que o Bloco não se pode deixar deslumbrar, confundir eleitores com militantes e iniciar uma artificial guerra de facções. Creio que este é o tempo de se convocarem as vozes que dão força real ao Bloco para uma reflexão tão profunda quanto serena e razoável acerca do presente e futuro. E essas não são as vozes “barricadas” que fundaram o Bloco numa estratégia de sobrevivência, mas que nunca abandonaram realmente uma qualquer ortodoxia sectária, mas sim as vozes de quem participa activamente e construtivamente (e convictamente) nos entendimentos e nas convergências desta(s) esquerda(s).

São aqueles que estão “reféns da História” que têm mais voz e visibilidade na discussão interna? Preocupa-me se assim for.

Há uma desproporção preocupante entre o peso político e o peso mediático de alguns dos intervenientes na discussão? Não me surpreende, num partido que teve sempre um tratamento “especial” por parte da comunicação social.

Pode o Bloco avançar ou crescer sem a participação das vozes que o “ligam” e que, não sendo filiadas em nenhuma das suas facções, sentem que a sua participação política e a sua liberdade está a passar por ali? Creio que não.

Não sendo militante, não conheço os processos internos, e tenho a certeza que os próximos tempos serão vitais para a expressão social e política desta esquerda em que acredito e confio, pelo que tenho ponderado aderir ao Bloco, para poder fazer parte dessa reflexão e ficar implicado com o seu resultado. Sem perder liberdade e autonomia, mas assumindo um outro tipo de compromisso com esta (minha) esquerda.

Não é que me sinta diminuído perante a possibilidade de participar, na qualidade de cidadão, neste debate aberto que agora se inicia, mas creio que a promoção de novas formas de militância é parte fundamental do futuro do Bloco. Novas militâncias que favoreçam uma ideia de futuro da esquerda, face à promessa de futuros históricos. Novas militâncias que, sem desprezar a história ou os percursos individuais e colectivos, permitam a construção de propostas e discursos que promovam as convergências possíveis à esquerda, articuladas em torno de projectos de acção política e social consequentes e mobilizadores, sem uma dependência excessiva de algumas das chamadas “causas fracturantes” com as suas militâncias apaixonadas, mas fugazes.

O problema que se coloca é, por isso, um problema de (con)vocação e mobilização de vozes livres, que não são necessariamente jovens, não-fundadores ou militantes recentes, mas serão, eventualmente, algumas das vozes mais genuinamente inquietas.

Alguns destes “militantes em potência” estão espalhados um pouco por toda a parte e afirmam-se quer pela consciência e reflexão política, quer pela enérgica participação cívica e social nas mais diversas áreas. A intensidade e/ou o desfasamento das convicções políticas e filiações partidárias de cada uma destas pessoas, ou apenas das suas afirmações públicas, varia ao longo do tempo e é um indicador importante da saúde da democracia e dos partidos, assim como da intensidade das tensões sociais e políticas e, em momentos de rupturas ou, pelo menos de grandes clivagens, a expressão pública destas convicções impõe-se como imperativo ético.

Temos que reconhecer que essa expressão se diluiu ou dispersou face a um panorama de causas sociais e políticas mais aberto e plural e menos polarizado, e o esquema de crescimento em fast-forward e sem a maturação necessária do nosso sistema político pós-25 de Abril, associado a debilidades estruturais não resolvidas e com grande impacto no exercício da cidadania— na educação e na cultura, por exemplo—, não pode ser desprezado, mas creio que, mesmo em tempos de maior apatia social, uma parte significativa dos membros mais enérgicos da nossa sociedade, se envolveu em “causas”, procurando identificar zonas de maior “fricção” social. Em determinadas alturas isso terá mesmo significado, para algumas pessoas, um necessário e saudável afastamento face às instituições tutelares da democracia parlamentar, cada vez mais “bem comportadas” e com menos espaço para a “inquietação”.

Uma “inquietação”, ou um conjunto de inquietações que nem sempre tiveram voz política, que passaram por fases de grande invisibilidade, mas que sempre continuaram a alimentar processos de “intervenção”, fruto de uma urgência ou angústia de acção / transformação social, ainda que ela nem sempre se tenha articulado conscientemente como discurso público de intervenção política.

Porque mesmo nos períodos e nos sectores da sociedade portuguesa em que discutir política em público é quase obsceno, encontramos muitos exemplos de solidariedade, de empenho e militância de muita gente válida e madura em causas sociais, cívicas e políticas relevantes, que fazem o presente e o futuro da esquerda.

O desafio está em compreender que essa é a energia fundamental dum movimento amplo de esquerda e que o Bloco pode ser o instrumento de parte dessas causas e movimentos, desde que a diversidade de motivações e convicções que estes transportam não sejam, por seu turno, instrumentalizadas.

Agudiza-se a necessidade de clarificar a natureza propositiva e progressista de discursos políticos capazes de mobilizar estas energias e o amadurecimento de soluções de funcionamento democrático eficazes, conciliadoras e promotoras de liberdade e lealdade.

Identifico no Bloco de Esquerda a única força política que pode acolher estas energias transformadoras e estas preocupações diversas, complexas e até contraditórias e gerar e gerir os compromissos necessários para agir de forma consequente. Um espaço de liberdade individual na militância que outros modelos de funcionamento partidário excluem e um reconhecimento dum carácter exploratório e eminentemente comprometido com uma realidade social em contínuo devir que outras estruturas procuram evitar.

Um espaço que se conquista e constrói diariamente, num ambiente que é naturalmente hostil e num contexto global de enormes desafios para todos.

Publicado no Debate Aberto promovido pelo Esquerda.net

Agradeço que comentários relevantes para a reflexão se façam lá. Destaco a rapidez de publicação e a diversidade de textos que estão a ser publicados neste espaço e que, na minha opinião, são uma demonstração de coragem, energia e compromisso com o processo de reflexão que tem sido exigido por todos.

* enviei o texto por e-mail, sem título. Esta foi uma (boa) opção editorial da equipa do Esquerda.net.

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Dificuldades no registo de domínio .pt após registo de marca

O registo de domínios .pt tem sido sujeito a grandes discussões (liberalização ou não, rigor e complexidade dos normativos e tantas outras coisas) e cirúrgicas alterações. Algumas verdadeiramente inexplicáveis e intoleráveis, como a impossibilidade do legítimo detentor dum registo de marca nacional proceder ao registo do domínio .pt correspondente, caso a marca seja mista, isto é, caso inclua, além da designação nominativa, elementos gráficos, verbais ou não, como é o caso de um logótipo.

Transcrevo comunicação enviada a propósito ao INPI e à FCCN, com conhecimento do ARBITRARE (as referências à empresa e marca estão propositadamente obliteradas).

— início da comunicação

Dirigimo-nos simultaneamente ao INPI e aos serviços de gestão de domínios da FCCN, uma vez que não sabemos exactamente como podemos resolver o problema que nos aflige neste momento: a aparente impossibilidade de registar o domínio .pt relativo a uma marca da qual somos legítimos titulares.

A nossa empresa [Nome da Empresa] é actualmente titular do domínio [nomedaempresa.pt] (registado no momento da sua constituição) e da marca [Nossa Marca], como se pode observar no documento anexo (processo [nº de processo]). O registo corresponde a uma marca mista, dada a necessidade de proteger não apenas a designação nominativa, mas também o sinal figurativo associado e o Registrar a que recorremos informou-nos que, por isso, este não é aceite pela FCCN como base de registo de domíno .pt.
De acordo com o site do INPI “uma marca poderá ser composta por letra(s) ou por palavra(s) (marca nominativa), mas pode também ser composta por figuras (marca figurativa) ou por ambas (marca mista)“, o que, na nossa interpretação, significaria que a marca mista contém uma dupla validade enquanto nominativa e figurativa, até por requerer a indicação da designação nominativa a proteger. Pelo que percebemos do Código de Propriedade Industrial (CPI) e das restantes indicações dadas pelo INPI, esta forma de registo de marca é a mais correcta para a nossa situação e protege a marca nos dois aspectos, designação nominativa e identidade gráfica, sem prejuízo de nenhuma das duas. Parece-nos até uma violação do referido CPI (artigo 235º, unicidade do registo) que um novo registo de marca, exclusivamente nominativo, se possa fazer com uma designação idêntica à que registámos, pelo que nem sequer compreendemos qual o procedimento a adoptar, caso seja correcta a interpretação do regulamento de registo de domínios .pt que originou a recusa de proceder ao registo por parte do Registrar que usamos. De facto, fomos informados de que a FCCN se recusaria, com base no normativo actual, a aceitar o registo dum domínio .pt com base num regito de marca mista, exigindo uma marca nominativa. Encontrámos esta mesma referência noutros locais online, incluindo o comunicado de imprensa associado à campanha euestou.com.pt e o comentário do INPI a esse respeito, mas, face ao já referido artigo 235º do CPI e à explicação da dupla validade da marca mista, constante no próprio site do INPI, não somos capazes de perceber qual o processo preconizado pela FCCN, no contexto da aplicação do CPI, para a correcta protecção da marca, incluindo o registo do domínio e não excluindo outros sinais identitários. Sabíamos da alteração das normas por parte da FCCN, mas a leitura que fazemos do regulamento de registo de domínio .pt, tal como consta no site, não excluiria as marcas mistas. A alínea f) do artigo 11º, ao referir que “apenas são admitidas como base de registo as marcas nominativas tal como constem do respectivo título de registo nacional”, exclui naturalmente, e bem, as marcas figurativas e todos os elementos gráficos, verbais ou não verbais não incluídos na designação nominativa incluída na marca mista. Mas não nos parece que possa excluir liminarmente as marcas mistas, sem que isso constitua, pelo menos, uma leitura enviesada do CPI. A esse respeito, pode ler-se numa decisão recente do ARBITRARE:

«A nosso ver, o disposto na alínea f) do artigo 11º do Regulamento supra referido, ao impôr as condições que analisámos, prejudica, injustificadamente, uma grande percentagem de titulares de marcas, nacionais, comunitárias e internacionais, sendo, por isso, altamente discriminatória quanto aos titulares de marcas mistas ou figurativas contendo um elemento verbal, como é o caso da marca comunitária em apreciação;
(…)
Deste modo, são manifestamente impedidos de, com base nas suas marcas, registarem nomes de domínios, mais de 40% dos titulares de marcas comunitárias e cerca de 49% de titulares de marcas nacionais e internacionais;
A menos que esta elevada percentagem de requerentes de marcas, reconhecendo as funções actuais que, no âmbito comercial e comunicacional, desempenham os nomes de domínio, optem por marcas que sejam exclusivamente nominativas, ou procedam a dois registos: além do registo de marca mista, registarem marcas nominativas contendo apenas os elementos verbais que delas constam, o que nos parece inadmissível;
Não se justifica, assim, a norma por não atender à intenção, finalidades e aos interesses que subjazem à opção pelos titulares pelo registo das marcas mistas no plano das estratégias das empresas no plano jurídico, no plano comercial e comunicacional;
(…)
Nem se justifica pelas próprias funções que actualmente os nomes de domínios são chamados a desempenhar.
(…)
Existem, portanto, razões para se reflectir sobre a disposição do artigo 11º, na sua alínea f), tentando encontrar vias que removam os impedimentos que se colocam a cerca de metade dos requerentes de todos os níveis territoriais de registo de marcas;»

Partilhamos inteiramente dos argumentos e perplexidades expostas por Paulo Serrão a propósito da formulação e aplicação da alínea f) do artigo 11º nesta sua decisão no ARBITRARE e, face ao exposto, gostaríamos de saber:

  • se a prática da FCCN se mantém, como nos informam os Registrars e
    • se sim, qual o procedimento que aconselham, face ao CPI, nomeadamente, se promovem o duplo registo (misto e nominativo)
    • se não, como se deve proceder ao registo do domínio e quais as medidas tomadas pela FCCN para esclarecer os Registrars
  • se o INPI considera esta prática compatível com a aplicação do CPI e com a promoção da propriedade industrial e
    • se sim, se pretende clarificar a explicação acerca das diferenças entre marcas nominativas, figurativas e mistas, para incluir este “pequeno-grande” pormenor e qual o procedimento que preconiza, nomeadamente, como se processaria o duplo registo marca mista + marca nominativa
    • se não, que medidas tomou ou pretende tomar para clarificar a situação, nomeadamente, que seguimento dará às considerações citadas nesta recente decisão do ARBITRARE
  • qual a forma mais expedita de procedermos ao registo do domínio [nossamarca.pt] considerando a nossa condição de detentores do registo da marca nacional mista que contém o registo nominativo [Nossa Marca]?

Agradecemos uma resposta tão completa quanto possível, no mais curto espaço de tempo possível.

— fim da comunicação

Acredito que este seja um assunto que interesse a alguns dos leitores do blog (interessa-me muito e não é só por estar a lidar com a situação de perto, mais uma vez) e, evidentemente, darei toda a atenção às eventuais reacções de qualquer uma das instituições relevantes. Claro que qualquer comentário da parte dos leitores é bem-vindo, também.

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Reacção aos resultados eleitorais

Não tenho tempo para grandes reflexões escritas, mas tenho acompanhado com interesse uma parte significativa da reflexão que se vai fazendo e sublinho os apelos à necessidade de reflectir sobre as causas mais profundas da derrota da esquerda, em geral, e do Bloco de Esquerda, em particular— Bloco de Esquerda, no qual não milito, mas que merece o meu voto convicto desde que existe e pelo qual sofri, na noite das eleições, ao constatar a perda de vozes importantes na Assembleia da República.

Numa nota breve, diria que tenho dificuldade em compreender algumas vozes de militantes do Bloco que criticam os “ziguezagues” estratégicos dos últimos tempos. Não que não compreenda do que falam, mas porque me parece que os que criticam os “zigs” não são os mesmos que criticam os “zags” e estão mesmo na origem destes últimos. E vice-versa. E, sendo a diversidade enérgica de opiniões no interior do Bloco a sua principal riqueza, custa-me constatar que, até certo ponto, os bons resultados eleitorais tenham servido os interesses de todos os seus sectores, que se apresentam muitas vezes como portadores da legitimidade eleitoral “toda” do Bloco, enquanto que os maus resultados parecem ser usados como arma de arremesso interno, dizendo uns que o espaço natural do Bloco é mais ao centro (culpando os zags), outros que o Bloco tem que clarificar e radicalizar o discurso à esquerda (culpando os zigs).

A mim parece-me evidente que o Bloco tem que reflectir e tem que fazer muita coisa. Parece-me também evidente que, nesse exercício, não pode deixar de ser um espaço de liberdade e convergência da(s) esquerda(s) divergente(s), mas tem que encontrar formas mais claras e eficazes de comunicar interna e externamente, porque há um desfasamento entre as convicções do(s) eleitorado(s) e da(s) militância(s), natural e presente em quase todos os partidos, que no Bloco se articula de forma difícil com a energia da discussão interna e com a sua desequilibrada visibilidade pública.

Mas como sei muito pouco sobre estes processos internos e pela importância que os próximos tempos vão ter para a expressão social e política da esquerda em que acredito e confio, estou a ponderar aderir ao Bloco, para poder fazer parte dessa reflexão e ficar implicado com o seu resultado. Sem perder liberdade e autonomia, mas assumindo um outro tipo de compromisso com esta (minha) esquerda.

Reflicto, neste momento, sobre as próprias formas de reflectir. A democracia é lixada.