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jazz.pt | Cornelius Cardew e a liberdade da escuta

Cornelius Cardew e a liberdade da escuta
Culturgest Porto, 8 de Maio a 26 de Junho de 2010

Curadores: Pierre Pal-Blanc, Lore Gablier, Dean Inkster e Jean-Jacques Palix

De 8 de Maio a 26 de Junho, a Culturgest Porto acolheu o ciclo “Cornelius Cardew e a liberdade da escuta”, um grande evento evocativo da obra multi-facetada do compositor britânico, iniciado no Centre d’Art Contemporain de Brétigny, em 2009 e com passagem pela Künstlerhaus de Estugarda. O evento incluiu uma exposição— constituída por filmes, numerosas gravações musicais e material de arquivo, entre escritos, partituras, registos fotográficos, cartazes, livros e muitos outros elementos associados à vida e obra de Cardew, assim como uma multiplicidade de bibliografia eventualmente útil— e um ciclo de concertos, performances e conversas que trouxe ao Porto um conjunto vasto e ilustre de músicos, performers e artistas que mantêm com a obra de Cardew uma relação estreita e que, em alguns casos, integraram alguns dos colectivos por ele criados como The Scratch Orchestra, ou que ele integrou, como o colectivo AMM.
Para evocar a figura seminal de Cornelius Cardew na música de vanguarda europeia, vieram ao Porto pessoas como Christian Wolff, John Tillbury, Keith Rowe, Rys Chattam, Terre Thaemlitz, Piotr Kurek, entre tantos outros e organizaram-se interpretações envolvendo voluntários (músicos e não músicos) de obras como “The Great Learning”, de Cardew, “Stones” e “Burdocks” de Christian Wolff, dirigidas pelo compositor e “Walk” de Michael Parsons. Ouviram-se igualmente diversas interpretações de excertos de “Treatise”, a monumental partitura gráfica que Cardew desenvolveu entre 1963 e 67 e se afirma como uma das suas obras-primas, e assistiu-se a actividades “Scratch” protagonizadas por elementos originais da The Scratch Orchestra, mas não só.
Quase um trimestre de actividade, com 16 eventos programados, numa tentativa de oferecer uma visão ampla sobre a obra de Cornelius Cardew e o contexto em que ela se desenvolveu, particularmente focados nas suas actividades na década de 60, no contacto permanente com a vanguarda norte-americana, através de John Cage, La Monte Young, Morton Feldman e Christian Wolff e na tentativa de estabelecer uma vanguarda europeia livre do dogma do serialismo total— Cardew trabalhou com Stockhausen em Colónia, após a sua formação na conservadora Royal Academy of Music—, evitando, de certo modo, a militância política dos anos 70 e a negação da vanguarda como “elitista e alienante”.
O Cornelius Cardew dos anos 70 diria que todo este ciclo não passa duma terrível perda de tempo“, disse mesmo John Tillbury, um dos mais importantes intérpretes e biógrafos de Cornelius Cardew, na conversa pública que antecedeu o recital de piano do dia 19 de Junho. E todo este ciclo parece atravessado por uma angústia inevitável, que é a de evocar um criador com um percurso extraordinariamente corajoso e coerente e, por isso mesmo, em constante ruptura com qualquer tentativa de catalogação e enquadramento.

Cornelius Cardew, nos seus curtos 45 anos de vida e, particularmente, nos menos de 30 anos de actividade como músico e compositor, guiou-se de forma relativamente permanente por um inconformismo que o levou, obstinadamente, através dum percurso único, militantemente utópico, que o guiou desde os seus estudos musicais convencionais às vanguardas europeias, onde o serialismo se afirmava como sistema científico e progressista, posteriormente americanas, onde o acaso de Cage, e as notações verbais e gráficas do movimento Fluxus apresentavam-se como alternativa a um sistema de produção musical, sem obstáculos técnicos à criação e interpretação musical, até à afirmação duma “ética da improvisação” e à reflexão sobre os diferentes papéis e funções necessárias à produção e fruição musical e consequente negação dos fenómenos de vanguarda pelo seu carácter “elitista”, já numa lógica militante e eminentemente marxista que leva Cardew, a partir dos anos 70 a abandonar a produção musical enquanto forma de arte e prosseguir apenas na acção política que inclui experiências musicais no domínio da composição, interpretação e arranjo de hinos políticos e canções populares de protesto.
A vida de Cardew, na sua intransigência, é um aspecto fulcral da sua obra e assume-se, eventualmente, como o principal obstáculo à sua visibilidade e compreensão. Se os compositores norte-americanos que Cardew introduziu no circuito das vanguardas europeias, se afirmam actualmente como figuras incontornáveis na história da música contemporânea, assim como alguns dos seus colaboradores que se afirmaram ora nos círculos eruditos, ora nos círculos experimentais, Cardew resiste estoicamente a processos historiográficos completos porque se afirma frequentemente como o seu maior crítico.
Porém, o rol de criadores influenciados por Cardew ou próximos da sua produção são testemunho evidente, ainda que complexo, da relevância do compositor britânico no rumo da vanguarda europeia.
E o ciclo de eventos organizado na Culturgest Porto demonstrou de forma completa, para o bem e para o mal, a acuidade de Cardew.
Tratou-se, de facto, dum evento elitista, com o público a ser normalmente inferior às piores expectativas. Muitas vezes auto-complacente, com algumas performances a arrastarem-se dolorosamente, em artifícios datados, irrelevantes e, aparentemente mais esforçados em reconstituições do que em afirmações de vanguarda, como assistimos no “A Scratch Dealer Concert” e na apresentação de “The Tiger’s Mind”. E, frequentemente, fechados ou isolados em “ilhas de conservação arcaica” para usar a expressão de George Steiner que o mesmo Tillbury citou na sua conversa.
Ainda assim, a possibilidade de assistir a diferentes visões/interpretações de “Treatise”, a primeira das quais com Keith Rowe a “dirigir” um grupo de músicos portugueses, apesar de “Treatise” não pressupôr direcção, ou a oportunidade de receber Christian Wolff pela primeira vez em Portugal, para conversa, direcção de peças suas e recital, ou os recitais a solo de John Tillbury e Rhys Chatham foram momentos marcantes e de grande qualidade e interesse musical.

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 32 da revista jazz.pt, integrado no report global do Braga Jazz. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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Para memória futura

O clímax da Operação Stop aconteceu no Clubbing, na Casa da Música, com a actuação da STOPESTRA!., dirigida por Tim Steiner.

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=e9Y2712xliA[/youtube]

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=KNXfDcCDFpM[/youtube]

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=htjNzH-QZJU[/youtube]

Só vendo e ouvindo é que se pode acreditar. Mas mesmo assim, é difícil compreender a real dimensão do que se conseguiu com esta operação. A ver vamos o que o futuro reserva a esta extraordinária comunidade de músicos.

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Serralves em Festa 2010

O Serralves em Festa é já este fim de semana. São 40 horas non-stop de actividade cultural num evento que não tem paralelo, pelo menos no norte do país. Este ano, lá estarei, a participar e a assistir e não posso deixar de aconselhar esta experiência. Quem lá esteve em anos anteriores sabe que é qualquer coisa de muito especial. Quem nunca experimentou, tem mesmo que experimentar. Pelos eventos, mas também pela atmosfera de festa verdadeira à volta da criação e da fruição artística, coisa rara em Portugal.

Nas centenas de actividades programadas em todas as áreas e formatos imagináveis, há, de certeza, alguma coisa que vos interessa. Consultem o programa no site.

E porque não custa nada puxar a brasa à minha sardinha, recordo:

E chamo a atenção para o facto de, na Casa de Serralves, se poder assistir à apresentação de dois trios especiais: Martin Brandlmayr, Steve Heather e Gustavo Costa (sábado às 15h00) e B. Fleischmann, João Pais Filipe e Jorge Queijo (domingo, às 16h30).

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jazz.pt | João Paulo Esteves da Silva & Dennis González

João Paulo Esteves da Silva & Dennis González

Casa da Música, Sala 2 | 16 de Janeiro

Depois da muito bem sucedida edição de “ScapeGrace” (CleanFeed, 2009)— considerado pela jazz.pt o melhor disco nacional do ano— João Paulo Esteves da Silva e Dennis González apresentaram-se na Sala 2 da Casa da Música para um concerto que, para ser fiel ao disco, teria que reflectir a situação/estratégia de improvisação usada que, como João Paulo referiu em jeito de apresentação, haverá gente que não acredite (porque é de fé que se trata) e outros considerarão despudorada.
Mas, acredite-se ou não, é através da improvisação, sem ensaios nem temas escritos, que se constrói o disco e os concertos desta dupla, que até à proposta da editora lisboeta nem sequer se conheciam ou ao trabalho respectivo.
Sem ensaios, nem temas escritos, mas não sem referências: a ampla bagagem musical de cada um dos músicos e a partilha que originou “ScapeGrace” permitem aos músicos e aos ouvintes ancorar esta experiência musical em motivos melódicos e rítmicos que cruzam, no território do jazz contemporâneo, as fortes referências às músicas populares tradicionais que dão corpo a uma parte significativa dos percursos individuais de João Paulo (o pianista que mantém um projecto de exploração da herança da música sefardita em Portugal e que colaborou com Fausto, Vitorino, José Mário Branco, Sérgio Godinho, entre tantos outros) e Dennis González, cuja procura constante de derrubar barreiras passa por integrar no seu discurso linguagens enraizadas nos locais que percorre.
Assim, apesar da estratégia de improvisação e da construção de música completamente nova, ouviram-se na Casa da Música vários dos motivos presentes em “ScapeGrace” e outros motivos familiares, introduzidos ora por João Paulo, ora por Dennis González, que se sucederam no lançamento de introduções a solo para a posterior exploração do duo.
Nesse contexto, a facilidade com que João Paulo acompanha, complementa, cita e desenvolve qualquer motivo, por mais simples que seja, associada a uma eventual retracção por parte de Dennis González, concedeu ao piano um protagonismo desproporcionado, com cadências a solo em cada um dos 7 temas. Era, de resto, aparente a dificuldade do trompetista em acompanhar as rápidas inflexões harmónicas do piano que, muitíssimo inspirado, rápido e eventualmente mais complexo (ou pelo menos mais denso) do que em encontros anteriores, limitava a margem de manobra em termos de fraseado e improvisação, impondo um discurso harmonicamente mais direccionado e fechado. Energia ou “inspiração” a mais de João Paulo que, por vezes, parecia desligar-se da situação de duo, com a anuência do trompetista texano, para regressar, depois de belíssimas (mas por vezes demasiado longas) explorações, onde as raízes populares da lírica de base do duo passava por metamorfoses sucessivas, com recurso a diversas referências e linguagens, desde os nacionalismos nas músicas clássicas eruditas nos séculos XIX e XX, ao jazz técnica e mentalmente exigente de Keith Jarrett ou aos mais próximos Laginha e Sassetti.
Dennis González, por seu turno, parecia dosear cuidadosamente as suas intervenções, estabelecendo motivos simples, pontuando momentos fundamentais e alimentando os processos de João Paulo. Em sentido contrário, apenas ocasionalmente se tornava possível ao trompetista identificar e explorar temas sugeridos pelo piano, mais fechados e enquadrados em contextos harmónicos menos previsíveis. Nesse sentido podemos falar dum duo e duma improvisação “dirigida”, com momentos verdadeiramente fulgurantes, mas com um certo desequilíbrio entre as personalidades musicais em presença.

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 29 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | Dave Burrell na Culturgest Porto

Dave Burrell

Culturgest Porto, 15 de Janeiro

Num contexto muito intimista, com o público disposto em cadeiras à volta do piano, o quase septuagenário e muito empático Dave Burrell, um histórico das vanguardas do jazz, apresentou um recital de piano solo excepcionalmente convencional, quer na forma, quer no conteúdo. Não tanto pela já anunciada revisitação de standards e do songbook norte-americano, processo que faz parte do seu percurso de intérprete, compositor e arranjador— com marcas recentes na colaboração com a cantora Leena Conquest (com quem o vimos no Porto, no grupo de William Parker, em 2009, no concerto dedicado a Curtis Mayfield) e já presente desde 1968, em “High Won, High Two” (Black Lion)—, mas por uma utilização, quer do reportório, quer do piano, muito estrutural e orquestral, e muito pouco “solista”.
As canções de Billy Strayhorn, Hoagy Carmichael, George Gershwin, Duke Ellington, Thelonious Monk, António Jobim e do próprio Dave Burrell foram-nos apresentadas “completas” e sólidas- com as linhas de baixo, os padrões rítmicos, as vozes principais e os riffs, em todas as voltas, coros e codas-, com a expressão ou intenção “solista” de Burrell a infiltrar-se na densidade destas “reduções ao piano”, mais pelas ocasionais derivas harmónicas ou nas suspensões e inversões dos arcos de tensão das canções, do que pela expressão melódica de frases solistas que, sendo de grande qualidade, vigor e virtuosismo, eram, sem grandes excepções, rigorosamente enquadradas numa perspectiva historiográfica da música apresentada.
Solidamente assente no rigor académico e na capacidade de execução que a sua longa formação académica como compositor, arranjador e intérprete parece ter gravado no seu código genético— primeiro na Universidade do Hawaii, depois na Berklee, de onde saiu em 1965 para a cena de vanguarda nova-iorquina, afirmando-se como um dos mais inovadores pianistas do panorama, tendo colaborado com Marion Brown, Pharoah Sanders, Archie Shepp e Albert Ayler, entre tantas outras referências do free e do avant-jazz— Dave Burrell, aparentemente empenhado na redescoberta da capacidade expressiva das grandes canções “clássicas”, nas suas versões “orquestrais” e “intactas”, prestou um tributo às canções, aos seus compositores e arranjadores, numa forma de concerto que, apesar da proximidade física entre o público e o criador, parece ter usado as próprias canções como barreira em substituição do palco, tornando-se o seu solo— normalmente um exercício de grande risco e exposição—, num fluxo organizado e denso, com a solidão e exposição do criador-intérprete a ser completamente “atropelada” pela quantidade de vozes e funções que a sua técnica convocou.
Mas este exercício de enquadramento estrutural das canções operou também, em alguns casos de forma surpreendente, a construção de novas-velhas “imagens” ou “espaços” deste reportório “clássico”: sugeriu imagens de cabaret quase brechtiano para “Embraceable You”, de Gershwin- cuja relação com Kurt Weill é objecto interessante de estudo na definição dum certo “jazz clássico”- e invocou o ambiente das salas de cinema mudo e das suas pianolas mecânicas nos ragtimes originais do próprio Burrell, como “Astoria Rag” ou “Margy Pargy”, mas também em “It don’t mean a thing if it ain’t got that swing”, de Duke Ellington, com uma certa ironia.
Com o (pouco) público que enchia a sala da Culturgest Porto a aderir com algum entusiasmo, mais claro no momento de apresentação dos temas do que nas ocasionais derivas expressivas, Dave Burrell despediu-se com dois temas originais, “The Edge” e “With a Little Time”, que confirmaram a sua capacidade composicional e orquestral na invocação rápida de imagens fortes e no estabelecimento duma narrativa.
De alguma forma, e em resumo, este concerto a solo assemelha-se mais à apresentação de “reduções ao piano” dum reportório que Dave Burrell domina e apresenta com inteligência e vigor, num formato mais comum no universo da música clássica erudita, que pode resultar “estranho” ou pelo menos excessivamente formalizado, académico ou até abstracto, dependendo da experiência pessoal dos ouvintes.

Uma última nota para o piano disponível na Culturgest Porto que, para sermos justos, só disfarçou as suas fragilidades até ao 4º tema, deixando depois no ar uma insinuação permanente de desafinação e fragilidade tímbrica, completamente desnecessária.

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 29 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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Serralves em Festa, uma participação em grande

Nos últimos anos tenho tido participações pontuais nessa grande iniciativa que é o Serralves em Festa, integrado em algum dos projectos colectivos em que milito, como a F.R.I.C.S. ou o Space Ensemble, mas este ano, os convites “choveram”, fruto provavelmente de alterações na própria forma de programar a festa, pelo que, durante as 40 horas non stop, estarei envolvido em 3 apresentações independentes, entre sexta, dia 4 e sábado, dia 5. A saber:

  • F.R.I.C.S. – Fanfarra Improvisada Colher de Sopa
    Sexta-feira, dia 4, às 21h30, na Praça Parada Leitão ao Café Piolho (Baixa)
  • Margareth Kammerer, Gustavo Costa, Henrique Fernandes e João Martins
    Sábado, dia 5, às 16h30, na Casa de Serralves
    O nosso trio mais constante junta-se à cantora alemã Margareth Kammerer, para uma sessão de improvisação seguramente inesperada.
  • Derek Shirley’s CARD BLANCHE ENSEMBLE
    Sábado, dia 5, às 18h00, na Casa de Serralves
    Uma das estratégias da Festa deste ano é convidar músicos do Porto a integrarem colectivos de improvisação, com a designação genérica de CARD BLANCHE ENSEMBLE, dirigidos por alguns dos músicos estrangeiros convidados a participar no evento e o contrabaixista canadiano Derek Shirley, manifestou interesse na minha colaboração.
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Prémio Crítica de Arte para “Paredes Meias”

Os criadores do documentário “Paredes Meias” (2009), Sandro Araújo e Pedro Mesquita, foram distinguidos com a primeira edição do prémio Crítica de Arte 2009.
(…)
O documentário “Paredes Meias”, uma co-produção da Muzzak/Cinemactiv e da RTP, mostra o caso do conjunto habitacional da Bouça, situado na Rua da Boavista, no Porto, projeto de habitação económica desenhado pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira que demorou 30 anos a ser concluído.

O Space Ensemble participou na banda sonora deste filme-documentário, contribuindo com o tema principal “Paredes Meias”, composto por Sérgio Bastos.

Parabéns aos premiados. E parabéns ao Sérgio pelo excelente tema que compôs. Permitam-me, por isso, um certo sentimento de orgulho (mais do que vaidade) por fazer parte dum ensemble tão talentoso.

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“A Comissão” estreia a 27 de Maio

A Comissão, cartaz de entropiadesign a partir de imagem de Ricardo Lafuente

A COMISSÃO

36ª Criação Visões Úteis

27 de Maio a 5 de Junho 2010
Hotel Dom Henrique, Porto

Terça a Sábado às 22h00
Domingo e Segunda às 18h30, integrado no 33º FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica

Uma bem humorada reflexão acerca dos actuais mecanismos de decisão política e económica, nomeadamente em Portugal e na Europa.
Apresentado na sala de um Hotel onde uma Comissão se reúne, o espectáculo questiona a linguagem utilizada pelos decisores políticos enquanto mecanismo de exercício de poder e domínio.
Espécie de Lado B do recentemente estreado “Boom & Bang” onde abordámos as circunstâncias que levaram à crise financeira que atravessamos, “A Comissão” enquadra-se no desenvolvimento do projecto artístico do Visões Úteis, num cruzamento constante entre os temas que fazem o nosso aqui e agora e a procura de linguagens performativas contemporâneas.

  • Texto e Direcção: Ana Vitorino e Carlos Costa
  • Colaboração na Dramaturgia: Nuno Casimiro
  • Figurinos e Adereços: Inês de Carvalho
  • Banda Sonora Original e Sonoplastia: João Martins
  • Desenho de Luz: José Carlos Gomes
  • Infografismo e Audiovisuais: João Martins / entropiadesign
  • Projecto Fotográfico: Paulo Pimenta
  • Coordenação Técnica: Luís Ribeiro
  • Produção Executiva: Joana Neto
  • Assistência de Produção: Helena Madeira
  • Design Gráfico: entropiadesign a partir de imagem de Ricardo Lafuente
  • Interpretação: Ana Vitorino, Carlos Costa, Pedro Carreira e ainda Joana Neto e Luís Ribeiro com a participação especial (em vídeo) de Nuno Casimiro, João Teixeira Lopes, José Pinto da Costa, Miguel Guedes, Alice Costa, Carolina Gomes, Raquel Carreira, Ana Azevedo, João Martins e José Carlos Gomes
  • Produção: Visões Úteis
  • M12 | 80 minutos
    Condições especiais, info e reservas:
    (+351) 22 200 6144 | mail@visoesuteis.pt
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jazz.pt | Jazz no Parque 2009, Regresso à História

Jazz no Parque

18ª edição
18 e 25 de Julho e 1 de Agosto de 2009
Ténis do Parque de Serralves

A edição que marca a maioridade do Jazz no Parque e que coincide com o duplo aniversário de Serralves (20 anos da Fundação e 10 anos do Museu de Arte Contemporânea) teve como principal novidade o facto de se apresentarem 2 projectos originais, resultantes de encomendas do seu programador, António Curvelo, facto que não sucedia desde 2002. As encomendas, dirigidas a Mário Barreiros e a Bennie Wallace, ilustram com rigor a orientação programática deste festival— em rigor, trata-se dum ciclo de 3 concertos— que aposta na divulgação e afirmação dum Jazz de pés bem assentes na história. Se em anos anteriores assistimos a alguns concertos mais “arriscados”, protagonizados por músicos que circulam com gosto por algumas fronteiras estilísticas e se aventuram, a espaços, por algum discurso mais vanguardista, esta edição, em grande parte, graças às encomendas dirigidas, afirma um regresso a um Jazz mais convencional, que celebra respeitosamente o passado e arrisca muito pouco na definição de futuros (im)possíveis.

18 Julho 2009, 18h00
Mário Barreiros
Kind Steps – O Legado de 1959

  • Mário Barreiros bateria
  • Abe Rábade piano e direcção musical
  • Carlos Barretto contrabaixo
  • Avishai Cohen trompete
  • Ben Van Gelder sax alto
  • Jesús Santandreu sax tenor

A Mário Barreiros, António Curvelo sugeriu a invocação do ano mítico de 1959 em que se editaram obras incontornáveis para o futuro do Jazz— como “Kind of Blue”, de Miles Davis, “Giant Steps”, de John Coltrane, “The Shape of Jazz to Come” e “Change of the Century”, de Ornette Coleman e “Mingus Ah Um” e “Blues and Roots”, de Charles Mingus—, ao mesmo tempo que se consolidavam alguns dos alicerces sobre os quais se construía esse futuro— com edições como “Portrait in Jazz”, de Bill Evans, Scott LaFaro e Paul Motian, “Sevem Pieces”, de Jimmy Giufre 3, “Modern Jazz Classics”, de Art Pepper com Eleven ou “Blowin’ the Blues Away”, de Horace Silver. Uma viagem de 50 anos no tempo para a qual Mário Barreiros chamou o pianista galego Abe Rábade, para dirigir um sexteto e se debruçar sobre os propostos “Kind of Blue”, “Giant Steps”, “Mingus Ah Um” e “The Shape of Jazz to Come”, acrescentando “Cannonball Takes Charge”, de Cannonball Adderley e “Anatomy of a Murder” de Duke Ellington.
“Kind Steps – O Legado de 1959”, pelo sexteto de Mário Barreiro e com direcção musical de Abe Rábade foi, assim, a primeira proposta a subir ao palco do Ténis do Parque de Serralves, no dia 18 de Agosto, com Avishai Cohen (trompete), Ben Van Gelder (sax alto), Jesús Santandreu (sax tenor), Carlos Barretto (contrabaixo) e os próprios Mário Barreiros (bateria) e Abe Rábade (piano).
Mário Barreiros e Abe Rábade, na escolha dos temas e nos arranjos, aprofundaram o carácter historiográfico da encomenda e todo o ensemble pareceu empenhado numa reconstituição relativamente fiel, ou pelo menos, académica, dos temas seleccionados. Uma de muitas opções possíveis, eventualmente a menos pertinente, dada a miríade de reconstituições a que este reportório é submetido diariamente em escolas e clubes de jazz. Uma selecção mais criteriosa dos temas a abordar ou um tratamento estilístico- quer nos arranjos, quer na interpretação, quer nos solos- menos “colado” aos originais teria eventualmente sido mais refrescante e poderia mesmo ter-se afirmado como uma estratégia mais confortável para os músicos que, com excepção de Abe Rábade, claramente alinhado com a proposta e Avishai Cohen, o único solista que parecia confortável nas mudanças de registo e se libertou um pouco mais nos seus solos, pareciam demasiado constrangidos.
De forma geral, o concerto em forma de revisitação desta música seminal, mas com mais de 50 anos, poderia ter sido uma oportunidade de perspectivar futuros, mas o ensemble conduziu o concerto de forma quase reverencial, acertando os registos, as sonoridades e os vocabulários de improvisação de acordo com os originais, eliminando quase por completo a afirmação de alguma singularidade. E ao debruçar-se mais sobre as edições menos controversas de 1959 (de Ornette Coleman só tocaram “Chronology”, por exemplo), seleccionando clássicos como “All Blues”, de Miles Davis, “Blue in Green” de Bill Evans/Miles Davis, “Almost Cried” de Duke Ellington, “Syeda’s Song Flute” de Coltrane e “Better Get it in your soul” e “Goodbye Porcupine” de Mingus, que só muito raramente foram tratados como material “novo”, o concerto tornou-se académico e até, em alguns casos, aborrecido, apesar da excelente qualidade técnica dos intérpretes.

25 de Julho de 2009, 18h00
Donny McCaslin Group

  • Donny McCaslin sax tenor
  • Ricky Rodriguez contrabaixo
  • Jonathan Blake bateria

A presença do trio dirigido pelo saxofonista norte-americano Donny McCaslin foi o único concerto que não resultou de encomenda directa do Jazz no Parque e consistiu na apresentação dos álbuns já editados pelo grupo, particularmente “Recommended Tools” (GreenLeaf Music 2008), gravado com Jonathan Blake e Hans Glawischnig. Donny McCaslin apresenta um jazz contemporâneo ancorado em referências históricas sólidas, articulado num vocabulário bem estruturado, dialogante com um universo musical externo, mas próximo— como a música brasileira (Hermeto Pascoal é uma das suas referências) ou a pop (um dos temas é dedicado a Madonna)—, mas um dos factores determinantes no impacto que a sua performance tem sobre o público é o seu virtuosismo e o extraordinário rigor técnico que todo o grupo assegura, sem sacrifício da musicalidade. A significativa capacidade técnica de Donny McCaslin, quer na fluidez e rapidez do fraseado, quer no rigor da afinação e no detalhe tímbrico expressivo, acompanhado a grande nível quer por Jonathan Blake, quer por Ricky Rodriguez, colocam a performance do trio num nível de execução difícil de atingir e permitem uma grande exploração dos temas, cuja construção demonstra à partida uma enorme confiança na capacidade técnica dos intérpretes. Ainda assim, a “força da técnica” não esmaga a musicalidade da performance, fazendo lembrar a máxima dedicada aos bailarinos clássicos e aos patinadores do gelo de que não devem em nenhuma altura deixar transparecer a dificuldade associada aos seus movimentos, já que isso se traduzirá em desconforto para o público. O Donny McCaslin Group cumpre esse requisito clássico, apresentando uma performance envolvente e, em alguns momentos estonteante, com o virtuosismo a servir propósitos musicais.
E se, globalmente, a música do Donny McCaslin Group se mantém fiel a formas clássicas do jazz, a disponibilidade do solista em assumir papéis tradicionalmente atribuídos à secção rítmica, liberta a estrutura do trio para outras explorações e para a afirmação completa de cada um dos intérpretes, que acontece quer em solos, quer em duos, quer na forma de pergunta-resposta.
O concerto evolui, passando revista e reconhecendo algumas das influências menos óbvias de Dony McCaslin, como Hermeto Pascoal e Bill Frisell. O seu registo, recorda, a espaços, e de acordo com os ambientes, a fluidez de fraseado de Michael Brecker ou o timbre luminoso de Jan Garbarek, mas a sua voz afirma-se de forma inequívoca, com o acompanhamento certeiro e cúmplice de Jonathan Blake (com 1 grande solo em “3 Signs” entre várias intervenções notáveis) e a grande qualidade de Ricky Rodriguez, quer em papéis mais tradicionais, quer no desenvolvimento de solos, ou na introdução de temas como “Late Night”, com a devida vénia a Bill Frisell.

1 de Agosto de 2009, 18h00
“Bennie Walace Plays Monk”

  • Bennie Wallace sax tenor
  • Donald Vega piano
  • John Hebert contrabaixo
  • Yoron Israel bateria

Ao saxofonista norte-americano Bennie Wallace, António Curvelo sugeriu uma nova incursão ao universo do génio Thelonious Monk, recuperando um projecto de 1981 do saxofonista do Tennessee. Bennie Wallace, já com uns respeitáveis 62 anos, aceitou o convite com generosidade e entusiasmo, dada a presença regular do reportório de Monk nos seus projectos, o seu enorme potencial e as possibilidades criativas ainda por realizar. Apresentou-se numa formação clássica de quarteto, com Donald Vega, John Hebert e Yoron Israel e entregou-se a um concerto que teve grandes momentos, mas no qual se puderam também notar as naturais fragilidades associadas à sua idade: quer nas dificuldades de articulação mais rápida de algum fraseado, quer na afinação e timing de algumas intervenções.
Mas esses momentos mais frágeis humanizam uma performance marcada pela generosidade e entrega e pelo inconformismo: Bennie Wallace, logo na primeira introdução a solo, em “Twinkle, Twinkle”, mostrou que pretendia explorar e reinventar o genial reportório de Monk, mais do que se limitar a interpretá-lo, e assim o fez, quer nos solos, quer na forma de apresentar os temas. Entre os músicos que o acompanhavam, destaque, pela positiva, para o contrabaixista John Hebert (grande solo em “Heavy Rotation”), muito atento e alinhado com Bennie Wallace e, pela negativa, para o baterista Yoron Israel, a quem parecia faltar convicção na interpretação mais livre e criativa deste reportório.
As flutuações na performance de Bennie Wallace, a quem, por vezes, parecia faltar em forma física o que sobrava em energia criativa marcaram o desenvolvimento do concerto, mas o génio de Monk foi assinalado de forma genuína e momentos como o solo (mesmo a solo) de Bennie Wallace, em “Round About Midnight”, elevaram o concerto a um outro nível, musical e emocional.

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 27 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | Louis Sclavis e Evan Parker, uma noite de contrastes

12 de Setembro de 2009, 22h00
Casa da Música, Sala Suggia

Duplo Concerto:
Evan Parker Quartet + Louis Sclavis Trio

O dia 12 de Setembro de 2009 fica marcado na Casa da Música, no Porto, com um duplo concerto de peso: no primeiro concerto apresentou-se Louis Sclavis— um dos nomes fundamentais da improvisação europeia e um dos responsáveis pela boa reputação que goza o clarinete, particularmente o baixo, na improvisação e no jazz contemporâneos— em trio com o pianista Craig Taborn e o baterista Tom Rainey, numa colaboração não muito habitual do clarinetista francês com músicos norte-americanos; no segundo concerto, ao trio do incontornável Evan Parker— o saxofonista britânico assegurou já um lugar no panteão dos grandes improvisadores e é uma referência respeitada em todos os quadrantes da música criativa—, com o contrabaixista Barry Guy e o baterista Paul Lytton, juntou-se, para completar um quarteto uma das mais promissoras estrelas da improvisação— com provas dadas recentemente no Jazz em Agosto—, o trompetista Peter Evans.

Uma noite de contrastes, de propostas arriscadas e intensas e improvisação ao mais alto nível.

Louis Sclavis Trio

  • Louis Sclavis sax soprano, clarinete baixo
  • Craig Taborn piano, teclados
  • Tom Rainey bateria

Louis Sclavis, no seu encontro com o pianista Craig Taborn— um improvisador completo, congregando uma sólida formação clássica com incursões em vários domínios da música não erudita, mas com uma intensa carreira de jazzman— e com o baterista Tom Rainey— colaborador regular de alguns dos mais importantes músicos da cena jazzística nova-iorquina— coloca-se, mais uma vez, num território diferente, com ampla margem de manobra pelos meandros do jazz e das músicas não-eruditas, sem a partilha de algumas das referências de raiz marcadamente europeia que explora em alguns dos seus projectos, mas com amplo espaço para caminhos diferentes, dada a competência técnica e criatividade dos seus novos parceiros norte-americanos. E o concerto desenvolveu-se, assim mesmo, resultando claramente do encontro das culturas musicais de Sclavis, Taborn e Rainey, navegando entre referências mais puramente jazzísticas até universos menos “idiomáticos”, passando até por momentos mais “ligeiros”.
Quer com o clarinete baixo, quer com o sax soprano, Sclavis deu conta da sua veia aparentemente inesgotável e a quantidade e diversidade dos temas apresentados permitiu a exploração aprofundada de diversos universos musicais, de forma relativamente estanque. Ouvimos temas de forma mais livre, com recurso a técnicas instrumentais expandidas, sem pulsação definida e com grande exploração de timbres e partilha de sonoridades, ouvimos cadências eruditas virtuosas, quer por Taborn, quer por Sclavis, ouvimos o que poderiam ser excertos duma banda sonora dum “film noir”, jazz europeu “embriagado”, ouvimos explosões massiças de energia, assumidas imitações de swing, beats quase electrónicos, melodias nostálgicas e espirituais… um concerto com 7 temas que se desdobrou em inúmeras possibilidades, envolvendo as personalidades musicais dos 3 intervenientes, claramente guiado por uma urgência de ser coerente a cada momento, mas garantindo a diversidade dos diferentes momentos, que parece ser um dos impulsos de Sclavis.
Craig Taborn empenhou-se na construção deste mosaico com afinco e gosto, explorando muitas das possibilidades instrumentais do piano e demonstrando enorme versatilidade na improvisação e grande rigor na interpretação dos temas, muitas vezes tecnicamente exigentes e estruturalmente complexos. Tom Rainey, igualmente à vontade e muitíssimo seguro, demonstrou o potencial expressivo da bateria, mesmo em universos de grande fragilidade.
E esta forma de expressão “estilhaçada” ofereceu ao público da Casa da Música uma curiosa amostra de diversas possibilidades de “construção musical” que, sendo criativas e dando grande espaço e ênfase à prática da improvisação e à experimentação, não receiam referências idiomáticas, que se conjugam quase em forma de narrativa. Esta que parece ser uma intenção recorrente de Sclavis- que além do virtuosismo técnico, tem a necessária criatividade e versatilidade-, realiza-se de forma notável quando os músicos que com ele partilham o palco se apresentam também a elevado nível técnico e criativo e munidos da versatilidade e da generosidade necessária para essa construção colectiva angulosa. Assim foi com Craig Taborn e Tom Rainey: o trio encontrou a sua narrativa e apresentou-a com clareza, pormenor e entusiasmo.

Evan Parker Quartet

  • Evan Parker sax tenor
  • Peter Evans trompete
  • Barry Guy contrabaixo
  • Paul Lytton bateria

O segundo concerto da noite apresentou a junção do trompetista “revelação” Peter Evans, ao trio de Evan Parker, uma das mais significativas formações do free jazz europeu. Um concerto que se repetiu em Lisboa e que antecedeu a gravação dum novo álbum pela portuguesa Clean Feed, álbum que, a fazer justiça ao concerto, se arriscará seriamente a conquistar todos os galardões possíveis.
Com explorações de forma muito livre e marcadas claramente pelo espírito de Evan Parker de procurar a disponibilidade para ouvir constantemente os motivos para tocar na “voz” dos seus companheiros, o trio recebe o jovem trompetista Peter Evans com enorme disponibilidade e generosidade, partilhando um entusiasmo genuíno pelas suas raras capacidades expressivas. A Peter Evans parece, a espaços, faltar a maturidade ou controlo e, recorre ao seu enorme léxico para “comentar” permanentemente a actividade do colectivo, não conseguindo a eficácia que a contenção de Evan Parker lhe permite, ao gerir as suas intervenções com mais clareza e espaço. Mas a verdade é que o virtuosismo de Peter Evans é quase hipnótico, pelo que não se poderá saber que efeito teria alguma contenção da sua parte.
Ao contrário do primeiro concerto, de Louis Sclavis, com Evan Parker não existe uma narrativa ou uma estrutura pré-determinada, sentindo-se mais um fluxo de energia musical que vai sendo gerado e gerido pelos 4 músicos, num jogo cuidadoso de partilha, afastado de referências idiomáticas e focado essencialmente nas capacidades expressivas dos instrumentos e da sua conjugação.

Mas, como forma de provar que não existe nenhuma barreira entre projectos musicais desta natureza, no final do concerto, Evan Parker, convidou Louis Sclavis, Craig Taborn e Tom Rainey para que, em septeto, pudessem oferecer mais alguma música ao público da Sala Suggia, tendo esse final de noite marcado um ponto muito alto na história da Casa da Música. Improvisação pura, inesperada até— Louis Sclavis entrou em palco já depois do início do tema, ainda a montar o clarinete e Tom Rainey foi colocando os pratos na bateria enquanto tocava—, onde todos geriram o seu espaço em função dum colectivo mais complexo, mais intrigante, com a partilha inesperada de materiais tímbricos, rítmicos e melódicos entre músicos dos 2 agrupamentos e uma alargada exploração do potencial hiper-instrumental, para usar a expressão de Denman Maroney, com Sclavis a responder aos aparentemente inatingíveis agudos de Peter Evans com subgraves do tubo do clarinete-baixo sem boquilha e Craig Taborn a percutir as cordas do piano, em resposta às cordas travadas com ferros no contrabaixo de Barry Guy, aparentemente, sempre de forma controlada e partilhada.

Uma festa bonita.

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 27 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.