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Be Cool (reflexões avulsas sobre a América)

Uma das coisas curiosas de me dedicar ao estudo de um tema qualquer é que, qualquer acontecimento, episódio da vida corrente ou conteúdo apreendido, ainda que não intencional nem relacionado, encontra um caminho de sinapses esquisitas para se ligar ao tal estudo. Isto a propósito da minha nova investida na licenciatura em Estudos Artísticos na Universidade Aberta e numa disciplina interessante, que se chama Temas da Civilização Ocidental e nos propõe, como objecto de estudo a “América”.
A parte séria do estudo, a que me tenho dedicado afincadamente, tem como referência a obra de Eduardo Lourenço, “A Morte de Colombo – Metamorfose e Fim do Ocidente como Mito”, para já, mas estava eu “posto em repouso” em frente à televisão e… pimba!

“Be cool” (Jogos Mais Perigosos, na tradução para português) é um filme ligeiro, mas inteligente, protagonizado por John Travolta e Uma Thurman, com participações de Cedric The Entertainer e Harvey Keitel, entre outros. Adaptado por Peter Steinfeld a partir do romance de Elmore Leonard, é uma comédia negra, sobre um produtor de cinema desiludido com a indústria cinematográfica (Chilli Palmer, interpretado por Travolta), que decide virar as suas atenções para a música.
Todo o filme é construído à volta de intrigas e ligações perigosas entre estas indústrias do entretenimento e várias formas de crime organizado e uma parte significativa dos personagens são gangsters e mafiosos de vários tipos, todos interessados em investir no cinema e na música, para lavar e ganhar dinheiro, mas também pela reputação e pela possibilidade de conhecerem ou se tornarem celebridades.
Calha bem num momento de descontração, mas a razão mais específica pela qual fiquei em “modo-estudo” é esta reflexão de Sin LaSalle (o gangster interpretado por Cedric The Entertainer):

[Sin LaSalle está, com os seus cúmplices, a ameaçar Nick Carr (Harvey Keitel) e é interrompido por um grupo de mafiosos de leste que querem matar o mesmo Nick Carr e referem-se a Sin e ao seu grupo como “niggers”, termo pejorativo]

Have you lost your mind?
I mean, how is it that you can disrespect a man’s ethnicity when you know we’ve influenced nearly every facet of white America, from our music to our style of dress, not to mention your basic imitation of our sense of cool… walk, talk, dress, mannerisms.
We enrich your very existence, all the while contributing to the gross national product through our achievements in corporate America.
It’s these conceits that comfort me when I’m faced with the ignorant, cowardly, bitter and bigoted who have no talent, no guts, people like you who desecrate things they don’t understand when the truth is you should say, “Thank you, man,” and go on about your way.
But apparently, you’re incapable of doing that.

[Sin LaSalle mata o mafioso de leste com um tiro à queima roupa]
(…)

And don’t tell me to be cool.
I am cool!

Racial epithets.
Why does it always come down to that? Makes me sad for my daughter.

fonte: http://www.script-o-rama.com/movie_scripts/b/be-cool-script-transcript.html

Não é uma reflexão fundamentada ou estruturada de um filósofo ou pensador ilustre. Não passa de um par de linhas num guião bem escrito e cómico.
Mas é uma boa forma de enquadrar uma conversa sobre a “especificidade” da cultura afro-americana na definição da cultura norte-americana, por um lado, e nos seus impactos nos fenómenos culturais globalizados, particularmente, a partir da 2ª metade do século XX.

E a questão é: será que, enquanto estiver a estudar, vou deixar de poder simplesmente, descontrair?

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América a votos

As eleições americanas, como é óbvio, têm um impacto global e, como é óbvio, só podem ser decididas pelos americanos, por muito que isso nos custe, às vezes. E, mesmo que o sistema eleitoral norte-americano nos confunda (a mim confunde) e que a realidade, como nos é apresentada pelos media, nos assuste, entusiasme ou simplesmente baralhe, só podemos esperar que muitos milhões de norte-americanos esclarecidos, entusiasmados e esperançosos vão às urnas e votem.

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=PgU6mHYIo40[/youtube]

Se isso acontecer, a América elegerá Barack Obama e podemos presumir que o mundo começará, lentamente, a transformar-se num sítio mais seguro. A alternativa, McCain-Palin, é simplesmente assustadora.

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Uma proposta modesta (e revolucionária)

Sigo com atenção e frequência o blog do Jeffrey Zeldman. O que me levou ao blog são questões eminentemente técnicas e especializadas— o Zeldman é uma sumidade no campo do web design e dos standards—, mas o que me faz voltar e mais me impressiona é a qualidade da escrita e, acto contínuo, do pensamento.
Ontem, numa “proposta modesta“, o Jeffrey Zeldman escreveu algumas coisas fundamentais acerca da natureza do actual sistema político-mediático norte-americano. Proponho esta tradução (não oficial nem autorizada) porque vale a pena aceder ao pensamento dum norte-americano lúcido e porque esta proposta modesta podia e devia ser levada a sério um pouco por todo o lado.

Uma proposta modesta

por Jeffrey Zeldman (trad. João Martins)

É ilegal difundir falsidades em anúncios de televisão ou rádio, a não ser que se esteja a concorrer a um cargo político.

Se estiver a vender pasta de dentes, as suas alegações têm que ser validadas por profissionais médicos e juristas. Mas não se estiver a vender um cadidato.

Se estiver a vender um candidato, não só pode mentir acerca do seu passado, mas, de forma mais clara, pode mentir acerca do seu adversário.

Estas mentiras são vistas e ouvidas por milhões de pessoas, não só quando são difundidas como anúncios pagos, mas também quando circulam de forma gratuita nas redes noticiosas em funcionamento permanente, ávidas de controvérsia. E, depois de circularem gratuitamente, tornam-se assuntos para conversas “independentes” e “sem preconceitos”, onde se defende que existem sempre dois lados em qualquer história, mesmo quando um deles mente. Duas palavras: Swift Boat [referência a campanhas contra John Kery em 2004].

As mentiras, e os esforços humilhantes dos candidatos para se livrarem delas, preenchem o ciclo noticioso e formam o discurso nacional. E esta ruptura com a realidade, terrível e moralmente indefensável, persiste, mesmo quando o país está de rastos.

Se as redes emissoras recusam anúncios de cigarros, como é que podem aceitar, sem hesitações, anúncios políticos desonestos? Os cigarros matam pessoas, mas os anúncios políticos mentirosos ferem todo o país. Nenhuma democracia pode permitir isto, menos ainda quando o pais está em guerra, sob a ameaça existencial de terroristas e com a economia em queda livre.

Por isso, esta é a minha ideia. Uma que poderia funcionar, se as redes emissoras norte-americanas se lembrassem que são Americanas, em primeiro lugar, e prospectoras de lucro, em segundo.

Assim como se uniram para acabar com os anúncios a cigarros, as estações de televisão e as rádios, e os publicitários, têm que se juntar e chegar a acordo relativamente à necessidade de deixar de tolerar falsas declarações em anúncios políticos. Se emitissem um anúncio político que se viesse a provar ser uma mentira, as redes emissoras passariam a pagar uma elevada multa e o anunciante, uma ainda maior.

Para evitar multas esmagadoras, as emissoras, insistiriam em provas das declarações feitas em anúncios políticos, da mesma forma que exigem provas das declarações feitas nos anúncios a pastilhas elásticas sem açúcar.

Os anunciantes políticos não poderiam mentir acerca dos seus adversários. Teriam que os atacar de forma honesta, ou falar acerca dos problemas reais do país e sobre as soluções propostas pelo seu candidato.

Imaginem. Poderíamos ouvir anúncios sobre a crise bancária e sobre as propostas de cada candidato para a enfrentarem.

Os candidatos poderiam apresentar de forma resumida as suas posições acerca do Iraque e do Afeganistão e acabar com ligações para posições mais aprofundadas nos seus websites.

O público poderia discutir os assuntos reais que nos afectam, em vez das “controvérsias” fabricadas ao estilo “Entretenimento da Noite”. As pessoas poderiam votar nos candidatos com base nos seus percursos e nas posições que têm sobre os diferentes assuntos.

Seria mesmo como uma democracia.