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Da importância de estar vivo

Algumas das pessoas que, como eu, vivem em Aveiro e, ocasionalmente, se preocupam com alguns assuntos da cidade, têm-se deparado com estranhos obstáculos a que a discussão pública e esclarecida sobre muitos destes temas se realize ou, realizando-se, tenha algum tipo de impacto na condução dos destinos da cidade. Não é um problema exclusivo da nossa cidade, bem sei, mas no que diz respeito à visibilidade “extra-muros” destes assuntos não sou o primeiro a ter ouvido alguém dizer que “Aveiro é irrelevante”. Não tem eleitores suficientes que justifique uma qualificação séria do debate político (partidário ou outro). Não tem peso económico, não tem “personalidades de elevado perfil”, tem um histórico de baixa fricção social e cívica e, também por isso, não vende jornais, nem atrai audiências. O ciclo é, obviamente, vicioso: quanto mais tempo passamos neste “ramerrame”, mais “relevância” perdemos, menos energia demonstramos nos nossos protestos, menos exigências fazemos pela qualificação do debate público e aniquilamos quaisquer condições para quebrar este ciclo em qualquer um dos seus elos.

Foi com este estado de espírito que ontem, depois dum dia complicado, me arrastei até ao café Gato Preto, onde um grupo de cidadãos promovia um encontro de pessoas que estão contra a intenção do executivo Aveirense de construir uma nova ponte pedonal que, por todas as razões e mais uma, é um disparate à espera de ser travado. Estava preparado para me sentar numas mesas, com um par de caras conhecidas e falar sobre o desfasamento que existe entre a mobilização virtual, através de confortáveis cliques nas redes sociais, e uma mobilização verdadeira de pessoas dispostas a vir a público dizer o que pensam e comprometer-se com acção. Estava preparado para me conformar com a ideia de que teríamos que ter “esperança” que, à última da hora, o bom senso imperasse e houvesse um recuo por parte da Câmara.

Ao passar a porta do café, a minha primeira reacção foi pensar que tinha sido tonto (e tipicamente intelectualóide) ninguém ter verificado previamente as transmissões desportivas na TV já que, com toda aquela gente seria difícil falar sobre qualquer assunto. Mas essa sensação durou a fracção de segundo necessária para reconhecer algumas das caras e a curiosa configuração da sala. Mais de 40 pessoas, num fim de dia de semana, convocadas por emails e pouco mais, apareceram com as suas convicções e a sua vontade de agir. A sessão foi eficiente e organizada, com considerações, análises e propostas relativas a documentos em discussão e estratégias de acção a curto e médio prazo. Uma demonstração de cidadania responsável e activa, mas, mais do que isso, uma demonstração de vida.

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Discutiram-se vários aspectos e decidiram-se coisas concretas, como a participação na próxima reunião do Executivo, com exigências elementares de cortesia democrática: queremos ser ouvidos e, mais do que isso, queremos que todas as questões a que nenhum responsável tem respondido (e são muitas colocadas das mais variadas formas ao longo do tempo) tenham finalmente resposta. E, sabendo de todos aqueles que se têm pronunciado de forma desfavorável, políticos e técnicos dos mais variados sectores, queremos perceber quem legitima esta obra irresponsável.

É possível e provável que Aveiro continue a ser irrelevante “extra-muros” e que esta luta de cidadania mereça a mesma atenção que lutas anteriores. É possível e provável que o desequilíbrio de forças se mantenha e que a voz das pessoas seja abafada por formalismos bacocos. Mas o ciclo “vicioso” da irrelevância de Aveiro pode estar a ser quebrado no elo que, sendo o mais forte, sempre se menospreza: as pessoas.

Quinta-feira saberemos mais alguma coisa.

+info:

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A Avenida

Em Aveiro, chama-se simplesmente “Avenida” à Avenida Dr. Lourenço Peixinho, uma das mais antigas artérias da cidade e que é “rematada” com a Estação dos Comboios. A “Avenida” é, mais do que uma artéria da cidade, um assunto de debate, um pomo de discórdias e concórdias várias, um foco do investimento de reflexão crítica sobre a cidadania e sobre as possibilidades e modalidades de participação cívica na discussão sobre o futuro da cidade. E a “Avenida” representa e corporiza, simultaneamente, os piores vícios do passado e presente da cidade— alguma estagnação económica e urbana, alguma anemia cívica, alguma estreiteza de vistas, ignorância e má-fé de decisores políticos e promotores imobiliários (uns travestidos noutros, por vezes)— e alguma da esperança no seu futuro— há um importante movimento cívico que se auto-intitula Amigos d’Avenida, sobre ela se produzem reflexões várias, nela se projectam soluções de e para a cidade (vejam aqui e participem no Facebook).

Eu confesso que tenho dúvidas sobre o que pode ser a Avenida. Desde pequeno, aliás. Há uns anos atrás, tinha mesmo dificuldade em entendê-la como Avenida, por se tratar, de facto, dum cul-de-sac que, na minha perspectiva, só podia ser uma boa solução urbana caso o transporte ferroviário tivesse o peso estratégico que devia ter nas políticas de mobilidade e transportes. Em vez disso, abriram-lhe um buraco para ela deixar de ser um cul-de-sac (trocadilho não intencional) e ligaram-na a uma grande rotunda numa política de municipalização da EN109 e, por isso, de aposta continuada no transporte rodoviário, sobre a qual tenho sérias dúvidas. A construção da nova Estação de Comboios sinaliza a modernização infra-estrutural da linha do norte, mas nada de estratégico ou impactante na política de mobilidades acontecerá por esta via. A linha do Vouga e as possibilidades de novas ligações (comboio ou metro de superfície) pelo menos até Águeda, continuam a ser uma miragem. A sectorização da linha do norte por parte da CP e o papel de Aveiro como ponto de encontro não articulado das ligações suburbanas ao Porto e “regionais” a Coimbra, colocam Aveiro numa posição estranha, no panorama ferroviário.

Mas, para lá deste aspecto “operativo” da Avenida e duma das suas potenciais funções que, obviamente depende do peso que pretendemos dar, colectivamente, ao equipamento que é o seu limite e remate natural, como é que se pode intervir sobre os restantes 1400 metros de Avenida e qual a natureza e objectivos dessa intervenção? Porque é que a Avenida é importante? Para que serve?

Aveiro, como terra pequena que é, e com os seus tiques provincianos adoráveis, é sensível a discursos que mistificam a Avenida como símbolo da cidade, espaço de memórias e qualidades urbanas perdidas. Eu, que vivi em Aveiro uma boa parte dos meus (curtíssimos) 34 anos de vida, não me lembro dessas qualidades urbanas. Lembro-me de alguma vitalidade mais bem distribuída, lembro-me de menos parcelas devolutas, lembro-me de mais arquitectura ordinária e menos arquitectura osbcena… mas lembro-me dum afastamento e desinteresse face a este espaço que, colectivamente, explica a sua degradação, as intervenções desqualificadas, a perda sistemática de funções urbanas e um desrespeito inacreditável pelas poucas peças de arquitectura com algum valor, que suscitaram apenas uma indignação passageira, ainda que apaixonada, em alguns casos.

A Avenida de Aveiro, de que agora todos queremos ser “amigos”, esteve “abandonada” à sua sorte durante muitos anos. Décadas. Temos que ser capazes de assumir esse abandono, colectivamente, e perceber as suas causas, antes de grandes intervenções cosméticas, seja qual for a receita de “regeneração urbana” aplicada.

Porque, acima de tudo, não podemos presumir que está toda a gente “mortinha” por ir para a Avenida e utilizar os seus espaços, logo que eles estejam requalificados.

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Discussão pública?

Dei por mim a participar numa espécie de discussão pública relativa a um projecto urbano que propõe cortar ao meio o Bairro do Alboi, aqui em Aveiro e, só depois das primeiras “bocas” é que percebi que há qualquer coisa de profundamente errado tanto nos mecanismos de discussão pública legalmente consagrados como como no nível de envolvimento cidadão nesses processos: que sentido faz estar um tipo como eu a tecer comentários que podem parecer inteligentes e informados a propósito de opções destas, conhecendo apenas umas fotografias parciais de plantas relativamente ambíguas? O que é que significa o facto de, neste momento, o máximo de intervenção cívica de algumas pessoas (entre as quais eu), passe pela participação em grupos no Facebook que protestam contra o Alboi cortado ao meio ou se propõem Dar vida à Avenida Lourenço Peixinho e promover Mais Democracia Participativa em Aveiro?
Tudo boas iniciativas dos Amigos d’Avenida, que estão a conseguir, aparentemente, aumentar o nível de participação nestas discussões. O que me intriga é: com esta participação surge também consciência crítica? Servem estes grupos virtuais como plataformas de discussão e união livre de esforços na participação “real” na democracia? Ou arriscam-se a funcionar como simples mecanismos de validação dum conjunto de opiniões já formadas, oferecendo massa (a)crítica a movimentos legítimos, mas ainda sem expressão “real”?

Em jeito de nota, sobre o projecto para o Bairro do Alboi, comentei numa fotografia:

Alguém sabe de quem é a autoria do projecto? Quem o defende tecnicamente? Qual o arquitecto ou urbanista que sustenta esta decisão? Há países onde são os técnicos projectistas que apresentam e defendem os projectos e isso, na minha opinião, evita alguns embaraços. Nós por cá, estamos tão habituados a que estas decisões sejam sempre de tipo político que os técnicos se abrigam frequentemente na má reputação dos decisores políticos e, assim, se demitem de fazer o seu trabalho. Para mim, esta é uma das batalhas decisivas pela cidadania.

E ainda:

Finalmente, acho que percebi o desenho, se o “violeta” nas vias públicas for uma classificação de circulação pedonal. Corrijam-me se estiver enganado:
1. o cais dos Moliceiros passa a ser praticamente todo pedonal
2. A Rua Magalhães Serrão, fronteira do Bairro do Alboi com o Jardim da Baixa de S.to António passa a ser pedonal, assim como o atravessamento noroeste-sudeste, criando uma ligação pedonal do cais dos moliceiros e cais do paraíso, via ponte pedonal, à Baixa de S.to António, com um único ponto de contacto com a circulação rodoviária, no centro do actual jardim do Alboi, com tratamento no piso a favorecer os peões (a acreditar no desenho)
3. A Rua Magalhães Serrão, entre a Rua da Liberdade e a Rua Homem Christo Filho, passa a pedonal (o Largo José Rabumba também?)
4. o actual Jardim do Alboi é “desfeito” e implantam-se dois espaços públicos (relativamente ajardinados?) sem separação das fachadas das casas, com um atravessamento viário e um eixo de circulação pedonal (o tal cais do paraíso-baixa de santo antónio)

Não sendo o desenho brilhante, não tenho a certeza de o estar a interpretar correctamente. Vejo uma série de fragilidades nesta solução, mas também vejo virtudes, confesso. Precisaria de ver em pormenor. Não percebo como se resolvem (se é que se resolvem) os problemas do estacionamento dos moradores e não percebo porque é que se mantém a circulação na Rua da Liberdade e Rua da Arrochela, face ao cenário geral. Uma opção onde tudo fosse pedonal, com acesso dos moradores às soluções de estacionamento e um atravessamento viário único, parecia mais coerente.
Como continua o desenho do sistema viário a sudeste, junto do talude que limita o Jardim da Baixa de Santo António, nas traseiras do Governo Civil?

Fiquei curioso para olhar para todo o plano e poder debater sem preconceitos políticos e, acima de tudo, com os reais constrangimentos e motivações técnicas em cima da mesa. Mas já deixei passar esse tempo não foi?

Como percebem as pessoas que me conhecem há algum tempo, uma das coisas que me assusta nestes processos é o estranho distanciamento destas discussões face aos técnicos responsáveis pelos projectos. Relacionamo-nos com estes projectos (mesmo as pessoas das classes profissionais envolvidas), atribuindo todas as virtudes aos projectistas e todos os vícios aos políticos. Trata-se duma estratégia global de desresponsabilização que me incomoda.

Também por isso, a propósito duma outra fotografia, que anuncia uma iniciativa do Núcleo de Arquitectos de Aveiro, escrevia:

Estarão presentes neste ciclo os técnicos (arquitectos e urbanistas) responsáveis por alguns atentados às nossas cidades publicamente reconhecidos? Faz parte de “todas as causas” a desresponsabilização criminosa, a complacência indesculpável, a cedência às lógicas da especulação imobiliária, a falta de rigor técnico e ético de tantos e tantos profissionais do projecto (arquitectos e urbanistas)? Ou as causas são todas políticas e económicas? Os técnicos projectistas assumem as suas responsabilidades, ou juntamo-nos todos para o habitual jogo de “malhar no político, gozar com o empreiteiro e encolher os ombros para o cidadão”?

E, pelos vistos, esse é um dos objectivos deste ciclo, já que no dia 12 de Novembro o polémico projecto da Ponte Pedonal do Alboi foi apresentado pelo seu autor (Arq. Paula Santos). E a questão é: quem esteve presente? Que explicações foram dadas, que perguntas foram colocadas? Há algum balanço a que se possa ter acesso? Sem isso, sem um acompanhamento e uma construção crítica e consequente de opinião, saltamos de micro-causa em micro-causa e, mesmo que isso dê origem a milhares de “eu gosto” no Facebook e seguidores nas demais redes sociais, dificilmente se constrói um movimento cívico “real”.

O que é que cada um de nós pode fazer, sendo assim?

NOTA IMPORTANTE: a Arq. Paula Santos não foi a vencedora do concurso para a ponte pedonal do Alboi, mas sim a segunda classificada. Terá sido convidada pelo NAAV, entre outras coisas, por se considerar que a sua proposta era mais interessante arquitectonicamente. Sobre o significado desta correcção falarei mais adiante.