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Navegar através da crise


IMG126, colocada no Flickr por joaomartins.

Fomos à Feira de Março porque “faz parte”. A grande e boa surpresa foi a reacção da Maria a estes divertimentos em família: sorrisos genuínos pela novidade, pela descoberta e pela companhia. Nos carroceis, mas também no algodão doce e no pão quente… neste monumento à cultura popular que é a “feira”.
São momentos destes, sorrisos destes, que temos que saborear e guardar para navegar através da crise, diz a minha costela lírica e ingénua.

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Discussão pública?

Dei por mim a participar numa espécie de discussão pública relativa a um projecto urbano que propõe cortar ao meio o Bairro do Alboi, aqui em Aveiro e, só depois das primeiras “bocas” é que percebi que há qualquer coisa de profundamente errado tanto nos mecanismos de discussão pública legalmente consagrados como como no nível de envolvimento cidadão nesses processos: que sentido faz estar um tipo como eu a tecer comentários que podem parecer inteligentes e informados a propósito de opções destas, conhecendo apenas umas fotografias parciais de plantas relativamente ambíguas? O que é que significa o facto de, neste momento, o máximo de intervenção cívica de algumas pessoas (entre as quais eu), passe pela participação em grupos no Facebook que protestam contra o Alboi cortado ao meio ou se propõem Dar vida à Avenida Lourenço Peixinho e promover Mais Democracia Participativa em Aveiro?
Tudo boas iniciativas dos Amigos d’Avenida, que estão a conseguir, aparentemente, aumentar o nível de participação nestas discussões. O que me intriga é: com esta participação surge também consciência crítica? Servem estes grupos virtuais como plataformas de discussão e união livre de esforços na participação “real” na democracia? Ou arriscam-se a funcionar como simples mecanismos de validação dum conjunto de opiniões já formadas, oferecendo massa (a)crítica a movimentos legítimos, mas ainda sem expressão “real”?

Em jeito de nota, sobre o projecto para o Bairro do Alboi, comentei numa fotografia:

Alguém sabe de quem é a autoria do projecto? Quem o defende tecnicamente? Qual o arquitecto ou urbanista que sustenta esta decisão? Há países onde são os técnicos projectistas que apresentam e defendem os projectos e isso, na minha opinião, evita alguns embaraços. Nós por cá, estamos tão habituados a que estas decisões sejam sempre de tipo político que os técnicos se abrigam frequentemente na má reputação dos decisores políticos e, assim, se demitem de fazer o seu trabalho. Para mim, esta é uma das batalhas decisivas pela cidadania.

E ainda:

Finalmente, acho que percebi o desenho, se o “violeta” nas vias públicas for uma classificação de circulação pedonal. Corrijam-me se estiver enganado:
1. o cais dos Moliceiros passa a ser praticamente todo pedonal
2. A Rua Magalhães Serrão, fronteira do Bairro do Alboi com o Jardim da Baixa de S.to António passa a ser pedonal, assim como o atravessamento noroeste-sudeste, criando uma ligação pedonal do cais dos moliceiros e cais do paraíso, via ponte pedonal, à Baixa de S.to António, com um único ponto de contacto com a circulação rodoviária, no centro do actual jardim do Alboi, com tratamento no piso a favorecer os peões (a acreditar no desenho)
3. A Rua Magalhães Serrão, entre a Rua da Liberdade e a Rua Homem Christo Filho, passa a pedonal (o Largo José Rabumba também?)
4. o actual Jardim do Alboi é “desfeito” e implantam-se dois espaços públicos (relativamente ajardinados?) sem separação das fachadas das casas, com um atravessamento viário e um eixo de circulação pedonal (o tal cais do paraíso-baixa de santo antónio)

Não sendo o desenho brilhante, não tenho a certeza de o estar a interpretar correctamente. Vejo uma série de fragilidades nesta solução, mas também vejo virtudes, confesso. Precisaria de ver em pormenor. Não percebo como se resolvem (se é que se resolvem) os problemas do estacionamento dos moradores e não percebo porque é que se mantém a circulação na Rua da Liberdade e Rua da Arrochela, face ao cenário geral. Uma opção onde tudo fosse pedonal, com acesso dos moradores às soluções de estacionamento e um atravessamento viário único, parecia mais coerente.
Como continua o desenho do sistema viário a sudeste, junto do talude que limita o Jardim da Baixa de Santo António, nas traseiras do Governo Civil?

Fiquei curioso para olhar para todo o plano e poder debater sem preconceitos políticos e, acima de tudo, com os reais constrangimentos e motivações técnicas em cima da mesa. Mas já deixei passar esse tempo não foi?

Como percebem as pessoas que me conhecem há algum tempo, uma das coisas que me assusta nestes processos é o estranho distanciamento destas discussões face aos técnicos responsáveis pelos projectos. Relacionamo-nos com estes projectos (mesmo as pessoas das classes profissionais envolvidas), atribuindo todas as virtudes aos projectistas e todos os vícios aos políticos. Trata-se duma estratégia global de desresponsabilização que me incomoda.

Também por isso, a propósito duma outra fotografia, que anuncia uma iniciativa do Núcleo de Arquitectos de Aveiro, escrevia:

Estarão presentes neste ciclo os técnicos (arquitectos e urbanistas) responsáveis por alguns atentados às nossas cidades publicamente reconhecidos? Faz parte de “todas as causas” a desresponsabilização criminosa, a complacência indesculpável, a cedência às lógicas da especulação imobiliária, a falta de rigor técnico e ético de tantos e tantos profissionais do projecto (arquitectos e urbanistas)? Ou as causas são todas políticas e económicas? Os técnicos projectistas assumem as suas responsabilidades, ou juntamo-nos todos para o habitual jogo de “malhar no político, gozar com o empreiteiro e encolher os ombros para o cidadão”?

E, pelos vistos, esse é um dos objectivos deste ciclo, já que no dia 12 de Novembro o polémico projecto da Ponte Pedonal do Alboi foi apresentado pelo seu autor (Arq. Paula Santos). E a questão é: quem esteve presente? Que explicações foram dadas, que perguntas foram colocadas? Há algum balanço a que se possa ter acesso? Sem isso, sem um acompanhamento e uma construção crítica e consequente de opinião, saltamos de micro-causa em micro-causa e, mesmo que isso dê origem a milhares de “eu gosto” no Facebook e seguidores nas demais redes sociais, dificilmente se constrói um movimento cívico “real”.

O que é que cada um de nós pode fazer, sendo assim?

NOTA IMPORTANTE: a Arq. Paula Santos não foi a vencedora do concurso para a ponte pedonal do Alboi, mas sim a segunda classificada. Terá sido convidada pelo NAAV, entre outras coisas, por se considerar que a sua proposta era mais interessante arquitectonicamente. Sobre o significado desta correcção falarei mais adiante.

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Intervenção cívica: liguem as luzes!

Acabei de enviar a seguinte mensagem para diversos contactos na Câmara Municipal de Aveiro, Assembleia Municipal e na Junta de Freguesia da Glória:

Assunto: Desfasamento na iluminação pública do Bairro de Santiago e Urbanização CHAVE

Venho por este meio alertar V.as Ex.cias para um problema que me parece grave e que tem implicações em variadíssimas questões, desde a segurança à mobilidade, passando pela coesão social, sendo de fácil solução. Falo do desfasamento completamente injustificado no funcionamento da iluminação pública em algumas artérias do Bairro de Santiago, nomeadamente parte das Ruas de São João da Madeira e de Oliveira de Azeméis, assim como na Rua de Espinho que, recordo, é a artéria que conduz ao Mercado Municipal e divide o Bairro de Santiago da Urbanização CHAVE. Nesta última Urbanização, onde se situa o Centro Infantil de Aveiro, por exemplo, a situação é bastante grave, assim como nas áreas centrais do Bairro de Santiago. De facto, a iluminação pública nos locais que refiro está com um atraso bastante significativo, ligando-se apenas às 18h05, criando-se um longo período de escuridão injustificada em extensas áreas onde, além de arruamentos que servem a habitação e o comércio, se encontram uma série de serviços importantes.
Estou certo que esta situação, para a qual os serviços da Câmara e a EDP já foram alertados por diversas vezes (este desfasamento repete-se em diferentes alturas do ano desde há pelo menos um ano) terá uma solução simples e rápida, logo que exista uma consciência séria dos inconvenientes óbvios causados. Aguardo assim, uma solução com carácter de urgência, que passará, obviamente, pela eliminação de todo e qualquer desfasamento horário no funcionamento da iluminação pública que discrimine e prejudique qualquer área da cidade.

Com os melhores cumprimentos,

João Martins
morador na Rua Dr. Mário Sacramento, com uma filha a frequentar o
Centro Infantil de Aveiro
BI: 11028426

Estou mesmo convencido que isto é um problema sério e que já deveria ter ficado resolvido pelo menos há um ano, quando o Centro Infantil de Aveiro e a Cooperativa de Habitacão CHAVE fizeram pressão para que assim fosse. Acho bizarro que a iluminação pública funcione com mais do que um relógio, ou mais do que uma hora, como se nos espalhássemos por vários fusos horários. Acho particularmente grave que esta situação atinja esta zona da cidade, realçando os clichés e preconceitos que já por aqui pairam.
Não quero acreditar que se trata duma opção consciente, procurando poupar uns cobres prejudicando áreas onde a intervenção cidadã não é tão visível ou proeminente ou, pior, diminuindo deliberadamente a qualidade de vida nesta zona, com particular incidência nos espaços públicos.
Não quero acreditar que a iluminação pública de algumas áreas da cidade dependa de caprichos e humores de funcionários aborrecidos, como me disseram algumas pessoas, entretanto.

Aguardo pacientemente uma resposta e, mais do que isso, uma solução urgente deste problema.

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Princípio de Peter

“Num sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência.” (no original, em língua inglesa, “In a hierarchy, every employee tends to rise to his level of incompetence”).

O que tinha pensado escrever a propósito do meu artigo anterior era simplesmente isto, mas acho que já passou esse tempo.

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Mau sinal

Já aqui escrevi o fundamental do que penso sobre a demissão do Pedro Jordão do cargo de director artístico do Teatro Aveirense. Já tinha até escrito uma boa parte daquilo que pensava no momento da sua nomeação. Li agora, no Público, a reacção da tutela, pela voz da Vereadora da Cultura, Maria da Luz Nolasco, que, sendo célebre pela quantidade de vezes que desperdiça boas oportunidades para estar calada consegue, neste momento específico, uma das suas maiores proezas. Coragem não lhe falta, com certeza. Sentimento de impunidade também não.

Maria da Luz Nolasco, presidente do Conselho de Administração do Teatro Aveirense e vereadora da CMA, não aceita as justificações apresentadas por Pedro Jordão para a sua decisão, e fala antes numa “incapacidade para mobilizar a qualificada equipa de pessoas que forma o actual universo do TA” por parte do director artístico demissionário.

Não adianta nada a propósito dos compromissos assumidos pela Câmara que faltaria honrar, segundo Pedro Jordão. Não adianta nada acerca das condições de tesouraria e gestão do Teatro. Não confirma nem desmente situações de incumprimento em pagamentos de cachets, por exemplo. Não comenta as condições de financiamento e apoio por parte de entidades terceiras, nem a situação de incerteza e indefinição orçamental que Pedro Jordão alega.
Não tenta sequer explicar o desfasamento entre as expectativas que ela própria depositava em Pedro Jordão no início deste processo e a frieza desta análise do seu aparente falhanço elementar.

A fulana que fulanizou a direcção artística do Teatro, fulaniza de forma igual quando corre bem e corre mal.

Já há mais gente a perceber porque é que defendo discussões públicas, cadernos de encargos, cartas de missão e concursos?

Esta reacção é um mau sinal evidente (e expectável) no que ao futuro do TA diz respeito. E entristece-me profundamente. Entristece-me porque sei que com as condições financeiras em que o Teatro vai operar (e não nos esqueçamos que essas condições financeiras resultam de opções políticas) é virtualmente impossível construir um projecto de programação consequente. Entristece-me porque sei que não há nenhuma visão ou projecto por parte dos responsáveis locais para um equipamento que podia desempenhar um importante papel no desenvolvimento da cidade e que já leva 7 anos de adiamentos. Entristece-me especialmente por ter dúvidas sobre o impacto público que esta situação terá e por desconfiar seriamente que a “saúde” do Teatro Aveirense é algo a que a esmagadora maioria da população da cidade é alheia, ainda que todos venhamos a ser afectados pela sua degradação.

E, por falar em 7 anos de adiamentos e falta de visão e discernimento: quem esteve na apresentação da Bichofonia Cantante: Opus Formiguinha” (um belíssimo espectáculo da Companhia de Música Teatral), no passado sábado, terá tido oportunidade de assistir ao deprimente prólogo protagonizado precisamente por Maria da Luz Nolasco, a pretexto do 7º aniversário da reabertura do TA (uma data certamente a celebrar), onde a sua completa desorientação se manifestou de forma original; ao invés de preparar e oferecer à sala cheia e com muitas crianças uma leve e fácil ligação entre este 7º aniversário, o público infantil e o espectáculo, a Vereadora aborreceu as crianças com um discurso sobre as novas valências técnicas do equipamento após a renovação, com requintes de malvadez que fizeram as portas abrir para a saída de algumas crianças mais impacientes e sem uma única referência ao público bastante específico que ocupava a sala naquele momento e nenhuma palavra relativa ao espectáculo que o Teatro ia apresentar. Ouvimos (os adultos e as crianças presentes) coisas tão úteis e interessantes como qual a profundidade do palco, o que é novo no funcionamento do bailéu— com convite a que alguém da equipa técnica explicasse melhor, felizmente recusado—, qual a lotação da sala após a supressão do 2º balcão, qual a altura da caixa de palco e características da teia e como é que isso se relacionava com a perda da classificação patrimonial… Foram pedidas palmas para o Teatro que “está a passar por um período conturbado, mas que se irá resolver”, mas nada foi dito acerca da qualidade do espectáculo a que íamos assistir ou da pertinência de apresentar um espectáculo desta natureza e para este público num momento de celebração e crise. É que nem que fosse completamente hipócrita e demagógico era mais eficaz e era fácil “fazer o bonito” de associar o público infantil a quem o espectáculo se dirige a uma ideia de aposta no futuro e na “música teatral” assim apresentada como um desafio na criação de novos públicos para todas as artes performativas.

Felizmente, o espectáculo da Companhia de Música Teatral foi suficientemente bom para fazer esquecer aquele prólogo, de que me lembrei ao ler a tal reacção no Público.

E por tudo o que sei e por tantas coisas que não sei (e não quero saber), só me resta perguntar: podemos propôr que o Pelouro da Cultura na Cidade de Aveiro fique em auto-gestão?

ADENDA: Vale a pena ler o comunicado da Vereadora na íntegra, especialmente na sua versão comentada por Jorge Pedro Ferreira.

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Pedro Jordão demitiu-se da direcção artística do TA

Apesar do negro cenário que rodeia o país em geral e a cultura em particular, a demissão de Pedro Jordão do cargo de director artístico do Teatro Aveirense não deve deixar a cidade indiferente. Este contexto específico torna ainda mais clara a necessidade de definir publicamente um projecto claro para este equipamento e recolher todos os contributos possíveis para uma perspectiva de futuro.

Sem correr o risco de ser mal interpretado repito parte do que disse na altura da sua nomeação: a direcção dos teatros municipais deve ser sempre sujeita a concurso público baseado num caderno de encargos ou carta de missão cuja responsabilidade deve ser assumida pelos poderes públicos como instrumento de desenvolvimento e democracia.

Resta saber se, com as condicionantes actuais alguém assumirá o risco de participar em tal aventura. Mas a cidade não tem alternativa, a não ser que queira repetir erros do passado.

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trama³, trama ao cubo

trama³, trama ao cubo

trama³

um projecto de João Martins, com Gustavo Costa e Henrique Fernandes

Neste projecto, um tear artesanal transforma-se num hiper-instrumento musical, com diversos registos tímbricos em configurações interligadas que permitem aos 3 músicos abordá-lo ora como um instrumento único, ora como um ensemble quase orquestral. Sobre a estrutura do tear, em intervenções que procuram compreender o seu funcionamento primário, enquanto exploram um vasto conjunto de possibilidades sónicas— sugeridas, na sua maior parte, pela observação de teares nos seus contextos originais—, fixam-se cordas, molas, caixas e vários objectos comuns, distribuindo pelas várias “faces visitáveis” da máquina, modos de produção de som interligados.

E, do mesmo modo que a concepção e construção do próprio instrumento procura compreender e valorizar os aspectos funcionais pré-existentes, a concepção global do projecto procura estabelecer pontes tangíveis entre os modos e os conteúdos da nova produção musical e as técnicas artesanais, as pessoas e os locais que compõem a memória do objecto. Gestos da tecelagem e das actividades relacionadas são recuperados como gestos de produção sonora no novo instrumento; recolhas de sons quer dos teares, quer das paisagens sonoras em que os descobrimos integram, como texturas e como motivos, o reportório concebido.
Estes teares— os seus “corpos”, o seu universo e identidade particular— são por isso, física e conceptualmente, o material de base para mais dois músicos— cúmplices de longa data—, artesãos, inventores e construtores de instrumentos que interpretam com as suas próprias ferramentas o desafio original.
Uma intrincada teia que cruza Música e Arte Sonora, aborda várias definições possíveis de instrumento musical e estende uma ponte audível, atenta e crítica entre práticas artísticas e práticas artesanais, enquanto reconhece o valor primordial das paisagens naturais e humanas genuínas.

Uma encomenda do Município do Fundão
Co-produção: Câmara Municipal do FundãoA Moagem – Cidade do Engenho e das Artes / Granular Associação
Produção executiva e acolhimento: A Moagem – Cidade do Engenho e das Artes

História do Projecto

Em 2005, como parte do processo de concepção dum espectáculo de teatro, concebi e construí um instrumento musical reutilizando a estrutura dum tear manual de mesa, que tinha utilizado em trabalhos oficinais como aluno do ensino secundário. O instrumento, a que chamei Contratear– a partir do nome da peça, “O Contrabaixo” (Visões Úteis, 2005)-, foi usado posteriormente em vários concertos e performances e passou a integrar o meu instrumentário regular. Em 2009, A Moagem – Cidade do Engenho e das Artes, propõe à Granular o desenvolvimento dum projecto musical centrado nos esforços de dinamização da actividade artesanal de grupos de tecedeiras nas Aldeias do Xisto e a Granular contacta-me, por causa do Contratear. E, assim, em Maio de 2009, estive em residência artística nas Aldeias do Xisto (Janeiro de Cima e Bogas do Meio), tendo como objectivo de curto prazo a concepção duma performance a apresentar na LX Factory, em Junho de 2009 e, como objectivo final a concepção e construção dum novo instrumento musical construído a partir dum tear. Essa primeira fase, a solo, mudou consideravelmente a minha relação com o Contratear, não tanto pela performance que realizei na Arthobler / Ler Devagar (LX Factory), mas pela imersão no universo dos teares artesanais e pela descoberta de imensos pontos de contacto entre os objectos da tecelagem e diversos instrumentos musicais, mas também entre os processos de concepção e registo dos padrões em uso nas práticas artesanais e técnicas de composição e escrita musical. A compreensão, também nessa altura, do carácter primordial do tear, enquanto máquina-ferramenta universal e a reflexão sobre o seu desenvolvimento mecânico e técnico, especialmente a partir da Revolução Industrial, e sobre o significado que a manutenção das práticas artesanais tem, face a esse desenvolvimento, influenciaram de forma decisiva, ainda que menos visível, a orientação conceptual do projecto para o qual, desde o início, contava com a colaboração do Gustavo Costa e do Henrique Fernandes, parceiros em variadíssimos projectos e, eles próprios, inventores e construtores de instrumentos. A estratégia usada na performance a solo de 2009, recorrendo a uma base audiovisual construída pela selecção, edição e manipulação de recolhas áudio e vídeo feitas durante a residência provou a sua eficácia quer como mecanismo de referenciação, quer como partitura estrutural e com base nessa primeira experiência, a segunda fase do projecto avançou para a concepção e construção dum novo instrumento sobre a estrutura pré-existente dum daqueles teares. Nesta segunda fase, trabalhámos já em conjunto, no Fundão, procurando transferir todas estas preocupações para o próprio processo de construção, a que acrescia a vontade e necessidade de diversificar os modos de produção de som, por forma a aproveitar ao máximo a área disponível na estrutura e alcançar o objectivo de, em vez de sobrepôr vários pequenos instrumentos à estrutura, usá-la como base dum instrumento único, polivalente, com o máximo de módulos interligados. A interpretação do desafio original, concretizou-se e expandiu-se no encontro das 3 personalidades e experiências específicas e com o contributo crítico de quem acompanhou este processo e, especialmente, de Albrecht Loops. Além da concepção e construção deste novo instrumento, realizámos novas recolhas sonoras e testámos novas formas de utilização e manipulação e desenvolvemos estratégias composicionais baseadas em regras simples e padrões que referenciam, de alguma forma, o universo das práticas artesanais e estudámos e estruturámos vários modos performativos. Um processo desta natureza evolui constantemente e não tem um fim natural; apenas
pontos de paragem e reflexão que sugerem novos desenvolvimentos. O ponto onde nos encontramos é particularmente rico: não só possuímos um instrumento poderoso e flexível, como dominamos formas performativas coerentes e consequentes. A documentação e enquadramento da globalidade do projecto permitirão uma leitura mais completa e rica do objecto em si mesmo, mas as suas actuais possibilidades performativas são inegáveis.

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Boom & Bang em Aveiro

Boom & Bang, a 35ª criação do Visões Úteis vem ao Teatro Aveirense no próximo dia 9 de Junho. São duas sessões: uma à tarde, para escolas e sujeita a marcação via Serviço Educativo do Teatro, outra à noite, para o público em geral. Como é véspera de feriado, há menos desculpas para não ir ver.

Boom & Bang, 35ª criação Visões Úteis
dia 9 de Junho no Teatro Aveirense

Boom & Bang, logotipo

São contributos teatrais para a compreensão da crise mundial, que o Visões adaptou a um formato portátil que tem circulado com grande sucesso em variadíssimos espaços pelo país (1, 2, 3, 4).

Boom & Bang
a partir de “The Power of Yes” de David Hare

Isto é uma nova espécie de socialismo. É o socialismo para os ricos. Para os outros está tudo na mesma. Só para os bancos é que há socialismo. O resto do pessoal continua tão à rasca como dantes. E é nesta altura que começamos a sentir uma certa sensação de injustiça, ou não é?

[youtube width=”425″ height=”335″]http://www.youtube.com/watch?v=UD26ulGiUpI[/youtube]

  • dramaturgia e direcção: Ana Vitorino e Carlos Costa
  • banda sonora original e sonoplastia: João Martins
  • desenho de luz: José Carlos Gomes
  • interpretação: Ana Vitorino, Carlos Costa e Pedro Carreira
  • projecto fotográfico: Paulo Pimenta
  • coordenação técnica e operação: Luís Ribeiro
  • produção executiva: Joana Neto
  • assistência de produção: Helena Madeira
  • design gráfico: entropiadesign a partir de imagem de Ricardo Lafuente
  • produção: Visões Úteis
  • duração aproximada: 50 minutos
  • classificação etária: M12
  • informações
    Visões Úteis: 22 200 61 44 | mail@visoesuteis.pt
    Teatro Aveirense: 234 400 920 | info@teatroaveirense.pt

Sobre o projecto

Na sequência da crise económica que explodiu em Setembro de 2008, o National Theatre (Londres, Inglaterra) encomendou ao dramaturgo David Hare uma peça de teatro que se confrontasse com a referida situação e com os seus protagonistas. E desta forma David Hare dedicou vários meses não só ao estudo da situação mas também a entrevistas pessoais a banqueiros, economistas, especuladores, investidores, administradores, enfim, a todos aqueles que conheciam a história por dentro, desde que, naturalmente, estivessem dispostos a contá-la. O resultado final foi um texto rigoroso e complexo – em que se recusa qualquer desejo excessivo de dramatização e se procura antes contar uma história de ambição e ganância – intitulado “O poder do sim”, e bem a propósito sub-intitulado “Um dramaturgo tenta compreender a crise financeira”, cuja estreia mundial aconteceu, precisamente, no National Theatre de Londres, em Setembro de 2009.
Na versão do Visões Úteis “O Poder do sim” apresenta-se vocacionado para um contacto muito próximo com o público, através do trabalho de 3 actores que convocam uma pluralidade de protagonistas da crise financeira, sem esquecer uma imprescindível aproximação à realidade portuguesa, no que podemos classificar de um espectáculo extremamente divertido, apesar de não ter piada nenhuma! Ou por outras palavras, uma tragicomédia financeira completamente enraizada no nosso aqui e agora.

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E se usar o Ecoponto fosse um dever?

Estamos todos fartos do paleio politicamente correcto do “bio-isto” e do “eco-aquilo” e o cínico que há em cada um de nós desespera sempre que ouve falar da possibilidade de salvar o mundo separando o lixo ou apagando a luz do “standby” das televisões. É verdade. Mas também é verdade que é preciso ser um selvagem a viver no meio duma gruta ou um grunho neandertal para não sentir a pressão social que existe para que, pelo menos a utilização dos ecopontos (a separação do lixo) se generalize e, excepção feita aos locais onde esses equipamentos escasseiam (queixem-se disso aqui, por favor), nota-se alguma mudança de comportamentos e a vergonha (ou uma consciência ambiental real?) faz com que seja cada vez mais natural não gostarmos de ver imagens como esta:

Caixas de cartão no chão, junto a um contentor de lixo? Porquê?

Não é raro, bem sei, mas começa a despertar em todas as pessoas um incómodo natural, talvez até mesquinho, do tipo “então eu ando a separar e transportar a porcaria dos recicláveis e há uns espertos que os pousam aqui no chão e que se lixe?”
Em alguns sítios e em algumas alturas, estamos quase dispostos a não dar grande importância, mas quando isso acontece de forma continuada e sistemática, damos por nós a olhar à volta e a pensar “mas quem é o bronco que faz isto?”. Pensamos nos nossos vizinhos, pensamos nos patrões e empregados das lojas que vemos carregarem caixas e desempacotarem mercadorias…

Pior ainda é se abrirmos o tal contentor e encontrarmos alguma coisa parecida com isto:

Dentro do contentor do lixo, quase tudo cheio com recicláveis

O contentor do lixo não tem sequer espaço para o nosso lixo (que é mesmo lixo) porque alguém— agora há cada vez menos potenciais broncos na vizinhança e os olhos concentram-se nas caixas para perceber se são as sapatarias ou a loja de electrodomésticos a ganhar a luta da falta de civismo— decidiu que o Ecoponto mais próximo é muito longe. Alguém, perceba-se isto, que não tem sequer que fazer nenhuma separação de lixo, já que tem apenas recicláveis (plástico e cartão) e que acha que é razoável usar o contentor do lixo indiferenciado que tem à porta (ou à montra), em vez de fazer o percurso que eu faço para depositar os despojos da operação de descarga. Alguém que muito provavelmente tem ou já teve na sua montra destaque às características “eco-isto” ou “bio-aquilo” dos produtos que vende.

E um gajo começa a ferver.
“Ferves em pouca água”, dizem vocês. “Se calhar levar aquilo tudo para o Ecoponto ainda é uma grande chatice que demora imenso tempo e é preciso é ser produtivo e, além disso, os Ecopontos estão quase sempre cheios, seja como for”.

Então olhem lá para este esquema, para perceberem porque é que eu fervo:

Mapa do disparate

Tudo isto se passa em Aveiro, na Rua Mário Sacramento, junto à Rotunda do Centro Comercial Glicínias (preferia chamar-lhe Rotunda do Eucalipto, mas já ninguém a conhece por esse nome). O “Ecoponto 1”, junto à PT Inovação é um Ecoponto normal e, de facto, está normalmente cheio, já que esta é uma área residencial algo densa e, vá-se lá perceber porquê, há muita gente a separar o seu lixo. Mas, a uma distância igual, com um acesso fácil a carros e tudo, há desde há uns meses, um Eco Drive (uma inovação da Câmara Municipal de Aveiro, segundo consta):

Cada estrutura destas é constituída por dois ecopontos completos, dois pilhões, um oleão, um contentor para deposição de resíduos eléctricos e electrónicos, um contentor para deposição de resíduos verdes, outro para deposição de resíduos de grandes dimensões (monos/monstros) e dois contentores para resíduos sólidos indiferenciados.

Está ali, mesmo à mão de semear, com acesso fácil, junto à Vila Jovem e ao antigo edifício da Escola Profissional de Aveiro e até tem um outdoor a publicitá-lo na Rotunda.

E, desde que o Eco Drive ali está, já me deparei com esta situação junto do contentor do lixo mais do que uma vez. Por isso, o que é que se faz nestas situações? Uma peixeirada (é aquilo que estou a fazer, digitalmente)? Uma acção pedagógica directa junto dos comerciantes? Pede-se apoio à Câmara ou à Junta de Freguesia ou à Sociedade Ponto Verde? Ou não se faz nada porque estas coisas dependem da consciência individual?

E se não dependessem? E se usar o Ecoponto, separar o lixo, fosse mais do que um simples acto de civismo? Adiantava alguma coisa?

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Concertos Promenade no Teatro Aveirense: uma óptima ideia

Os Concertos Promenade no Teatro Aveirense são da responsabilidade do Conservatório de Música de Aveiro Calouste Gulbenkian e ocorrem no primeiro domingo de cada mês, de manhã, tendo começado em Março. Hoje foi a segunda edição (o concerto de Abril coincidiria com o domingo de Páscoa) e eu lá estive, com a Maria e sua avó. Mesmo antes de ir, poderia dizer que esta é uma óptima ideia e é o tipo de iniciativas que contribui, de facto, para a afirmação dum Teatro Municipal. Trata-se de serviço público que enriquece todos os participantes:

  • os alunos do Conservatório têm uma experiência formativa fundamental, que é a apresentação em público do seu trabalho, num contexto diferente das audições de escola; e têm contacto com a estrutura profissional do teatro, aprendendo muito acerca de aspectos menos abordados na escola da sua (eventual) futura profissão
  • o Conservatório ganha um merecido espaço de visibilidade na cidade e exercita as suas capacidades de inserção e relação com o tecido cultural da cidade
  • o Teatro Aveirense ganha público, que poderá vir pela primeira vez para um evento desta natureza e, neste contacto, (re)construir uma relação com este equipamento e com a sua programação; todas as actividades de natureza cíclica / rotineira, têm também a vantagem de criar hábitos de consumo cultural e, na minha opinião, são os alicerces de qualquer coisa a que se possa chamar uma “corrente de público”
  • o Teatro Aveirense ocupa um novo lugar na rede de estruturas locais de produção e formação ao acolher uma iniciativa desta natureza e assumir as suas responsabilidades como parceiro público e institucional, representante da cidade, nesta rede local
  • o Teatro Aveirense assegura uma maior abrangência da sua própria lógica de programação ao delegar no Conservatório a programação destes eventos
  • o público assiste a concertos de música erudita em horários confortáveis para a família e a preços simbólicos

Em suma, a cidade ganha um espaço privilegiado de partilha, através da música, daquilo que é e daquilo que pode ser. Ao ouvirmos os estudantes do Conservatório, estamos não só a usufruir de boa música, mas também (espero) a lembramo-nos, enquanto comunidade, do extraordinário poder que a Educação e a Escola têm. E, se voltamos a acreditar na Escola e, também por isso, a investir nela o que é preciso, que não são só recursos financeiros, talvez encontremos um caminho para fora da crise.

Como vêm, um Concerto Promenade é tão bom que até deixam um tipo como eu a fazer discursos optimistas. 😉

Obrigado ao Conservatório de Música de Aveiro e ao Teatro Aveirense, mesmo que saibamos que não estão a fazer mais do que cumprir a sua missão de serviço público. 😉