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jazz.pt | Não foi bonita a festa, pá!

Casa da Música, Sala Suggia
28 de Junho, 22h00

Brad Mehldau e Chico Pinheiro convidam Fleurine e Luciana Alves
Ciclo Jazz e Brasil, País Tema 2009

Brad Mehldau: piano
Chico Pinheiro: voz e guitarra
Fleurine e Luciana Alves: voz
Doug Weiss: contrabaixo
Edu Ribeiro: bateria

Este concerto, primeiro duma curta digressão nacional, estava apresentado como “Brad Mehldau e Chico Pinheiro convidam Fleurine e Luciana Alves” e prometia aos amantes do jazz e da música brasileira uma noite plena de emoções, dada a importância e o talento dos nomes principais do cartaz. A colaboração entre Brad Mehldau, um dos mais prolíficos e requisitados pianistas de jazz da sua geração e de Chico Pinheiro, figura incontornável da música brasileira de hoje, compositor e virtuoso do emblemático “violão”, justificava uma elevada expectativa em torno do concerto e a sala cheia e entusiasta confirmava isso mesmo.
E esse entusiasmo teve o retorno esperado no início do concerto, primeiro com Brad Mehldau e Chico Pinheiro em duo, sozinhos no palco a explorar um tema do músico brasileiro, assim como o segundo tema, já com Doug Weiss e Edu Ribeiro, músicos de elevada craveira e parceiros habituais de Mehldau e Pinheiro, respectivamente, a completarem a secção rítmica. As ligações íntimas e o jogo de sedução constante entre o jazz e as músicas brasileiras, com especial destaque para a bossanova, cuidadosamente equilibradas, e com músicos de tão elevado nível técnico e criativo podem dar origem a concertos formidáveis, capazes de agradar às mais diversas audiências, mas, infelizmente, não foi o caso desta noite de encontro entre Mehldau e Pinheiro. Por um lado porque o desequilíbrio entre o Jazz e a Bossanova foi evidente do princípio ao fim, nas palavras de algum público à saída “bossanova a mais e jazz a menos“, o que, apesar dos esforços de Mehldau e Weiss, limita a sua capacidade expressiva e, no geral, torna o concerto menos interessante. Por outro lado, porque um encontro mais intenso entre os talentos musicais de Mehldau e Pinheiro ficou muitíssimo limitado, quer pela estrutura das canções que foram sendo apresentadas, com poucos espaços para mais explorações, quer pela estrutura do concerto que ofereceu apenas mais um momento de duo, com o virtuoso “Tema em 3“, novamente de elevado nível, mas ainda em territórios de Pinheiro.
Mas, acima de tudo porque, na realidade, na agenda de todos estes músicos está, acima de qualquer outra coisa, a apresentação do mais recente álbum da cantora holandesa Fleurine, “San Francisco” (Sunnyside 2008), onde se juntaram Mehldau e Pinheiro pela primeira vez, de facto, e onde a parceira de Brad Mehldau, cantora de jazz de reconhecidos méritos faz uma incursão pela música brasileira, gravando temas de 3 Franciscos notáveis: Francisco Buarque de Hollanda, Francis Hime, e o próprio Chico Pinheiro. Impunha-se, por isso, uma mais rigorosa apresentação do concerto, evitando o equívoco de se pensar que se estaria perante o fruto duma colaboração directa entre Pinheiro e Mehldau. Questões de comunicação e marketing, que em nada afectariam a fruição do concerto, não fosse dar-se o caso de Fleurine, figura central do concerto, de facto, se encontrar num momento particularmente infeliz, com muitíssimas dificuldades de afinação, numa prestação sofrível e atípica para performers com estes pergaminhos e que afectou de forma indelével a totalidade do concerto.
Principalmente no duo com Brad Mehldau, único tema do pianista norte-americano tocado, para o qual Fleurine escreveu uma letra em português, “Resignation / Resignação, não para nós“, não só a desafinação e dificuldades vocais nos momentos sinuosos da melodia de Mehldau, como as dificuldades de dicção do português, transformaram todo o tema num momento quase embaraçoso.
Fleurine teve momentos menos maus, especialmente quando cantou em inglês, mas nunca esteve à altura dos seus parceiros em palco, facto que a voz segura e acolhedora de Luciana Alves terá ajudado a realçar, e o concerto, entre essas fragilidades, a escolha pouco criteriosa e algo populista do reportório e os seus arranjos minimalistas e repetitivos ficou muitíssimo abaixo das expectativas. Tom Jobim, Moacir Santos, Milton Nascimento, Baden Powell e Francis Hime e Chico Buarque “encheram” o concerto, canção atrás de canção, até aos encores, em temas escolhidos de acordo com o gosto mais genérico e sem grandes preocupações de variação da fórmula. Os temas de Chico Pinheiro terão sido os únicos a ser alvo de maior atenção, mas nem isso, nem o talento dos músicos em palco bastam para um concerto à altura da proposta.
Pode ter sido só uma noite de azar, mas não “foi bonita a festa, pá!”.

+ info: www.casadamusica.com | www.fleurine.com

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 26 da revista jazz.pt.
A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.