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jazz.pt | Vienna Art Orchestra @ Casa da Música

“Third Dream”, Vienna Art Orchestra dirigida por Mathias Rüegg

Casa da Música, Sala Suggia
9 de Junho 2010, 22h00

O concerto da Vienna Art Orchestra na Casa da Música, sob a designação geral “Third Dream” e composto exclusivamente por obras do seu fundador e director musical Mathias Rüegg, ofereceu-nos uma imagem bastante completa do projecto actual da VAO. Dividido em 2 partes, a primeira de música de câmara e a segunda com a orquestra em pleno, o concerto foi transparente na apresentação das maiores virtudes e defeitos desta orquestra em permanente renovação e que marca de forma particular o encontro entre dois mundos musicais, representados de formas desiguais. A orquestra fundada por Rüegg em 1977 passou já por inúmeras fases, marcadas pelas personalidades musicais que a integraram, por intenções programáticas claras do seu director e pela natural evolução dum projecto com mais de 3 décadas de história.

O momento actual da VAO, representado por este “Third Dream“, numa referência explícita à “Third Stream” de Gunther Schuller— que pretendia uma síntese entre o jazz e a música erudita ocidental, sem prevalência de um género sobre o outro, numa reacção crítica aos projectos jazzísticos “with strings” ou inspirados nas práticas de Gershwin, assim como às integrações de elementos jazzísticos avulsos em peças eruditas experimentadas por Ravel ou Stravinsky, por exemplo— afirma-se num território marcado pelo encontro do jazz com a música erudita ocidental, mas também com as músicas do mundo, num exercício que, não sendo original, é, neste caso, protagonizado por um dos seus mais sólidos e reconhecidos praticantes. E uma das “fórmulas” desta síntese entre mundos musicais diversos, ainda que vizinhos, é o exercício de racionalização e quase dissecção do fenómeno musical, que a própria composição da orquestra permite. O formato de recital de música de câmara usado na primeira parte é, de alguma forma, a infeliz prova disso mesmo: as pequenas peças de Rüegg escritas para duos e trios, são formalmente similares aos estudos e pequenas peças para solista e piano ou pequeno ensemble, típicas de recital académico ou “soirée” musical, interpretadas brilhantemente pelos jovens e competentíssimos músicos de orquestra que compõem uma parte significativa das suas secções. É verdade que a escrita de Rüegg incorpora motivos melódicos ou rítmicos de tipo jazzístico e até algumas das suas progressões harmónicas, mas o rigor da interpretação desta música escrita soa asséptico e austero, por mais virtuosos que sejam os seus intérpretes. Os cerca de 25 minutos que a interpretação das 5 peças (ou deveria chamar-lhes exercícios?) que constituíam a primeira parte do espectáculo e onde ouvimos jovens músicos académicos, talentosos, mas sem espaço para demonstração da eventual criatividade, foram por isso muito longos e abalaram as expectativas face à performance da orquestra.

Porém, face à aridez dessa primeira parte, o concerto da orquestra foi de grande nível. Se uma parte dos músicos da actual VAO são, de facto, “músicos de orquestra”— intérpretes altamente qualificados mas não necessariamente criativos— encontra-se entre os seus solistas a criatividade e energia necessárias para dar corpo ao tal projecto de síntese do jazz com as músicas eruditas e com as músicas do mundo, ainda que sem escaparem ao cliché quase holywwodesco— um clarinete “klezmérico”, um fabuloso solo de “hang” (um instrumento de percussão de origem suíça, muito recente, com um timbre intencionalmente próximo das percussões asiáticas, mas com afinação ocidental).
Harry Sokal (um dos únicos veteranos da VAO) e Joris Roelofs, nos saxofones, Juraj Bartos, na trompete, Thomas Fischer, na trompa, Thomas Frey, na flauta e Ingrid Oberkanins e Flip Phillip na percussão, todos assinaram momentos dignos de registo, com particular destaque para Sokal, principal solista da Orquestra e Ingrid Oberkanins pelo domínio do “hang”, entre vários momentos altos desdobrados em quase todas as percussões disponíveis.
A escrita de Rüegg para esta segunda parte, assumiu a forma de suite, com os vários andamentos a criarem um fluxo mais ou menos coerente e a assentarem na exploração das diferentes cores orquestrais do ensemble, com espaços amplos para os solistas que, dependendo do seu estatuto tinham maior ou menor grau de liberdade no solo. Objectivamente, o resultado final é uma síntese de vários mundos musicais, conseguida através da selecção criteriosa dos parâmetros que permitem a sua identificação aos ouvidos do público e que se podem encaixar, sem colidir, numa forma agradável, mas relativamente previsível.
Em geral, sem pensarmos na primeira parte, o concerto teve momentos bastante eficazes, a partir da escrita inteligente de Rüegg, à qual a orquestra responde com precisão e sobre o qual os solistas mais criativos conseguiram criar momentos de expressão mais enérgicos e, porventura, genuínos. A fórmula geral, no entanto, faz já parte do nosso quotidiano em músicas de grande consumo especialmente para o cinema e para a televisão, demonstrando simultaneamente a sua eficácia e a sua eventual perda de pertinência.

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 32 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | Peter Brötzmann Chicago Tentet @ Casa da Música

Peter Brötzmann Chicago Tentet
Casa da Música, Sala Suggia
20 de Maio 2010, 22h00

Sobre este Chicago Tentet de Peter Brötzmann já se disse e escreveu praticamente tudo, incluindo que é um dos melhores grandes ensembles de improvisação livre da actualidade e um dos mais interessantes projectos liderados pelo saxofonista alemão e, em Portugal, tivemos já o privilégio de ver e ouvir este ensemble de excepção no Jazz em Agosto de 2008, pelo que as expectativas face à sua presença na Casa da Música eram, compreensivelmente elevadas, mesmo que não tenham chegado para encher a Sala Suggia. Tal facto não pareceu perturbar a impressionante “força de intervenção” que o Peter Brötzmann Chicago Tentet é e o concerto desenrolou-se num nível transcendente, com a estratégia de liberdade e urgência que guia o colectivo a garantir uma espécie de ondulação natural entre alguma clareza lírica duma afirmação solista ou dum duo e o sempre esmagador clímax colectivo, calmamente separados por uma gestão gradual e natural das energias, sinergias e cumplicidades dos 11 músicos nas suas diversas combinações, em arranjos estruturais que parecem demasiado bons e eficazes para não serem intencionais e previamente negociados, mas, pelas mesmas razões, aparentemente impossíveis de gerar de outra forma que não através da confiança absoluta na energia musical.
E essa energia musical primária, assim como a confiança que estes músicos parecem nela depositar (mais até do que uns nos outros), é o que verdadeiramente transforma os concertos deste ensemble numa experiência impressionante: há qualquer coisa de ritual, natural e orgânico na forma como, da urgência de uma afirmação individual (cada um destes músicos parece capaz de soltar um grito musical quase espiritual, aceitando talvez em Albert Ayler, via Brötzmann ou directamente, uma certa figura tutelar), se constrói um corpo colectivo que acolhe e amplifica esse “grito” ou “lamento”, incorporando mais e mais “vozes” até ao paroxismo onde, extraordinariamente e apesar da enorme energia empregue por todos os músicos, se consegue, a espaços e por sobre a massa sonora global, compreender apelos individuais, seja pela sobre-energia— a que Brötzmann, Gustafsson e Bishop conseguem recorrer de forma fisicamente espantosa—, seja pela acuidade rítmica ou tímbrica, seja pela oportunidade ou carga emocional das intervenções. E o colectivo, aparentemente grande demais ou poderoso demais, identifica e assinala esses momentos como pontos de apoio da progressão dinâmica, ora abrindo espaços, ora mudando a direcção do seu crescimento, num processo tão natural como espantoso.
E ao longo do concerto as vagas sucedem-se, mas só os mais distraídos ou mal-intencionados confundem o carácter cíclico do envelope dinâmico com uma repetição aborrecida ou obsessiva: a cada abertura ou recuo, o material que se apresenta, afirmado de novo ou descoberto no meio da massa sonora, é fresco e, frequentemente inesperado, tão lírico como fértil. Os espaços permitem-nos descobrir as riquíssimas personalidades individuais, mas também as cumplicidades que estabelecem com o líder do agrupamento e com alguns dos seus cúmplices instrumentais, permitindo compreender de forma mais profunda a própria constituição do ensemble.
E o próprio movimento dos músicos no palco, assim como a estratégia de amplificação que privilegia o colectivo, criando zonas de “foco” para onde alguns dos solistas se dirigem, em momentos de maior urgência, como aconteceu com Ken Vandermark no clarinete e Joe McPhee no trompete, contribui para a afirmação duma experiência quase ritual e marcadamente interior, genuinamente ligada às raízes colectivas, populares e espirituais do jazz.
Talvez seja isso que transforma a experiência do concerto em algo de vagamente hipnótico e profundamente perturbador, mas esse efeito subjectivo e pessoal depende exclusivamente do extraordinário talento, energia, criatividade e generosidade dos 11 músicos em palco, unidos nessa espécie de “fé na música” ou na sua energia, que os conduz na improvisação e os mantém ligados, enquanto manifestam a sua presença individual.

Peter Brötzmann Chicago Tentet

  • Peter Brötzmann saxofones, clarinete
  • Mats Gustafsson saxofone
  • Ken Vandermark saxofones, clarinete
  • Joe McPhee trompete
  • Johannes Bauer trombone
  • Jeb Bishop trombone
  • Per-Âke Holmlander tuba
  • Fred Lonberg-Holm violoncelo
  • Kent Kessler contrabaixo
  • Paal Nilssen-Love bateria
  • Michael Zerang bateria
Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 31 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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Para memória futura

O clímax da Operação Stop aconteceu no Clubbing, na Casa da Música, com a actuação da STOPESTRA!., dirigida por Tim Steiner.

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=e9Y2712xliA[/youtube]

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=KNXfDcCDFpM[/youtube]

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=htjNzH-QZJU[/youtube]

Só vendo e ouvindo é que se pode acreditar. Mas mesmo assim, é difícil compreender a real dimensão do que se conseguiu com esta operação. A ver vamos o que o futuro reserva a esta extraordinária comunidade de músicos.

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Férias marcadas

Na próxima segunda-feira, dia 20, parto de férias em família. Férias bem merecidas e necessárias num sítio que não nos podia ter recebido melhor: “precisamos de vos avisar que, uma vez que só temos energia por recurso a painéis solares, há algumas restrições na utilização de aparelhos eléctricos”.

Para gente como nós, isto sim, são férias.

Depois, poderei partilhar convosco o destino e algumas impressões pertinentes. Mas também pode acontecer que o sítio seja um daqueles bom demais para partilhar. Se assim for, azar. Quem precisar mesmo, mesmo muito e me conheça suficientemente bem, sabe sempre o que tem a fazer para aceder a esta informação.

Mesmo no fim destas férias, no dia 25, encontro-me com o Henrique, o Gustavo e o Luís em Lisboa, para um concerto de Lost Gorbachevs na ZDB, em Lisboa. Para voltar ao mundo real com um “estrondo”. 😉 E volto ao Porto para as comemorações do Dia Mundial da Música (1) (2) que, este ano, envolvem a Casa da Música e esse mega centro de produção musical portuense que é o Centro Comercial Stop.

Mas sobre isso e outros projectos próximos, ainda vou dizer mais qualquer coisa.

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jazz.pt | João Paulo Esteves da Silva & Dennis González

João Paulo Esteves da Silva & Dennis González

Casa da Música, Sala 2 | 16 de Janeiro

Depois da muito bem sucedida edição de “ScapeGrace” (CleanFeed, 2009)— considerado pela jazz.pt o melhor disco nacional do ano— João Paulo Esteves da Silva e Dennis González apresentaram-se na Sala 2 da Casa da Música para um concerto que, para ser fiel ao disco, teria que reflectir a situação/estratégia de improvisação usada que, como João Paulo referiu em jeito de apresentação, haverá gente que não acredite (porque é de fé que se trata) e outros considerarão despudorada.
Mas, acredite-se ou não, é através da improvisação, sem ensaios nem temas escritos, que se constrói o disco e os concertos desta dupla, que até à proposta da editora lisboeta nem sequer se conheciam ou ao trabalho respectivo.
Sem ensaios, nem temas escritos, mas não sem referências: a ampla bagagem musical de cada um dos músicos e a partilha que originou “ScapeGrace” permitem aos músicos e aos ouvintes ancorar esta experiência musical em motivos melódicos e rítmicos que cruzam, no território do jazz contemporâneo, as fortes referências às músicas populares tradicionais que dão corpo a uma parte significativa dos percursos individuais de João Paulo (o pianista que mantém um projecto de exploração da herança da música sefardita em Portugal e que colaborou com Fausto, Vitorino, José Mário Branco, Sérgio Godinho, entre tantos outros) e Dennis González, cuja procura constante de derrubar barreiras passa por integrar no seu discurso linguagens enraizadas nos locais que percorre.
Assim, apesar da estratégia de improvisação e da construção de música completamente nova, ouviram-se na Casa da Música vários dos motivos presentes em “ScapeGrace” e outros motivos familiares, introduzidos ora por João Paulo, ora por Dennis González, que se sucederam no lançamento de introduções a solo para a posterior exploração do duo.
Nesse contexto, a facilidade com que João Paulo acompanha, complementa, cita e desenvolve qualquer motivo, por mais simples que seja, associada a uma eventual retracção por parte de Dennis González, concedeu ao piano um protagonismo desproporcionado, com cadências a solo em cada um dos 7 temas. Era, de resto, aparente a dificuldade do trompetista em acompanhar as rápidas inflexões harmónicas do piano que, muitíssimo inspirado, rápido e eventualmente mais complexo (ou pelo menos mais denso) do que em encontros anteriores, limitava a margem de manobra em termos de fraseado e improvisação, impondo um discurso harmonicamente mais direccionado e fechado. Energia ou “inspiração” a mais de João Paulo que, por vezes, parecia desligar-se da situação de duo, com a anuência do trompetista texano, para regressar, depois de belíssimas (mas por vezes demasiado longas) explorações, onde as raízes populares da lírica de base do duo passava por metamorfoses sucessivas, com recurso a diversas referências e linguagens, desde os nacionalismos nas músicas clássicas eruditas nos séculos XIX e XX, ao jazz técnica e mentalmente exigente de Keith Jarrett ou aos mais próximos Laginha e Sassetti.
Dennis González, por seu turno, parecia dosear cuidadosamente as suas intervenções, estabelecendo motivos simples, pontuando momentos fundamentais e alimentando os processos de João Paulo. Em sentido contrário, apenas ocasionalmente se tornava possível ao trompetista identificar e explorar temas sugeridos pelo piano, mais fechados e enquadrados em contextos harmónicos menos previsíveis. Nesse sentido podemos falar dum duo e duma improvisação “dirigida”, com momentos verdadeiramente fulgurantes, mas com um certo desequilíbrio entre as personalidades musicais em presença.

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 29 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | Louis Sclavis e Evan Parker, uma noite de contrastes

12 de Setembro de 2009, 22h00
Casa da Música, Sala Suggia

Duplo Concerto:
Evan Parker Quartet + Louis Sclavis Trio

O dia 12 de Setembro de 2009 fica marcado na Casa da Música, no Porto, com um duplo concerto de peso: no primeiro concerto apresentou-se Louis Sclavis— um dos nomes fundamentais da improvisação europeia e um dos responsáveis pela boa reputação que goza o clarinete, particularmente o baixo, na improvisação e no jazz contemporâneos— em trio com o pianista Craig Taborn e o baterista Tom Rainey, numa colaboração não muito habitual do clarinetista francês com músicos norte-americanos; no segundo concerto, ao trio do incontornável Evan Parker— o saxofonista britânico assegurou já um lugar no panteão dos grandes improvisadores e é uma referência respeitada em todos os quadrantes da música criativa—, com o contrabaixista Barry Guy e o baterista Paul Lytton, juntou-se, para completar um quarteto uma das mais promissoras estrelas da improvisação— com provas dadas recentemente no Jazz em Agosto—, o trompetista Peter Evans.

Uma noite de contrastes, de propostas arriscadas e intensas e improvisação ao mais alto nível.

Louis Sclavis Trio

  • Louis Sclavis sax soprano, clarinete baixo
  • Craig Taborn piano, teclados
  • Tom Rainey bateria

Louis Sclavis, no seu encontro com o pianista Craig Taborn— um improvisador completo, congregando uma sólida formação clássica com incursões em vários domínios da música não erudita, mas com uma intensa carreira de jazzman— e com o baterista Tom Rainey— colaborador regular de alguns dos mais importantes músicos da cena jazzística nova-iorquina— coloca-se, mais uma vez, num território diferente, com ampla margem de manobra pelos meandros do jazz e das músicas não-eruditas, sem a partilha de algumas das referências de raiz marcadamente europeia que explora em alguns dos seus projectos, mas com amplo espaço para caminhos diferentes, dada a competência técnica e criatividade dos seus novos parceiros norte-americanos. E o concerto desenvolveu-se, assim mesmo, resultando claramente do encontro das culturas musicais de Sclavis, Taborn e Rainey, navegando entre referências mais puramente jazzísticas até universos menos “idiomáticos”, passando até por momentos mais “ligeiros”.
Quer com o clarinete baixo, quer com o sax soprano, Sclavis deu conta da sua veia aparentemente inesgotável e a quantidade e diversidade dos temas apresentados permitiu a exploração aprofundada de diversos universos musicais, de forma relativamente estanque. Ouvimos temas de forma mais livre, com recurso a técnicas instrumentais expandidas, sem pulsação definida e com grande exploração de timbres e partilha de sonoridades, ouvimos cadências eruditas virtuosas, quer por Taborn, quer por Sclavis, ouvimos o que poderiam ser excertos duma banda sonora dum “film noir”, jazz europeu “embriagado”, ouvimos explosões massiças de energia, assumidas imitações de swing, beats quase electrónicos, melodias nostálgicas e espirituais… um concerto com 7 temas que se desdobrou em inúmeras possibilidades, envolvendo as personalidades musicais dos 3 intervenientes, claramente guiado por uma urgência de ser coerente a cada momento, mas garantindo a diversidade dos diferentes momentos, que parece ser um dos impulsos de Sclavis.
Craig Taborn empenhou-se na construção deste mosaico com afinco e gosto, explorando muitas das possibilidades instrumentais do piano e demonstrando enorme versatilidade na improvisação e grande rigor na interpretação dos temas, muitas vezes tecnicamente exigentes e estruturalmente complexos. Tom Rainey, igualmente à vontade e muitíssimo seguro, demonstrou o potencial expressivo da bateria, mesmo em universos de grande fragilidade.
E esta forma de expressão “estilhaçada” ofereceu ao público da Casa da Música uma curiosa amostra de diversas possibilidades de “construção musical” que, sendo criativas e dando grande espaço e ênfase à prática da improvisação e à experimentação, não receiam referências idiomáticas, que se conjugam quase em forma de narrativa. Esta que parece ser uma intenção recorrente de Sclavis- que além do virtuosismo técnico, tem a necessária criatividade e versatilidade-, realiza-se de forma notável quando os músicos que com ele partilham o palco se apresentam também a elevado nível técnico e criativo e munidos da versatilidade e da generosidade necessária para essa construção colectiva angulosa. Assim foi com Craig Taborn e Tom Rainey: o trio encontrou a sua narrativa e apresentou-a com clareza, pormenor e entusiasmo.

Evan Parker Quartet

  • Evan Parker sax tenor
  • Peter Evans trompete
  • Barry Guy contrabaixo
  • Paul Lytton bateria

O segundo concerto da noite apresentou a junção do trompetista “revelação” Peter Evans, ao trio de Evan Parker, uma das mais significativas formações do free jazz europeu. Um concerto que se repetiu em Lisboa e que antecedeu a gravação dum novo álbum pela portuguesa Clean Feed, álbum que, a fazer justiça ao concerto, se arriscará seriamente a conquistar todos os galardões possíveis.
Com explorações de forma muito livre e marcadas claramente pelo espírito de Evan Parker de procurar a disponibilidade para ouvir constantemente os motivos para tocar na “voz” dos seus companheiros, o trio recebe o jovem trompetista Peter Evans com enorme disponibilidade e generosidade, partilhando um entusiasmo genuíno pelas suas raras capacidades expressivas. A Peter Evans parece, a espaços, faltar a maturidade ou controlo e, recorre ao seu enorme léxico para “comentar” permanentemente a actividade do colectivo, não conseguindo a eficácia que a contenção de Evan Parker lhe permite, ao gerir as suas intervenções com mais clareza e espaço. Mas a verdade é que o virtuosismo de Peter Evans é quase hipnótico, pelo que não se poderá saber que efeito teria alguma contenção da sua parte.
Ao contrário do primeiro concerto, de Louis Sclavis, com Evan Parker não existe uma narrativa ou uma estrutura pré-determinada, sentindo-se mais um fluxo de energia musical que vai sendo gerado e gerido pelos 4 músicos, num jogo cuidadoso de partilha, afastado de referências idiomáticas e focado essencialmente nas capacidades expressivas dos instrumentos e da sua conjugação.

Mas, como forma de provar que não existe nenhuma barreira entre projectos musicais desta natureza, no final do concerto, Evan Parker, convidou Louis Sclavis, Craig Taborn e Tom Rainey para que, em septeto, pudessem oferecer mais alguma música ao público da Sala Suggia, tendo esse final de noite marcado um ponto muito alto na história da Casa da Música. Improvisação pura, inesperada até— Louis Sclavis entrou em palco já depois do início do tema, ainda a montar o clarinete e Tom Rainey foi colocando os pratos na bateria enquanto tocava—, onde todos geriram o seu espaço em função dum colectivo mais complexo, mais intrigante, com a partilha inesperada de materiais tímbricos, rítmicos e melódicos entre músicos dos 2 agrupamentos e uma alargada exploração do potencial hiper-instrumental, para usar a expressão de Denman Maroney, com Sclavis a responder aos aparentemente inatingíveis agudos de Peter Evans com subgraves do tubo do clarinete-baixo sem boquilha e Craig Taborn a percutir as cordas do piano, em resposta às cordas travadas com ferros no contrabaixo de Barry Guy, aparentemente, sempre de forma controlada e partilhada.

Uma festa bonita.

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 27 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | OJM & 3 Tenores

OJM & 3 Tenores
4 de Outubro 2009, 22h00
Sala Suggia, Casa da Música

Direcção: Carlos Azevedo e Pedro Guedes
Solistas convidados: Chris Cheek, Mark Turner e Andy Sheppard

A Orquestra de Jazz de Matosinhos apresentou na Sala Suggia da Casa da Música o evento que, no final de 2008, marcou a reabertura do Cine-Teatro Constantino Nery, em Matosinhos: um concerto para o qual a OJM encomendou novas obras a Ohad Talmor e John Hollenbeck (ambos com presenças marcantes no percurso da Orquestra) e aos seus maestros e compositores de serviço, Pedro Guedes e Carlos Azevedo. 4 novas obras para a OJM explorar, convidando 3 saxofones tenor como solistas.
Em Matosinhos, em 2008, os solistas foram Chris Cheek, Ohad Talmor e Joshua Redman e nesta reapresentação do projecto OJM & 3 Tenores, na Casa da Música, apresentaram-se Chris Cheek, Mark Turner e Andy Sheppard (os dois primeiros já com colaborações com a OJM, Sheppard em estreia).

As 4 obras resultantes da encomenda, pela diversidade de abordagens, pelo enquadramento oferecido ao trio de solistas, pelo papel e exigências atribuídas à própria OJM, funcionam quase como uma vista panorâmica da evolução do projecto da Orquestra, com a particularidade de, neste evento, praticamente se abolirem expressões solísticas dos membros da OJM, explorando-se, isso sim, as capacidades expressivas do grupo, que demonstrou, neste contexto, uma enorme diversidade tímbrica, grande flexibilidade idiomática, rigor na execução e inteligência na interpretação. Com a eventual excepção da obra de Pedro Guedes, mais curta e convencional na forma, com espaço para uma apresentação clara do tema e uma abordagem clássica dos solos, as obras apresentadas desenvolvem-se em secções, enquadrando os solistas em contextos diversificados e explorando diferentes ambientes musicais, com opções na instrumentação que permitem que a OJM percorra um largo espectro, entre a big band clássica e a orquestra de câmara (especialmente quando os saxofonistas, pegam em flautas e clarinetes e os metais se equipam com surdinas), passando pelos pequenos grupos que ocorrem quando apenas a secção rítmica acompanha os solistas. A escrita de Ohad Talmor e John Hollenbeck, particularmente, com que a OJM já se tinha deparado em projectos específicos, parece desmultiplicar as possibilidades musicais da orquestra, que se apresenta com enorme maturidade e convicção, com verdadeira dimensão de Orquestra de Jazz.

E é interessante notar que o papel dos solistas, neste contexto, sendo desempenhado com elevado rigor pelo excelentes intérpretes e improvisadores que são Cheek, Turner e Sheppard, parece ser menos relevante do que o funcionamento global da orquestra face às encomendas feitas aos compositores. A música apresentada, sendo muitíssimo enriquecida pelos solistas, quer na interpretação dos temas escritos, quer no desenvolvimento dos solos improvisados, é construída como música de orquestra, pelo que a performance específica de cada um dos convidados parece ser um assunto secundário.

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 27 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | Não foi bonita a festa, pá!

Casa da Música, Sala Suggia
28 de Junho, 22h00

Brad Mehldau e Chico Pinheiro convidam Fleurine e Luciana Alves
Ciclo Jazz e Brasil, País Tema 2009

Brad Mehldau: piano
Chico Pinheiro: voz e guitarra
Fleurine e Luciana Alves: voz
Doug Weiss: contrabaixo
Edu Ribeiro: bateria

Este concerto, primeiro duma curta digressão nacional, estava apresentado como “Brad Mehldau e Chico Pinheiro convidam Fleurine e Luciana Alves” e prometia aos amantes do jazz e da música brasileira uma noite plena de emoções, dada a importância e o talento dos nomes principais do cartaz. A colaboração entre Brad Mehldau, um dos mais prolíficos e requisitados pianistas de jazz da sua geração e de Chico Pinheiro, figura incontornável da música brasileira de hoje, compositor e virtuoso do emblemático “violão”, justificava uma elevada expectativa em torno do concerto e a sala cheia e entusiasta confirmava isso mesmo.
E esse entusiasmo teve o retorno esperado no início do concerto, primeiro com Brad Mehldau e Chico Pinheiro em duo, sozinhos no palco a explorar um tema do músico brasileiro, assim como o segundo tema, já com Doug Weiss e Edu Ribeiro, músicos de elevada craveira e parceiros habituais de Mehldau e Pinheiro, respectivamente, a completarem a secção rítmica. As ligações íntimas e o jogo de sedução constante entre o jazz e as músicas brasileiras, com especial destaque para a bossanova, cuidadosamente equilibradas, e com músicos de tão elevado nível técnico e criativo podem dar origem a concertos formidáveis, capazes de agradar às mais diversas audiências, mas, infelizmente, não foi o caso desta noite de encontro entre Mehldau e Pinheiro. Por um lado porque o desequilíbrio entre o Jazz e a Bossanova foi evidente do princípio ao fim, nas palavras de algum público à saída “bossanova a mais e jazz a menos“, o que, apesar dos esforços de Mehldau e Weiss, limita a sua capacidade expressiva e, no geral, torna o concerto menos interessante. Por outro lado, porque um encontro mais intenso entre os talentos musicais de Mehldau e Pinheiro ficou muitíssimo limitado, quer pela estrutura das canções que foram sendo apresentadas, com poucos espaços para mais explorações, quer pela estrutura do concerto que ofereceu apenas mais um momento de duo, com o virtuoso “Tema em 3“, novamente de elevado nível, mas ainda em territórios de Pinheiro.
Mas, acima de tudo porque, na realidade, na agenda de todos estes músicos está, acima de qualquer outra coisa, a apresentação do mais recente álbum da cantora holandesa Fleurine, “San Francisco” (Sunnyside 2008), onde se juntaram Mehldau e Pinheiro pela primeira vez, de facto, e onde a parceira de Brad Mehldau, cantora de jazz de reconhecidos méritos faz uma incursão pela música brasileira, gravando temas de 3 Franciscos notáveis: Francisco Buarque de Hollanda, Francis Hime, e o próprio Chico Pinheiro. Impunha-se, por isso, uma mais rigorosa apresentação do concerto, evitando o equívoco de se pensar que se estaria perante o fruto duma colaboração directa entre Pinheiro e Mehldau. Questões de comunicação e marketing, que em nada afectariam a fruição do concerto, não fosse dar-se o caso de Fleurine, figura central do concerto, de facto, se encontrar num momento particularmente infeliz, com muitíssimas dificuldades de afinação, numa prestação sofrível e atípica para performers com estes pergaminhos e que afectou de forma indelével a totalidade do concerto.
Principalmente no duo com Brad Mehldau, único tema do pianista norte-americano tocado, para o qual Fleurine escreveu uma letra em português, “Resignation / Resignação, não para nós“, não só a desafinação e dificuldades vocais nos momentos sinuosos da melodia de Mehldau, como as dificuldades de dicção do português, transformaram todo o tema num momento quase embaraçoso.
Fleurine teve momentos menos maus, especialmente quando cantou em inglês, mas nunca esteve à altura dos seus parceiros em palco, facto que a voz segura e acolhedora de Luciana Alves terá ajudado a realçar, e o concerto, entre essas fragilidades, a escolha pouco criteriosa e algo populista do reportório e os seus arranjos minimalistas e repetitivos ficou muitíssimo abaixo das expectativas. Tom Jobim, Moacir Santos, Milton Nascimento, Baden Powell e Francis Hime e Chico Buarque “encheram” o concerto, canção atrás de canção, até aos encores, em temas escolhidos de acordo com o gosto mais genérico e sem grandes preocupações de variação da fórmula. Os temas de Chico Pinheiro terão sido os únicos a ser alvo de maior atenção, mas nem isso, nem o talento dos músicos em palco bastam para um concerto à altura da proposta.
Pode ter sido só uma noite de azar, mas não “foi bonita a festa, pá!”.

+ info: www.casadamusica.com | www.fleurine.com

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 26 da revista jazz.pt.
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Space Ensemble apresenta ALGORÍTMICO

Space Ensemble @ Casa da Música | Sala de Ensaio 1
27 a 30 de Outubro 2009 | 11h00 e 14h30
(sessões reservadas a escolas)
31 de Outubro 2009 | 11h00 e 16h00

ALGORÍTMICO – Música e Matemática
um novo programa do Space Ensemble

[…] Nenhum matemático devia alguma vez esquecer que a matemática, mais do que qualquer outra arte ou ciência, é um jogo juvenil.
G. H. Hardy (1877-1947)

O Space Ensemble encara o desafio de construir um programa de filmes-concerto relacionando Música e Matemática com naturalidade e entusiasmo. Frequentemente referidas como linguagens universais, a relação entre Música e Matemática parece ser uma fonte inesgotável de descoberta e inspiração e o Space Ensemble escolhe uma perspectiva bastante particular:

  • a Música, nosso território “nativo”, é uma linguagem universal por ser, com o movimento, condição prévia de comunicação, socialização e, assim, humanidade— une todos os seres humanos no que há de mais elementar e instintivo;
  • a Matemática, base do conhecimento, como ciência e aprendizagem, é também universal, por operar como uma poderosa ferramenta de modelação e manipulação da realidade (esta e todas as outras) e, assim, se constituir também como mecanismo de tradução e conversão entre virtualmente todos os domínios humanos— congrega e articula todas as formas de conhecimento e criação.

Assim, mais do que relacionar Música e Matemática, procuramos usar a universalidade da expressão musical como forma de ilustrar a extraordinária potência da ciência matemática na construção de relações: construímos música a partir de números, em jogos com o público ou com filmes, musicamos as composições geométricas animadas de Norman McClaren e René Jodoin e invertemos o processo, criando novas animações, que traduzem, em tempo real, a música produzida.

AlgoRítmico é um jogo juvenil, como a própria Matemática, segundo Hardy. Um jogo de sons e imagens, com regras matemáticas, como o mundo.

História de Palavras

Algoritmo e Algarismo têm a mesma origem etimológica: al-Khuwarizmi era um matemático árabe do séc. IX e não é comum que palavras tão importantes e de uso científico tenham origem no nome duma pessoa.

Na origem da palavra algoritmo também participa o grego para número: arithmós (donde vem a Aritmética).

Arithmós é número, em grego, e significa número e quantidade e Rhuthmós é ritmo, em grego, e significa medida, cadência e ritmo.
Portanto, o rhuthmós, a medida, pode ser representada por arithmós, quantidades. Giro, não é?

Daqui, temos a Aritmética, o Algarismo, o Algoritmo, o Ritmo e…

Matemática vem também do grego mathematikê ou mathêmatikós, que junta máthêma ou mathêmatos (estudo, ciência, conhecimento), que vem de manthánô (estudar, aprender), com -ica, um sufixo grego especialmente usado no domínio das artes, ciências, técnicas, doutrinas e afins, fazendo da Matemática a ciência fundamental, por se construir com base etimológica na própria ideia da aprendizagem e construção do conhecimento.

Se pensarmos que a Música (mosoikê) é, etimologicamente, também, a Arte das Musas, ou seja a Arte das Artes… temos uma espécie de “ciclo virtuoso“, em vez de “ciclo vicioso“.

Isto tudo dá o quê? Dá AlgoRítmico.

Space Ensemble: Sérgio Bastos (piano), Henrique Fernandes (contrabaixo), João Tiago Fernandes (percussão), Nuno Ferros (electrónicas), João Martins (saxofones), Eleonor Picas (harpa).

Programação Pure Data [pd~]: João Martins
Ilustrações: João Tiago Fernandes

Filmes de René Jodoin e Norman McClaren cedidos pelo National Film Board (Canadá).
Produção do Serviço Educativo da Casa da Música.

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jazz.pt | William Parker: The Inside Songs of Curtis Mayfield

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 25 da revista jazz.pt.
A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.

26 de Abril de 2009, 22h00 | Casa da Música, Sala Suggia
Ciclo Música e Revolução

William Parker: The Inside Songs of Curtis Mayfield

  • Amiri Baraka, spoken word
  • Leena Conquest, voz e dança
  • Lewis Barnes, trompete
  • Darryl Foster, saxofones
  • Sabir Mateen, saxofones
  • Dave Burrell, piano
  • William Parker, contrabaixo
  • Hamid Drake, bateria

O Ciclo Música e Revolução, que a Casa da Música promove pelo 3º ano consecutivo, procura abordar de forma complementar a influência que as revoluções sociais, políticas e económicas tiveram na produção musical ao longo dos tempos, as práticas musicais associadas a esses momentos de ruptura histórica e as práticas musicas revolucionárias “per se”. As implicações programáticas são complexas e as escolhas necessariamente difíceis, sendo por isso necessário, como os próprios programadores reconhecem, acrescentar, a cada edição, alguns sub-temas ou vectores de entendimento destas relações. Em 2009, enquanto se focou parte da programação nas práticas musicais revolucionárias de Karlheinz Stockhausen, elegeram-se também as lutas do Movimento dos Direitos Civis, nos Estados Unidos da Améria, como forma paralela de enquadramento conceptual, o que resultou num conjunto de concertos, do qual faz parte esta proposta de William Parker, mas também as presenças de The Last Poets e a apresentação da “Sinfonia para Oito Vozes e Orquestra” de Luciano Berio ou de “Coming Together” de Frederic Anthony Rzewski. A contaminação do discurso musical pelo discurso político, ou a própria afirmação do discurso musical como discurso politico, apresenta-se assim em diversas formas durante o ciclo e cruza todo o espectro de músicas e formas estéticas que habitam a Casa da Música. Trata-se dum programa ambicioso e merecedor da máxima atenção.