Pode um céptico fazer o trabalho dum cínico?
Poder, pode. Mas não é a mesma coisa.
Ao longo do tempo tenho desempenhado funções de cínico semi-profissional em vários projectos em que estou envolvido ou como consultor de projectos de outros. É um trabalho difícil, mas alguém tem que o fazer.
Infelizmente, graças a muitos discursos bacocos de incentivo empreendedorismo e a uma parte substancial das “literaturas motivacionais” e outras pessegadas do género, o papel dos cínicos no desenvolvimento dos projectos tem sido denegrido e/ou sub-valorizado. O cínico é descrito como um obstáculo, é muitas vezes confundido com um pessimista ou reaccionário e, nos piores casos, procura-se passar a ideia de que “convencer um cínico” pode ser um teste à capacidade do projecto. Não creio que seja nenhuma dessas a função do cínico e não é assim que me vejo.
O cínico necessário em todos os projectos é alguém que, de forma lúcida e com argumentos relevantes, destaca as fragilidades do projecto, aponta as incongruências, alerta para os vícios de raciocínio, para as falhas de planeamento e até para o perigo dos “saltos de fé”. É o tipo que pergunta que competências é que estão disponíveis para fazer isto ou aquilo, quando o projecto assume uma abordagem multidisciplinar ou transversal, mas ainda se encontra nas mãos dum técnico específico. É quem diz “isto é um disparate!” e depois tenta explicar porque é que acha isso. É quem duvida das primeiras opiniões e dos entusiasmos iniciais. É quem não deixa esquecer nem a Lei de Murphy, nem o Princípio de Peter.
É um tipo chato e o objectivo da sua introdução numa equipa ou da sua consulta periódica não deve ser tentar convencê-lo (o cínico mesmo bom nunca será convencido), mas sim testar a resistência de quem dirige o projecto e dos vários colaboradores às objecções.
O trabalho do bom cínico tem 2 resultados possíveis:
Por isso, se está a desenvolver um projecto e reparar que à sua volta toda a gente parece entusiasmada, procure e consulte um cínico. Em Portugal somos muitos e o segredo da nossa eficácia está na forma como lidam connosco. 😉