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jazz.pt | Para todos os gostos (4 lançamentos Clean Feed)

Nestes quatro novos lançamento da Clean Feed, temos a oportunidade de encontrar uma grande diversidade de projectos onde saxofonistas assumem lugares de destaque, seja na qualidade de solistas únicos, como no projecto Lawnmower do baterista Luther Gray, seja em duos e trios de solistas, como no Chris Lightcap’s Bigmouth. E entre eles temos também oportunidade de verificar a condição de alguns saxofonistas-compositores e band leaders, seja no mais convencional Keefe Jackson Quartet, ou no encontro relativamente único de Steve Lehman e Rudresh Mahanthappa, registado no BragaJazz 2009.
No total, estes 4 lançamentos dão-nos uma visão abrangente, tão variada nas opções estéticas como na sua qualidade final, de vários caminhos do jazz onde o saxofone, instrumento quase ícone ou fetiche do mundo jazzístico, marca o seu território. E detectamos a sua presença em experiências que circulam desde a síntese infelizmente pouco conseguido da improvisação livre com o mundo pós-punk e indie-folk de Luther Gray, até ao excepcional encontro de dois dos mais criativos compositores e intérpretes do saxofone alto do nosso tempo, em Dual Identity, passando pelo jazz mais convencional de Keefe Jackson e pelo “groove” do Chris Lightcap’s Bigmouth.
Vários caminhos, para quase todos os gostos.

Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 31 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | RUDRESH MAHANTHAPPA & STEVE LEHMAN, “DUAL IDENTITY”

Dual Identity, Steve Lehman & Rudresh Mahanthappa
RUDRESH MAHANTHAPPA & STEVE LEHMAN, “DUAL IDENTITY”

CLASSIFICAÇÃO: 4/5

O encontro de Steve Lehman e Rudresh Mahanthappa no BragaJazz de 2009, agora editado pela Clean Feed, assinala simultaneamente o encontro de dois instrumentistas e improvisadores fora de série num instrumento onde claramente não faltam referências e o encontro de dois compositores com personalidades próprias que conseguem aqui realizar algo que é mais do que a soma dos seus talentos. A escrita dos temas que compõem o disco consegue simultaneamente explorar uma certa condição bicéfala do agrupamento e realizar o potencial dum quinteto de excepção enquanto aproxima os universos composicionais de Lehman e Mahanthappa (integrando também um tema, mais suave, de Liberty Ellman), alternando entre composições de um e outro duma forma fluída e natural, sempre num registo de grande exigência (o rigor, a velocidade e o carácter explosivo destes dois saxofonistas também passa pela escrita e interpretação dos temas) e num nível criativo e interpretativo muito elevado.
Uma característica interessante e enriquecedora, ao nível da composição, é que as estratégias de integração das duas vozes principais variam, passando por exercícios contrapontísticos como no genial “Post-Modern Pharaohs” (Lehman) e no contagiante “Circus” (Mahanthappa) ou recorrendo também a harmonizações e arranjos exigentes como em “1010” (Mahanthappa)— marcado também por uma introdução a solo de Matt Brewer, no contrabaixo, muito inspirada— e, quer ao nível estrutural, quer ao nível dos arranjos e sucessões solísticas, o quinteto vai afirmando as suas diversas possibilidades, cabendo à secção rítmica a manutenção de padrões de relativa complexidade e a pontuação eficaz dos temas e solos, com destaque para Damion Reid, na bateria, que assina também uma notável introdução a solo para “Extensions of Extensions of”.
Globalmente, este Dual Identity apresenta-se como uma sólida contribuição para o extenso, mas nem sempre rico filão das colaborações entre saxofonistas e permite-nos ouvir dois dos mais criativos saxofonistas-compositores do nosso tempo, num contexto raro de partilha e igualdade. E regista, para a posteridade, aquele que terá sido um dos grandes concertos da história do BragaJazz.

Em jeito de pormenor, dir-se-ia que o calcanhar de Aquiles do disco é, paradoxalmente, a sua condição de existência: o facto de ser uma gravação ao vivo nota-se, de forma negativa, em alguns pormenores técnicos do registo, mas dificilmente teríamos um disco com quase 80 minutos de música deste quinteto se não se tratasse dum registo ao vivo.

RUDRESH MAHANTHAPPA & STEVE LEHMAN, “DUAL IDENTITY”

Clean Feed, 2010
Gravado em Braga, 2009 (BragaJazz)

  • Rudresh Mahanthappa sax alto
  • Steve Lehman sax alto
  • Liberty Ellman guitarra
  • Matt Brewer contrabaixo
  • Damion Reid bateria
Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 31 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | CHRIS LIGHTCAP’S BIGMOUTH, “DELUXE”

Chris Lightcap's Bigmouth (Clean Feed)

CHRIS LIGHTCAP’S BIGMOUTH, “DELUXE”

CLASSIFICAÇÃO: 3.5/5

Bigmouth é o título do segundo álbum do quarteto liderado pelo contrabaixista Chris Lightcap editado pela Fresh Sound New Talent, em 2003. Mantendo Tony Malaby e Gerald Cleaver e com Chris Cheek no lugar de Bill McHenry e Craig Taborn nos teclados, “Bigmouth” passa a ser nome do quinteto que agora edita Deluxe pela Clean Feed e apresenta 8 originais do contrabaixista originário da Pensilvânia e sediado em Nova Iorque. Temas alongados construídos sobre bases solidamente definidas e defendidas por Chris Lightcap, Craig Taborn e Gerald Cleaver, leves mas dinâmicas, nas quais se apresentam pequenos temas, quase orquestrais no arranjo dos sopros e onde se privilegia o posterior desenvolvimento dos solos dos 2 saxofonistas, em frequentes situações ora de diálogo ora de confronto— um com o outro ou mesmo com a estrutura do próprio tema, aparentemente—, sem que, ainda assim, seja evidente uma divisão entre secção rítmica e solistas, já que a estrutura base se mantém presente e rica, quer pela articulação do contrabaixo, quer pela expressão dos teclados ou pela variedade de abordagens e pontuações da bateria. O desenvolvimento fluído dos temas e a sobreposição dos solos, associados a uma certa característica “circular” da escrita de Lightcap ilude uma ideia de direcção clara e esse poderá ser o maior handicap do disco, repetindo-se mais do que uma vez a sensação de que ou o tema não vai a lado nenhum ou o tema se pode prolongar eternamente.
A Chris Cheek e Tony Malaby, com Andrew D’Angelo em 3 temas, cabe a tarefa de construir sobre estes “quasi-ostinatos” um discurso / diálogo / confronto que explora o seu potencial e demonstra a complementaridade de abordagens possíveis, na presença de músicos deste calibre. “Two-Face” é, eventualmente, a faixa que mais se afasta deste modelo, com Craig Taborn no piano a contribuir claramente para a desmontagem do alicerce inicial, em clara colaboração com os 2 saxofones e o grupo a divergir globalmente mais, mas mesmo neste tema, o fim é um regresso à estrutura inicial. Mais representativa da estratégia global do disco será a abertura “Platform” ou “Deluxe Version”, com esta segunda a dispôr de espaço para um solo de Craig Taborn, numa estrutura mais “convencional”, sem sobreposição de solos e duma leveza quase excessiva. “Fuzz”, a encerrar o disco, filia, eventualmente, este Deluxe nos férteis cruzamentos do jazz com um certo universo pop-rock, carregado de “groove” e com muita energia criativa.

CHRIS LIGHTCAP’S BIGMOUTH, “DELUXE”

Clean Feed, 2010
Gravado em Nova Iorque, 2008

  • Chris Lightcap contrabaixo
  • Chris Cheek sax tenor
  • Tony Malaby sax tenor
  • Craig Taborn piano e wurlitzer
  • Gerald Cleaver bateria
  • Andrew D’Angelo sax alto (convidado em 3 faixas)
Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 31 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | KEEFE JACKSON QUARTET, “SEEING YOU SEE”

Keefe Jackson, Seeing You See (Clean Feed)
KEEFE JACKSON QUARTET, “SEEING YOU SEE”

CLASSIFICAÇÃO: 3/5

Seeing You See é a estreia discográfica do quarteto liderado por Keefe Jackson, jovem saxofonista, clarinetista, compositor e improvisador activo na cena de Chicago desde 2001 que reúne Jeb Bishop, Jason Roebke e Nori Tanaka, numa estrutura de quarteto relativamente convencional, para a interpretação de 10 temas assinados pelo líder, numa escrita que não sendo surpreendente, faz um uso inteligente dos recursos e alterna entre temas algo convencionais como “Put My FInger on It” e estruturas um pouco mais fluídas, como a faixa de abertura, “Maker”, o título “Seeing You See” ou “How-a-Low”, com Jackson no clarinete baixo, que permite igualmente uma mudança interessante de côr, no disco.
Os temas são genericamente interessantes e as interpretações eficazes, com Jeb Bishop a destacar-se pelos maiores riscos que corre e pelos momentos mais “livres” que protagoniza, sendo por isso de destacar a inteligência e generosidade de Keefe Jackson, quer na sua escolha, quer no espaço que lhe dá no desenvolvimento dos temas, mas a escrita, apesar de tudo, afirma-se como um constrangimento, já que denota alguma imaturidade, patente nas vozes sistematicamente dobradas entre Jackson e Bishop, por exemplo.
Tanaka e Roebke asseguram com igual facilidade e eficácia momentos mais swingados e estruturas free ou “simples” texturas, mas nunca saem verdadeiramente do segundo plano, apesar de deixarem boas indicações.
Na “ribalta”, a relação entre Jeb Bishop e Keefe Jackson parece demasiado controlada pela escrita e por estratégias que parecem evitar o diálogo ou o confronto e ao disco, no global, parece sempre faltar qualquer coisa que lhe dê mais identidade, apesar dos belíssimos momentos que oferece.

KEEFE JACKSON QUARTET, “SEEING YOU SEE”

Clean Feed, 2010
Gravado em Chicago, 2008

  • Keefe Jackson sax tenor e clarinete baixo
  • Jeb Bishop trombone
  • Jason Roebke contrabaixo
  • Noritaka Tanaka bateria
Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 31 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | LAWNMOWER, “WEST”

Lawnmower, West (Clean Feed)
LAWNMOWER, “WEST”

CLASSIFICAÇÃO: 2/5

Um quarteto dirigido por um baterista, com 2 guitarras eléctricas e um saxofone alto, não é propriamente uma formação habitual. Mas para Luther Gray, baterista originário do movimento punk e com colaborações no mundo da improvisação e do free jazz com nomes como Anthony Braxton, Joe Morris, Joe McPhee ou Ken Vandermark, que tem como objectivo para este seu projecto Lawnmower realizar uma síntese de todas as suas influências musicais, passadas e presentes, a companhia dos 2 guitarristas do indie-folk, Geoff Farina e Dan Littleton— com quem já tinha colaborado em “New Salt”— e do saxofonista Jim Hobbs, uma voz particular, reconhecida pelas suas colaborações com Joe Morris, seria a composição necessária. A junção resulta num universo híbrido, explorado em longas incursões alimentadas pela pulsão de Luther Gray, e pelas guitarras de Farina e Littleton, que afirmam paisagens relativamente áridas e de horizontes abertos, sobre os quais Jim Hobbs plana em linhas livres, num funcionamento geral em 3 camadas: uma onde reside Luther Gray, outra onde as guitarras trocam materiais entre si e definem um “contexto” geral e uma terceira, onde o saxofone parece eventualmente, demasiado livre ou isolado.
Excepções mais notáveis serão “Prayer of Death”, com uma forma harmónica, melódica e rítmica mais determinada pelo canto blues-folk de Littleton, que Hobbs prefere desconstruir lentamente, sem grande resultado ou “Giant Squid” com linhas melódicas herdeiras da tradição de Ornette Coleman, sobre uma paisagem muito angulosa e pontilhada. Os momentos mais interessantes e vivos desta última, com mais trocas de material entre as várias camadas musicais referidas, contam-se entre os momentos mais bem conseguidos do disco, onde se ouve, de facto, alguma síntese e não a sobreposição de referências, mas a sensação geral é a de uma distância excessiva entre os elementos do quarteto que parecem demasiado reticentes em fazer movimentos para fora das suas zonas de conforto respectivas. “Dan”, na (tentativa de) longa sucessão de drones partilhados é talvez o melhor exemplo dessa reticência.
Destaca-se ainda assim, pela negativa, a relação de Jim Hobbs com os guitarristas, quer por alguns excessos expressivos do saxofonista, quer pela frequente dificuldade de afinação (de parte a parte) na partilha do mínimo material melódico ou no encaixe harmónico, que apenas se consegue ouvir na faixa final, “Two” e, mesmo aí, requer alguma boa vontade do ouvinte.

LAWNMOWER, “WEST”

Clean Feed, 2010
Gravação: Cambridge MA, 2008

  • Luther Gray bateria
  • Geoff Farina guitarra
  • Dan Littleton guitarra
  • Jim Hobbs sax alto
Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 31 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | Fight The Big Bull: All is Gladness in the Kingdom

Fight The Big Bull, All is Gladness in the Kingdom
All is Gladness in the Kingdom, Fight The Big Bull (feat. Steven Bernstein)

CLASSIFICAÇÃO: 5/5

Fight The Big Bull reúne uma enérgica comunidade de músicos criativos de Richmond (Virginia), liderados pelo guitarrista Matt White, que, neste disco, se reúnem a propósito duma intensa colaboração com o trompetista e compositor Steven Bernstein que aceitou o desafio de, em 9 dias, partilhar o máximo possível com toda a comunidade.
A inesperada intensidade descrita por Steven Bernstein transparece claramente no que nos é dado a ouvir. O disco, com o seu colectivo massivo de 7 sopros (3 palhetas + 4 metais), secção rítmica com 2 percussionistas, um contrabaixo e a guitarra eléctrica de Matt White, funciona como uma “máquina” compacta, tão demolidora no groove (o fim de “Mothra” é um bom exemplo) como ágil e subtil nas composições mais espaçosas (como no início de “Sacred Harp”, na intro de sax tenor, ou em “All is Gladness in the Kingdom”, na intro de trompete). E, num exemplo raro para um ensemble desta dimensão, o disco desenrola-se sem que pensemos em nenhum momento numa divisão entre indivíduos solistas e grupo de apoio, apesar dos frequentes solos virtuosísticos que dada a diversidade, nos fazem adivinhar um colectivo construído com base numa forte cumplicidade e solidariedade entre músicos talentosos e possuidores de diferentes personalidades. E o todo, esmaga, clara e positivamente, a soma das partes, num inteligente esforço de composição e arranjo quer de Steven Bernstein, quer de Matt White afirmando Fight The Big Bull como uma referência dum jazz musculado, mas genuinamente ligado às raízes da música comunitária. “Jemima Surrender”, um original de 1970 de J.L. Robertson (The Band), com arranjo de Bernstein ilustra isso mesmo, com os sopros a assumirem, com eficácia, inteligência e humor, papéis clássicos, mas os vários tempos de groove/funk que se vão ouvindo nos momentos mais enérgicos por todo o disco, estabelecem pontes sólidas com vários tempos e géneros da música popular e comunitária.
Com os 6 originais de White, 2 de Bernstein e o arranjo já referido, Fight The Big Bull transporta-nos por uma viagem acelerada e rica, dando uso praticamente completo às possibilidades expressivas dos músicos individuais e do colectivo, com riqueza tímbrica e técnica, com diversidade e rigor rítmico e trilhando com sucesso o rico filão que (re)une o jazz às músicas populares comunitárias urbanas. “Gold Lions”, com a pesada linha de baixo a lembrar um certo rock independente (poderá lembrar Morphine) é um de muitos exemplos dessa vontade de inclusão e, ilustra simultaneamente, o papel relativamente reservado, mas extraordinariamente impactante e eficaz que Matt White reserva para as suas intervenções solistas.
Nem “tudo é felicidade no reino”, sabemo-lo bem, mas ao ouvir “All is Gladness in the Kingdom” torna-se bem evidente que, com felicidade, criatividade, talento e energia, podemos afirmar tal coisa e, por uns minutos— os que dura a fruição do disco—, a afirmação funciona como um decreto.
Quem ouve, agradece.

All is Gladness in the Kingdom, Fight The Big Bull (feat. Steven Bernstein)

Clean Feed, Lisboa, 2010
Gravado em Richmond, Virginia, EUA, 2009

  • Jason Scott sax tenor e alto, clarinete
  • J.C. Kuhl sax tenor, clarinete
  • John Lilley sax tenor
  • Steven Bernstein trompete, slide trompete
  • Bob Miller trompete
  • Reggie Pace trombone
  • Bryan Hooten trombone
  • Matt White guitarra
  • Cameron Ralston contrabaixo
  • Brian Jones percussão
  • Pinson Chanselle trap kit
  • Eddie Prendergast baixo eléctrico (faixa 7)
Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 30 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | Sei Miguel: Esfíngico

Esfíngico, Sei Miguel (Clean Feed)
Esfíngico, Suite for a Jazz Combo, Sei Miguel

CLASSIFICAÇÃO: 2.5/5

A estreia de Sei Miguel na Clean Feed dá-se com a edição deste “Esfíngico”, com o subtítulo de “Suite for a Jazz Combo” e com a interpretação dum combo com várias particularidades, composto por alguns nomes ilustres da improvisação mais livre e/ou “menos idiomática”, dos quais se destaca eventualmente Rafael Toral, apesar da sua sensibilidade e das suas aproximações teóricas a uma certa ideia de jazz ou das suas estratégias.
Mas “Esfíngico”, com o rigor estrutural que se adivinha, não dependeria desta ou daquela ideia de instrumentação mas, de forma mais evidente, de métodos e estratégias interpretativas e possibilidades tímbricas que Sei Miguel reconhece no grupo que lidera.
Uma das principais características da música apresentada nesta suite, de resto, é a clareza estrutural e um certo contexto ou enquadramento quase académico que permite identificar os momentos, a lógica das sequências e as estratégias em uso (momentos de pergunta-resposta e/ou imitação, abordagens pontilhísticas nas marcações rítmicas, identificação de solistas, etc).
A capacidade interpretativa dos diferentes músicos, neste contexto, é, em alguns casos, surpreendente, principalmente pelo rigor e contenção que atravessam a totalidade do disco, assegurando a “pureza” composicional mas, eventualmente, diminuindo o risco ou, pelo menos, a organicidade final da obra. Apesar de intelectualmente estimulante, a realização do conceito pode resultar demasiado asséptica.
Ao nível interpretativo, o encontro entre Sei Miguel e Fala Mariam, cuja prestação me parece merecer um destaque pela positiva, resulta interessante e rica, e Rafael Toral, apesar da dificuldade inerente à integração de instrumentos puramente electrónicos com os sopros, domina a linguagem e a técnica a um nível que lhe permite interpretar e reagir de forma orgânica e natural. Pedro Lourenço e César Burago, pelo papel composicional que desempenham, mas também, aparentemente, por alguma dificuldade em encontrar os registos tímbricos mais adequados e uma possibilidade de fluidez de discurso, que seria um útil ponto de apoio para o ouvinte, considerando a complexidade das estruturas, prejudicam, em alguns momentos a fruição do disco, com destaque para o papel desempenhado por César Burago no 3º andamento (Pássaros).
De forma global, a escrita de Sei Miguel parece ser demasiado cerebral e, neste caso concreto, o disco oscila entre momentos de grande qualidade e interesse, onde alguns músicos afirmam ideias claras e/ou partilham em duo, com momentos de rigidez, espera e aparente hesitação, em que intervenções aparentemente gratuitas ou fortuitas prolongam paisagens relativamente desérticas.

Esfíngico, Suite for a Jazz Combo, Sei Miguel

Clean Feed, Lisboa 2010
Gravado em Lisboa, 2006

  • Sei Miguel pocket trumpet, composição e direcção
  • Fala Mariam trombone alto
  • Rafael Toral modulated resonance feedback circuit
  • Pedro Lourenço guitarra baixo
  • César Burago timbales e pequenas percussões
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jazz.pt | RED Trio: RED Trio

Red Trio, Clean Feed
RED Trio, RED Trio

CLASSIFICAÇÃO: 4.5/5

Rodrigo Pinheiro, Hernâni Faustino e Gabriel Ferrandini são personagens bem presentes e muito bem vindas na cena musical portuguesa improvisada e experimental há vários anos mas, pela sua natureza afável, generosa e discreta e talvez pelos instrumentos que tocam, não foram nunca alvo da atenção que merecem até à criação deste RED Trio. Aqui, neste encontro que se tem afirmado de forma fulgurante desde a sua criação, afirma-se não só o talento e virtuosismo de cada um deles, mas a sua capacidade colaborativa, assente em ouvidos muito atentos e numa gestão criteriosa do espaço a ocupar e do tipo de estímulo necessário para fazer evoluir as situações musicais e na aposta em estratégias criativas ganhadoras. O grupo recorre frequentemente à afirmação dum motivo a solo que depois se desdobra na sua exploração profunda e profícua pelo trio nas várias combinações possíveis. E a configuração hiper-convencional de piano, contrabaixo e bateria não limita em nada a capacidade exploratória e/ou expressiva do grupo; não só porque as “jaulas” tradicionais dos instrumentos da secção rítmica estão completamente postos de lado neste trio, mas também porque o domínio de diversas técnicas de expansão de cada instrumento permitem uma grande diversidade de situações. Igualmente notável é a confiança com que o RED Trio se dedica à exploração consciente dos motivos que vão sendo apresentados, gerindo cuidadosamente o perigoso equilíbrio entre a exaustão dos recursos, o interesse e a consequência musical do conjunto. Sem saltar de motivo em motivo e sem fugir das ideias antes duma cuidadosa observação, o RED Trio navega de forma precisa, cuidadosa e rigorosamente sincronizada no plano das ideias, por territórios da improvisação onde muitos músicos temem já não encontrar novas rotas. E a viagem que nos oferecem demonstra bem o enorme potencial que continua a existir no encontro livre entre músicos talentosos e atentos.
Este primeiro registo confirma e corporiza as óptimas impressões que o RED Trio tem dado em vários palcos pelo país.
Afirmam-se 3 grandes músicos: Rodrigo Pinheiro como um dos mais interessantes e criativos pianistas da nossa cena experimental, pelo que faz tanto no teclado como no corpo do piano, mas principalmente pelo extraordinário ouvido e sentido musical e pelo extenso vocabulário; Hernâni Faustino, um contrabaixista completo, pela diversidade expressiva e tímbrica, pela autenticidade e pela velocidade de reacção; Gabriel Ferrandini, um percussionista de excepção, pelo vastíssimo vocabulário, pelo timing, pela gestão rigorosa do espaço e da dinâmica. O conjunto que é o trio funciona com uma coesão e cumplicidade fora de série, reagindo tão depressa que parecem antecipar, por vezes, as intervenções de cada um e dominam os instrumentos de tal forma que chegam por vezes, como em “Quick Sand”, a apresentar-se, instrumentalmente, como uma formação híbrida.
Assim como o RED Trio entrou, directamente, para o conjunto de agrupamentos que já deviam existir há mais tempo, também este registo homónimo, entra directamente para uma discografia do essencial da música experimental / improvisada portuguesa. Naturalmente.

RED Trio, RED Trio

Clean Feed, Lisboa 2010
Gravação: Fundão, 2008

  • Rodrigo Pinheiro piano
  • Hernâni Faustino contrabaixo
  • Gabriel Ferrandini bateria e percussão

visita aconselhada: http://redtrio.info

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jazz.pt | Voladores, Tony Malaby’s Apparitions

Voladores, Tony Malaby's Apparitions
Voladores, Tony Malaby’s Apparitions

CLASSIFICAÇÃO: 5/5

Este quarteto Apparitions, de Tony Malaby, na sua própria constituição de saxofone, contrabaixo e 2 baterias contém uma agenda, que se entende tão melhor, quanto mais se observa o perfil e história dos 4 instrumentistas: Tony Malaby, o líder da formação, nascido no Arizona, afirma-se cada vez mais como um dos grandes saxofonistas criativos do nosso tempo, aliando técnica, musicalidade e versatilidade para colaborar com nomes incontornáveis no jazz americano e europeu, como Charlie Haden, Michel Portal, Paul Motian ou Daniel Humair. Drew Gress, contrabaixista, improvisador e compositor, actualmente dedicado à improvisação contemporânea e de vanguarda, colabora habitualmente com John Abercrombie, Tim Berne, Don Byron, Uri Caine, Bill Carrothers, Ravi Coltrane, Marc Copland e Mark Feldman, entre outros. Tom Rainey é um dos mais requisitados e flexíveis bateristas da actualidade, com colaborações regulares com Tim Berne e um historial interminável de gravações e concertos, onde se destaca a sua versatilidade na exploração da bateria como instrumento completo. E John Hollenbeck é, além dum baterista e percussionista completíssimo, um compositor e maestro requisitado, com uma expressão e universo musical muito próprio.
Para quem a singularidade da formação ou o perfil dos músicos é relativamente indiferente, a abertura do álbum com um tema inédito de Ornette Coleman, “Homogeneous Emotions”, é, de facto, um bom ponto de partida. Há, neste quarteto peculiar, e em parte da abordagem expressiva de Tony Malaby e na sua escrita, referências a Ornette, numa certa ambiguidade ou abertura harmónica e uma certa disponibilidade polirrítmica, que é, por isso, mais sensível à (con)sequência de frases e motivos melódicos expostos sobre bases rítmica e harmonicamente livres, onde o espaço dos músicos, independentemente do seu instrumento, é em grande parte definido pela capacidade de reacção/criação e pela interpretação subjectiva do significado do momento musical e do seu espaço.
Com 1 tema de Ornette Coleman, 3 improvisações em grupo e 7 temas de Tony Malaby, a sensação geral é a duma música que resulta coerente e que tem significado(s), multidireccional, que se eleva à condição de muitíssimo mais do que a soma das partes, sendo as partes, as contribuições de cada músico.
De facto, em cada momento de cada tema, o universo de possibilidades face à criatividade, flexibilidade e destreza técnica de cada um dos músicos parece inesgotável, mantendo-se, em cada configuração e independentemente da instrumentação disponível, uma enorme coesão, resultado da intencionalidade da escrita e liderança de Malaby, mas, sem dúvida, da atenção e da grande experiência musical dos seus parceiros, cada um deles, igualmente responsável pela construção de momentos verdadeiramente surpreendentes. Com as improvisações de grupo a pontuarem o disco com momentos de procura “pura”, a versatilidade e expressividade que aí ouvimos é generosamente utilizada nos momentos mais direccionados do disco.
O encontro entre John Hollenbeck e Tom Rainey é verdadeiramente extraordinário, sem redundâncias, nem sobreposições, com Hollenbeck a povoar todo o disco com timbres e sonoridades complementares à já diversificada paleta de Tom Rainey e, com a melódica, a dobrar a voz de Malaby com sucesso, por exemplo em “Lilas”. Com bases rítmicas e texturas excepcionalmente ricas, Drew Gress, consegue encontrar o seu justo papel, sem ficar preso a funções convencionais e usando todo o potencial do contrabaixo, de acordo com as exigências dos temas, entre um baixo mais convencional de “Homogeneous Emotions”, por exemplo, e os harmónicos e arcadas nervosas em “East Bay”. Tony Malaby, com um som profundo e cru, quer no tenor, quer no soprano, afirma uma voz urgente, mas determinada, capaz de grande beleza e fragilidade, mas também de vigor, excitação e mesmo violência.
Emoções geridas e equilibradas de forma consequente, num disco que corre seriamente o risco de se tornar imprescindível.

Voladores, Tony Malaby’s Apparitions

Clean Feed (2009)
Gravado em Nova Iorque (2009)

  • Tony Malaby saxofone tenor e soprano
  • Drew Gress contrabaixo
  • Tom Rainey bateria
  • John Hollenbeck bateria, percussão, marimba, vibrafone, glockenspiel, melódica, pequenos utensílios de cozinha
Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 29 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.
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jazz.pt | Empty Cage Quartet, Gravity

Gravity, Empty Cage Quartet
Gravity, Empty Cage Quartet

CLASSIFICAÇÃO: 3.5/5

Sobre o Empty Cage Quartet a prestigiada The Wire escreveu que é “uma das melhores coisas no jazz a emergir no novo milénio”. Aos cínicos bastaria dizer que o milénio ainda agora começou, mas depois de ouvir “Gravity” não podemos, com seriedade, ignorar a proposta deste grupo emergente da costa leste. Tanto pela música que apresentam como pelos processos sugeridos. “Gravity”, consiste na interpretação de duas obras, “Gravity” de Kris Tine e “Tzolkien”, de Jason Mears, que se apresentam como processos de fazer nova música, modulares, contendo um conjunto de possibilidades rítmicas e melódicas, incluindo palíndromos e complexos exercícios de simetrias melódicas e harmónicas, assim como explorações numéricas, que possibilitam interpretações lineares e recombinações da responsabilidade dos intérpretes e das suas escolhas em tempo real.
Sem privilégio aparente de nenhuma perspectiva idiomática, a música do Empty Cage Quartet lembra, a espaços, um híbrido de jazz e música conteporânea erudita, por exemplo quando Jason Mears opta pelo clarinete, em “Tzolkien 1+13”, reminiscente de Anthony Braxton, mas pode aproximar-se dum jazz livre, próximo das estratégias harmolódicas de Ornette Coleman, como em “Gravity: Section 8”, ou do M-Base de Steve Coleman, por exemplo, mas, na diversidade de abordagens e sonoridades, este quarteto, que parece desdobrar-se em múltiplas personalidades, mantém, misteriosamente, uma identidade bastante particular.
A complexidade conceptual não é audível (não de forma avassaladora, felizmente), mas fornece uma matriz estrutural que permite que as 4 vozes individuais atravessem os mesmos espaços, em ondas largas ou sinuosas e por vezes, de forma bastante angulosa ou em sentidos inversos, mas, nos seus cruzamentos, encontros e desencontros, a música produzida reflecte, de facto, a existência dum sistema intrigante que nos permite identificar os tais “pontos de gravidade”.
Uma música e um sistema que nos desafia, mas não aliena nem os intérpretes, músicos de grande qualidade técnica e criativa- com experiência de formação e colaboração com nomes como Milford Graves, Wadada Leo Smith, Vinny Golia, Nels Cline, Ken Filiano, Marilyn Crispell e Charlie Haden- nem os ouvintes.

Gravity, Empty Cage Quartet

Clean Feed (2009)
gravado em Nova Iorque (2008)

  • Jason Mears saxofone alto, clarinete
  • Kris Tiner trompete
  • Ivan Johnson contrabaixo
  • Paul Kikuchi bateria, percussão
Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 29 da revista jazz.pt. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.