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Comunicação Social no seu melhor (sobre a supressão do comboio Porto-Vigo)

A CP decidiu acabar com a ligação ferroviária Porto-Vigo, dando um triste exemplo do que nos espera face às anunciadas privatizações. O Público dá a notícia de que a “CP suprime ligação Porto-Vigo a partir de domingo” e, na página da notícia, podemos ver, nos títulos relacionados, que os “Espanhóis aceitam fim da ligação de comboios Porto-Vigo“, mas que o “Autarca de Vigo lamenta fim da ligação ao Porto“.

Estará o Público a pôr em causa a nacionalidade do autarca de Vigo ou a alertar para as diferentes perspectivas entre o poder político local e a população? Nada disso: os “espanhóis” a que se refere o título acerca da aceitação deste fim anunciado, referem-se à Renfe, a operadora ferroviária espanhola.

Qual será o critério editorial que justifica estes títulos?

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A Avenida

Em Aveiro, chama-se simplesmente “Avenida” à Avenida Dr. Lourenço Peixinho, uma das mais antigas artérias da cidade e que é “rematada” com a Estação dos Comboios. A “Avenida” é, mais do que uma artéria da cidade, um assunto de debate, um pomo de discórdias e concórdias várias, um foco do investimento de reflexão crítica sobre a cidadania e sobre as possibilidades e modalidades de participação cívica na discussão sobre o futuro da cidade. E a “Avenida” representa e corporiza, simultaneamente, os piores vícios do passado e presente da cidade— alguma estagnação económica e urbana, alguma anemia cívica, alguma estreiteza de vistas, ignorância e má-fé de decisores políticos e promotores imobiliários (uns travestidos noutros, por vezes)— e alguma da esperança no seu futuro— há um importante movimento cívico que se auto-intitula Amigos d’Avenida, sobre ela se produzem reflexões várias, nela se projectam soluções de e para a cidade (vejam aqui e participem no Facebook).

Eu confesso que tenho dúvidas sobre o que pode ser a Avenida. Desde pequeno, aliás. Há uns anos atrás, tinha mesmo dificuldade em entendê-la como Avenida, por se tratar, de facto, dum cul-de-sac que, na minha perspectiva, só podia ser uma boa solução urbana caso o transporte ferroviário tivesse o peso estratégico que devia ter nas políticas de mobilidade e transportes. Em vez disso, abriram-lhe um buraco para ela deixar de ser um cul-de-sac (trocadilho não intencional) e ligaram-na a uma grande rotunda numa política de municipalização da EN109 e, por isso, de aposta continuada no transporte rodoviário, sobre a qual tenho sérias dúvidas. A construção da nova Estação de Comboios sinaliza a modernização infra-estrutural da linha do norte, mas nada de estratégico ou impactante na política de mobilidades acontecerá por esta via. A linha do Vouga e as possibilidades de novas ligações (comboio ou metro de superfície) pelo menos até Águeda, continuam a ser uma miragem. A sectorização da linha do norte por parte da CP e o papel de Aveiro como ponto de encontro não articulado das ligações suburbanas ao Porto e “regionais” a Coimbra, colocam Aveiro numa posição estranha, no panorama ferroviário.

Mas, para lá deste aspecto “operativo” da Avenida e duma das suas potenciais funções que, obviamente depende do peso que pretendemos dar, colectivamente, ao equipamento que é o seu limite e remate natural, como é que se pode intervir sobre os restantes 1400 metros de Avenida e qual a natureza e objectivos dessa intervenção? Porque é que a Avenida é importante? Para que serve?

Aveiro, como terra pequena que é, e com os seus tiques provincianos adoráveis, é sensível a discursos que mistificam a Avenida como símbolo da cidade, espaço de memórias e qualidades urbanas perdidas. Eu, que vivi em Aveiro uma boa parte dos meus (curtíssimos) 34 anos de vida, não me lembro dessas qualidades urbanas. Lembro-me de alguma vitalidade mais bem distribuída, lembro-me de menos parcelas devolutas, lembro-me de mais arquitectura ordinária e menos arquitectura osbcena… mas lembro-me dum afastamento e desinteresse face a este espaço que, colectivamente, explica a sua degradação, as intervenções desqualificadas, a perda sistemática de funções urbanas e um desrespeito inacreditável pelas poucas peças de arquitectura com algum valor, que suscitaram apenas uma indignação passageira, ainda que apaixonada, em alguns casos.

A Avenida de Aveiro, de que agora todos queremos ser “amigos”, esteve “abandonada” à sua sorte durante muitos anos. Décadas. Temos que ser capazes de assumir esse abandono, colectivamente, e perceber as suas causas, antes de grandes intervenções cosméticas, seja qual for a receita de “regeneração urbana” aplicada.

Porque, acima de tudo, não podemos presumir que está toda a gente “mortinha” por ir para a Avenida e utilizar os seus espaços, logo que eles estejam requalificados.

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As cinzas vulcânicas e o nosso lugar no mundo

Pode parecer uma barbaridade o que vou dizer, mas estou satisfeito com isto das cinzas vulcânicas e do caos instalado nos transportes de todo o tipo, particularmente os aéreos. Se tivesse acontecido algum acidente, não teria a mesma sensação, obviamente, mas, assim, sem vítimas, as cinzas expelidas pelo vulcão da Islândia têm a extraordinária capacidade de nos relembrarem o nosso lugar no mundo.

É certo que nós sabemos imenso de todas as ciências e tecnologias. É certo que nós inventámos mecanismos de todos os tipos e dominamos com à-vontade uma parte significativa da realidade que nos rodeia e, sobre ela, manipulamos um grande conjunto de parâmetros. É certo que estamos rodeados de especialistas capazes de nos explicar porque é que os aviões voam em geral, mas não podem voar através duma nuvem de cinza vulcânica, e outros que nos explicam o funcionamento dos vulcões e prevêem e fazem modelos do comportamento da nuvem de cinzas expelida… é certo que somos os maiores.

Mas quanto mais conhecemos e percebemos do mundo, mais claro fica que a nossa existência depende duma espécie de boa vontade circunstancial da Natureza, que, em qualquer momento, nos pode brindar com uma das suas manifestações que, sem escapar à nossa capacidade de compreensão, e mesmo previsão, ultrapassa claramente qualquer uma das nossa possibilidades de controlo. Estou convencido que a Humanidade (umas partes mais do que outras) precisa de ser confrontada com este sentimento de impotência mais frequentemente e, um evento destes abater-se sobre o centro da Velha e Civilizada Europa, é um “tiro certeiro”.

Não sei como será feito o rescaldo deste período de crise dos transportes aéreos que se reflectiu, num efeito de cascata, como uma crise global dos transportes, demonstrando, quase pornograficamente, o quanto as nossas “vidas modernas” dependem de redes de transportes eficazes e a quantidade assustadora de gente que está em movimento aparentemente constante através do globo. Não sei se uma crise nos ares, nos fará ver com outros olhos alguns dos meios terrestres que temos esquecido frequentemente.

Pergunto-me, por exemplo, se não seria esta uma altura engraçada para voltar a falar de comboios (mas uma conversa séria, como a que propõe o dactilógrafo em 3 actos: 1, 2 e 3) e se não virá aí uma segunda vaga de conversas sobre o desígnio nacional de ligar a rede ferroviária portuguesa à rede de alta velocidade europeia. Pergunto eu que não percebo nada disto: com TGV a ligar-nos à Europa, estaríamos melhor em casos destes? As redes de alta velocidade na Europa ajudaram alguma coisa no meio desta grande confusão? Ou estão, à partida, dimensionadas e pensadas para não competirem com ligações aéreas, pelo que se limitaram a colapsar um bocadinho mais tarde? Pode um transporte terrestre como o comboio de alta velocidade ter margens de disponibilidade na prestação de serviço, geridas estrategicamente à escala europeia, por exemplo, que lhe permitam minimizar os efeitos dum fenómeno similar a este?

Ou vamos simplesmente discutir o facto dos espaços aéreos terem sido fechados com base em modelos computacionais geridos por meteorologistas e precauções teóricas da indústria aeronáutica, pedir desculpa e indemnizar os operadores e partir do princípio que isto não volta a acontecer, ainda que saibamos que estas erupções são cíclicas?

Por mim, desde que o Planeta tenha a delicadeza de me deixar em casa nos dias em que nos decidir lembrar que nós só fazemos aquilo que ele nos vai permitindo, menos mal.