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O Público errou

Há uma secção com este nome no jornal Público, mas duvido que aquilo que para mim é um erro, seja assumido como tal pela redacção ou pelos seus editores.

Pela segunda vez, este blog aparece citado no jornal, na secção “Blogues em Papel”, na qual a equipa do Público escolhe um tema que esteja a dar que falar na blogosfera, mas não necessariamente bom para vender jornais e publica excertos, muitas vezes contraditórios, de opiniões que, para o leitor do jormal, não passam de vox populi. Em si mesmo é um procedimento que me causa estranheza e disse-o quando aconteceu a primeira vez e me vi catapultado para uma página de jornal, a esgrimir argumentos de crítica musical com um respeitado e respeitável crítico, a propósito da ópera de Emmanuel Nunes. Desta vez, foi a minha opinião acerca do lançamento fantasista do portátil Magalhães que atraiu a atenção dos jornalistas. Mas, quer num caso quer noutro, sem elementos adicionais que permitam filtrar de algum modo estas opiniões, cuja publicação acontece de forma unilateral e sem consulta prévia, estes excertos de opinião colhidos na blogosfera servem uma dupla função que em nada dignifica o Público.

Por um lado, aparentemente, liberta o jornal do seu trabalho de informar (a cobertura do Público do lançamento do Magalhães limita-se à transcrição dos comunicados de imprensa e pouco mais [1] [2]) e veicula opiniões contraditórias, mais ou menos bem fundamentadas sobre assuntos com os quais o jornal, através dos seus jornalistas e colunistas, parece não estar interessado em se envolver. É uma manobra oportunista e calculada: informações erradas ou opiniões extremadas são da responsabilidade dos autores dos blogues, com os quais o Público não tem nenhum tipo de vínculo e assim se encontra uma forma rápida barata e indolor de cobrir assuntos cuja polémica não traz benefícios ao jornal.

Na minha opinião, aquela coluna dos “blogues em papel”, nestes termos, é um erro. Se o assunto tiver honras de cobertura jornalística séria e empenhada e, eventualmente, suscitar opinião dos responsáveis da área temática, ou seja, se o trabalho do jornal estiver feito, faz sentido temperar as posições e opiniões mais ligadas ao status quo, com a tal vox populi que os blogs representam. Sem o trabalho do jornal feito, é esperteza saloia e não ajuda nem o jornal, nem os leitores, nem a blogosfera.

Digo eu, que gosto de dizer coisas. E fico curioso para saber o que dirá o Provedor do Leitor, já que lhe vou enviar esta pequena opinião.

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PageRank: é tão simples!

Li, com interesse, um post recente no AirDiogo acerca do PageRank, o sistema através do qual o Google organiza os resultados das pesquisas em função da relevância atribuída ao conteúdo da página ou site. A reflexão sobre a popularidade deste assunto e sobre as diferentes posturas de SEO – Search Engine Optimization que vão desde a explicação séria e simples dos parâmetros envolvidos até às lógicas obscurantistas e promessas milagoras, típicas de vendedores de banha da cobra é, parece-me, uma outra forma de atrair visitantes ao blog, aproveitando a onda gigantesca de pesquisas. No caso dele, como no meu, agora, ao escrever este post ou quando escrevi este outro, mais obsceno, ou na experiência recente do Nuno Saraiva, usando a orientação sexual da Brandie Carlile como chamariz de visitas, percebe-se que há um critério simples, superficial e fácil de manipular no sistema: se usarmos frases, palavras ou expressões muito populares e, especialmente, se lhes dermos valor semântico (num título é melhor que no corpo do artigo) e as repetirmos em vários contextos (as tags e índices são óptimas estratégias), podemos trepar a escala da relevância com facilidade. Mas é fácil de perceber que esta estratégia se usada de forma “maliciosa” gera visitas “enganadas”, o que não contribui nem para a reputação nem para a relevância global do site em causa. O artigo mais popular desde blog, por exemplo, chama-se “Pornografia, ou a arte de ser explícito“, mas duvido seriamente que as intenções duma parte significativa dos visitantes fosse ler a minha reflexão acerca das práticas de distribuição de publicidade no site do Correio da Manhã.

Mas, se percebermos este primeiro princípio, percebemos, de facto, que o segredo da relevância— por isso, o segredo do PageRank ou o segredo do SEO – Search Engine Optimization— é escrever de forma organizada e sistemática, com cuidados ao nível da marcação semântica dos conteúdos. Ou seja, é preciso cuidar dos conteúdos e pensar, pesquisar e analisar quais os termos e expressões de pesquisa mais usados pelos internautas que fazem parte do nosso público-alvo. E isso é simples, certo?

Um blog, um portal generalista ou outras experiências cujo único objectivo seja gerar visitas, sem preocupações de fidelizar públicos-leitores, pode dar-se ao luxo de seguir a onda dos acontecimentos, alternando entre referências aos últimos gadgets (o iPhone e o iPod são boas opções), escândalos sexuais, económicos ou políticos, fait-divers de vários tipos, ou alimentar as eternas flamewars de sistemas operativos (Windows vs. Mac vs. Linux) ou consolas de jogos (Playstation vs. Xbox vs. Wii), por exemplo. Esse comportamento gera visitas e aumenta a relevância / PageRank artigo-a-artigo, mas a inconsistência dum site que segue simplesmente hypes sucessivos, sofre com isso. Porquê? Porque se fosse apenas um problema de quantidade de keywords, não se justificava a investigação, o segredo ou até o registo de patentes à volta do “coração” do Google. Por um lado, referências avulsas a termos “populares” não chegam para enganar o sistema, já que todo o conteúdo é visado e são cruzadas referências para perceber se o artigo é ou não “genuíno”. É também aí que entra a importância da construção de links para o conteúdo. O número de sites que refere o nosso conteúdo, através dum link, é mais um sistema de validação da relevância dos conteúdos. E isso também é fácil de perceber: se eu for uma “autoridade” numa determinada área é natural que muitos sites dedicados ao mesmo assunto, ou artigos avulsos, se refiram e liguem a mim. E essa é uma medida socialmente aceitável, mesmo no mundo real do ensino, por exemplo. (Uso o termo “autoridade”, numa piscadela de olho ao sistema de Authority que o Technorati usa). Cá está outro parâmetro base de relevância: links dirigidos aos nosso conteúdo “provam” que ele é relevante. (Claro que as “roletas” de troca de links sugeridas por alguns “especialistas” e que ligam ad nauseam sites igualmente irrelevantes são identificados pelo sistema e pelos utilizadores, também. Isso e outras práticas semelhantes a vudu.) 😉

Mas, além disso, se o PageRank de cada página dum mesmo site for alto, mas responder a termos de pesquisa demasiado diversificados, não é possível determinar a relevância global do site, porque não existe um contexto temático em que ele se encaixe. Os links podem ajudar, mas não resolvem o problema de base. Por isso é que se fala muito da necessidade de “especialização”. Há até quem sugira que a melhor forma de garantir uma grande visibilidade é encontrar um “nicho” e explorá-lo até ao tutano garantindo que, à medida que o interesse cresce (e o interesse sobre qualquer coisa na Internet cresce sempre, é um problema básico de entropia), nos mantemos no topo da vaga.

Este é o tipo de coisas que os especialistas de SEO – Search Engine Optimization vão dizendo e vendendo, mas se um projecto estiver limitado tematicamente (que é o caso de quase todos os sites de empresas e organizações), não faz sentido falar de determinado tipo de manipulação de conteúdos ou da auscultação constante dos hypes gerais. Para um site “normal”, com objectivos pré-determinados e um posicionamento marginal às modas e tendências da web, o trabalho é, paradoxalmente, muito mais simples. Como é óbvio que a relevância absoluta do site será sempre condicionada pela popularidade do tema— uma sex-shop on-line não tem que trabalhar quase nada para garantir valores altos de relevância, enquanto um clube de leitura ou uma carpintaria terão que se contentar com um tecto baixo definido pelos hábitos de utilização e pela baixa densidade do “meio” específico onde estão—, o trabalho deve concentrar-se apenas na apresentação fluída e bem estruturada dos conteúdos e na adequação da escrita ao meio e aos hábitos (percebidos) dos internautas. Não é pouco trabalho, mas é simples:

  • escrever bem, sem ser nem prolixo nem telegráfico
  • identificar as palavras, expressões e frases em uso no “meio” e usá-las em quantidade, mas com critério, um pouco por todo o site (uma boa forma de fazer isto é usar os simuladores do Google AdWords que, a partir de uma expressão, nos dão as alternativas mais procuradas)
  • perceber que ninguém lê tudo, pelo que o que nos pode parecer redundante quando estamos a criar e/ou a rever conteúdos, pode ser perfeitamente aceitável para leituras na diagonal
  • usar as palavras e frases chave em títulos e sub-títulos, correctamente marcados semanticamente (<h1>, <h2>, etc)
  • não substituir por imagens conteúdo fundamental, a não ser que se usem criteriosamente as possibilidades de legendagem (tags alt e title) e/ou se adoptem técnicas de Image Replacement inteligentes
  • procurar os melhores locais on-line para se ser referenciado e tentar perceber como é que isso é possível (publicidade, troca de links, simples contacto?)

Não é magia, nem milagre ou prática mística, mas funciona. Sendo assim, porque é que se continua a falar destas coisas e há uma tão grande procura por estes assuntos? Porque as pessoas, empresas e organizações são preguiçosas e querem, no fundo, no fundo, descobrir a cura milagrosa que ponha o seu site no top dos tops, sem terem o trabalho de criarem, sistematizarem e organizarem conteúdos. Para os “preguiçosos” que podem, existe o Google AdWords, que, para quem puder pagar, permite colocar links patrocinados nas primeiras páginas de todas as pesquisas. Para os outros, é trabalho simples. Mais ou menos trabalho, mas simples e relativamente transparente. E o resultado final não é o mesmo: com o trabalho feito, o site aparecerá por mérito próprio e sem custos. Pela via imediata, o site só vai aparecer enquanto pagarmos e a eficácia provavelmente decresce com o tempo (um link patrocinado que não chega pelo próprio mérito às páginas principais causa desconfiança nos utilizadores).

E, com este artigo escrito, revejo e posso prever que, com tantas referências a hypes, ao Google e ao PageRank, a estratégias de SEO, a gadgets e a outros termos de pesquisa populares, vou ter outro pico de visitas. Justifica-se?

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Autocarro da Juventude

Lembro-me que nas excursões das escolas, quando era míudo, se cantavam umas tolices dirigidas aos condutores dos autocarros. Sei que isso ainda se faz, pelo que ouço a crianças que me são próximas.

Dei por mim a pensar se no Autocarro da Juventude, que a JCP disponibiliza para quem quiser ir à Festa do Avante, também se canta

sr. chófer,
por favor,
ponha o pé no acelerador!
se bater,
não faz mal:
vamos todos para o hospital!

Já repararam quem (ainda) conduz os Jovens Comunistas Portugueses?

Cartaz Autocarro da Juventude, JCP

Assim, não se perdem de certeza. 😉

PS: Já estou à espera de ser mal interpretado. Antes de dispararem em várias direcções, esclareço que, para mim é só engraçado e curioso e fez-me pensar sobre o sentido de humor da JCP.

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Perder, momentaneamente, a capacidade de escrever

Ando preocupado: depois de umas horas a mexer em ficheiros de configuração de servidores e a manipular variáveis de PHP para que outros possam testar o correcto funcionamento de scripts que eu, provavelmente, nunca usarei, dou por mim com uma espécie de bloqueio na escrita normal, em português corrente e sobre assuntos que me interessam.

Estarei a sofrer dum “memory leakage”? Precisarei dum “reboot”? Será melhor reconfigurar-me através dum simples .htaccess ou com um php.ini local? Qual é a sintaxe para a função “write_interesting_and_relevant_content”?

Alguém tem por aí um manual impresso com o qual me possa dar uma violenta pancada na nuca? Acho que é mesmo o que estou a precisar…

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Estado da Nação: nota de rodapé #1

Hoje começaram as candidaturas ao Ensino Superior. Os candidatos, jovens finalistas do ensino secundário, podiam optar entre um processo online ou um processo presencial, com filas que começaram à porta de escolas em capitais de distrito durante a madrugada.

Segundo os testemunhos recolhidos por alguns canais de televisão, junto dos jovens que optaram pelas filas e por manipular papelada, uma parte significativa destes candidatos optou mesmo por evitar a Internet, por desconfianças várias e dificuldades umas mais óbvias do que outras.

Este é um preocupante, ainda que superficial, indicador do Estado da Nação, que se discute hoje na AR: esta geração de jovens que não confia na Internet para fazer as suas candidaturas ao Ensino Superior é a mesma a quem o Estado financia a aquisição de portáteis e banda larga móvel, num país em que um vasto conjunto de procedimentos na relação com esse mesmo Estado passa obrigatoriamente pela Internet.

Será tudo uma piada de mau gosto, um enviesamento de informação pela comunicação social? Ou estamos mesmo perdidos num pântano?

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Escapatórias

Pelo pouco que fui acompanhando, parece-me que havia muita gente convencida que desta vez é que íamos ser campeões europeus de futebol. Parece que não, afinal.

Ficam algumas questões no ar, para entreter os próximos dias e fornecer escapatórias, para quem precisar:

  • Terá sido culpa do árbitro sueco que não marcou a falta do Ballack sobre o Paulo Ferreira, no 3º golo alemão?
  • Terá sido culpa do Ricardo que continua “aos papéis” em lances de bola parada e deixou que os alemães repetissem uma jogada ensaiada para o 2º e 3º golos?
  • Terá sido culpa do Scolari que anunciou a sua transferência para o Chelsea durante o campeonato, contribuindo para a desestabilização do plantel?
  • Terá sido culpa do João Moutinho que não soube escolher entre a cabeça e o joelho
    quando o Bosingwa lhe entregou o golo?
  • Terá sido culpa do Pepe que cabeceou para fora quando o Deco lhe meteu um canto mesmo a jeito?

Ou terá sido simplesmente a eficácia germânica e a simplicidade absoluta do futebol que consiste em marcar golos e evitar que o adversário marque, por mais “rodriguinhos” que os nossos meninos façam?

Temos escapatórias para várias semanas de rescaldo do europeu mas fico com uma dúvida: os ecrãs gigantes montados um pouco por todo o país mantêm-se, independentemente da nossa participação? Podem baixar um bocadinho o volume, pelo menos?

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Imagino que não seja complicado

“Eu não percebo nada disso, mas imagino que não seja complicado. É?”

Com cada vez mais frequência sou confrontado com este paradoxo: com a “democratização” das tecnologias e com a disseminação da ideia (absurda) de que dos computadores se tira o trabalho já feito, são cada vez mais as pessoas que, sem terem a menor ideia das competências necessárias, tarefas envolvidas ou tempo dispendido em alguns dos trabalhos que desenvolvo, requerem, em cima do prazo final de entrega dos trabalhos, actualizações, rectificações, modificações, revisões e outras tarefas que têm o seu tempo próprio no processo. E é comum dizerem mesmo coisas deste tipo: “não faço a mínima ideia como é que isso se faz, mas não deve ser assim tão complicado substituir isto, ou acrescentar aquilo ou…”

Mas não é bem assim, senhores. Se não fazem a menor ideia como se faz, é possível, e até provável, que aquilo que vos parece perfeitamente banal, mas que vos foi dito que teria um tempo próprio, seja de facto bastante complicado fora desse tempo.

Ah! É importante que se esclareça que neste “estabelecimento” o cliente não tem sempre razão. Aliás, é raro isso acontecer.

Desculpem o desabafo, mas são 5 da manhã e estou a acabar um desses projectos fora de tempo. Porquê? Porque, apesar de tudo, o trabalho é mesmo “a porca chantagem da sobrevivência”.

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O Acordo Ortográfico e a paternidade

A discussão acerca do Acordo Ortográfico está relativamente quente. Isso é bom, porque é sinal de alguma energia cívica.

Eu não estou contra o Acordo, nem a favor. Ao contrário do que é frequente, no meu caso, não tenho convicções demasiado marcadas a esse respeito. Pelo que vou vendo à minha volta pode muito bem ser uma questão geracional.

Sou sensível aos argumentos que se levantam contra o Acordo, mas parece-me que a indignação aglutinada neste movimento de opinião é diversificada e disfarça muitas indignidades. Demasiadas, na minha modestíssima opinião.
Mas eu uso esta língua há pouco tempo e a que falo, não é exactamente igual à que escrevo. E não escrevo nem falo a língua de Camões, Eça ou Pessoa. Falo esta mistura da língua que se fala aqui em Aveiro com umas coisas que aprendi no Porto e outras mariquices que fui buscar à literatura, ao entretenimento e a círculos académicos, profissionais e sociais que tive o infortúnio de frequentar. No pouco tempo que levo disto, tenho a certeza que fui falando línguas diferentes e que guardo, para ocasiões especiais, variantes mais ou menos eficazes.
Quanto à língua que escrevo, parece-me que será ainda parecida com a que me ensinaram na escola primária, no ciclo e nos primeiros anos da secundária, com ajustes subtis feitos pelos meus pais (terrível vício dos intelectuais esquerdistas de incentivar a leitura e a escrita) e uns quantos, muito menos subtis, feitos por mim próprio, ora teimoso no erro, ora embasbacado com as línguas que fui lendo.
Não tenho idade para dizer que, com mais ou menos acordo, a minha forma de escrever se manterá inalterável. Se nem sem acordo tenho a certeza de ter mantido alguma ortografia cristalizada nestes poucos anos que levo do uso da língua, que garantias posso dar para o futuro?
Quer isso dizer que me estou borrifando e que, com isso, contribuo para um “desastre” de proporções históricas? Duvido…

A Maria nasce um dia destes e vou gostar de a acompanhar na construção da língua que ela for usar. E, se tudo correr bem, vou tentar aprender umas partes e ensinar-lhe umas partes da minha, para não sermos “estranhos”. Como ferramenta, vou querer que ela estude e trate com cuidado a(s) ortografia(s) que lhe forem ensinando. E que mas ensine a mim, se eu ficar demasiado velho, ortograficamente falando.
Vou-lhe ler histórias, faladas na linha língua e, se me apetecer, noutras que já existam, ou noutras ainda que queiramos inventar. Quando ela já souber ler, vou-lhe dar livros dos avós, escritos por eles, por gente do tempo deles, ou ainda mais velhos. E vou-lhe dar as histórias que tivermos escrito, escritas na língua que estiver a escrever na altura.
Não lhe vou dar o Acordo Ortográfico, mas vou dar-lhe um dicionário pequenino, como o meu pai me deu quando eu fui para a escola. Um dicionário novo, só para ela, que há-de ter palavras que eu nem conheço.
Eu quero acreditar que a Maria vai crescer em graça e sabedoria. Tanta, que não lhe farão a ela mais confusão as consoantes mudas do tempo dos avós dela, do que me faziam a mim os “ph” e os “y” do tempo dos meus avós. Tanta, que a pátria dela continuará a ser uma língua filha da minha. Porque isso das línguas-pátria parecem-me territórios unipessoais e de responsabilidade limitada.

A ter que apostar em alguma coisa, aposto nisso: no compromisso gigantesco de nunca me afastar demais da língua da minha filha que ainda não nasceu. Mas atenção que não sou (completamente) parvo: confio suficientemente nas leis da física para saber que atracção gravitacional me dá uma vantagem “desleal”. Só tenho que me manter por perto e não abdicar da minha “densidade” própria. 😉

Nota: texto adaptado duma contribuição que fiz para uma discussão entre amigos.

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Sexo de risco, à “macho valente”. Homofóbicos? Só se for a sério.

O estudo sobre Sexualidade e Saúde que o Instituto de Ciências Sociais realizou e que o Público abordou na edição de sábado, antes da apresentação oficial, que foi hoje, apresenta-nos um país homofóbico, relativamente fiel e pouco informado.

Globalmente, os resultados são deprimentes, apesar de expectáveis, e o prejuízo para o país causado pela ignorância e pelos comportamentos de risco continuados, apesar dos esforços de formação e sensibilização, é significativo e conta-se em vidas destruídas. Nas diversas faixas etárias, o estudo mostra-nos uma população ainda muito pouco informada e quase inconsciente, com especial destaque, pela negativa, para os homens. Também expectável e deprimente.

Mais uma acha bem quente para a discussão sobre a necessidade e eficácia da educação para a sexualidade.

Quanto à homofobia endémica (e mais uma vez com maior incidência entre os homens), é de destacar como a sua expressão é, aparentemente, independente da maior visibilidade e alegada aceitação da homossexualidade, corporizada por figuras e eventos mediáticos e pela integração numa certa cultura urbana de ícones (maioritariamente) “gay”, uns ficcionais, outros nem por isso.

A homofobia “tuga” assume, assim, um duplo preconceito: se este estudo nos diz que o português médio considera as relações homossexuais erradas ou condenáveis, um certo “circo” mediático, faz-nos acreditar que esse preconceito tem fronteiras, excluindo da “reprovação moral” uma certa classe (“artistas” e seus excêntricos apaniguados), que se presume, assim, para lá do cuidado moral das massas. Em bom português, a nossa sociedade tolera (que palavra horrível) os “maricas” conhecidos do mundo do espectáculo, independentemente da sua verdadeira orientação sexual, porque, coitados, faz parte da “excentricidade obrigatória”. Mas homossexuais reais, com vidas reais e privadas, como as nossas? Credo! Deus nos livre!

Assim não vamos lá…

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Culpar os gratuitos é fácil

Segundo esta notícia, os responsáveis dos jornais portugueses acham que os “jornais gratuitos provocaram a queda das vendas dos diários e semanários pagos”. Pois. Porque a pergunta foi essa, certo? Se a pergunta fosse construída à volta do fenómeno dos blog e da difusão de notícias online, seriam esses os responsáveis, suponho. Ou outra coisa qualquer que sirva como forma de “sacudir a água do capote” e sustentar decisões de gestão de recursos como o “aumento das rescisões contratuais”, a exigência de “multi-tasking” excessivo e a persistência na precariedade como condição para o trabalho na comunicação social.

Quem anda atento, sabe que os gratuitos são um fenómeno comum um pouco por todo o lado e que a melhor reacção é assumir que se tratam de campeonatos “à parte”. Há até gratuitos que são fomentados e partilham recursos dos pagos, certo?

Para isso, é preciso apostar na qualidade, no rigor, na diferença e na diversificação estratégica. E isso faz-se com investimento e com projecto.

Os gratuitos têm o seu lugar e a sua função. Se em Portugal o seu impacto é maior, a culpa não é deles: é da diminuição acentuada do poder de compra e de décadas de desinteresse face à leitura e à comunicação social.