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Está ligado?

Os dados recentes sobre a utilização da internet em Portugal, no contexto dum quadro comparativo da Europa a 27, ilustram um país fracturado, cronicamente atrasado, bem distante da imagem que muitas vezes tentamos ter de nós próprios. O relatório da Comissão Europeia, que pode ser visto na íntegra aqui, coloca-nos na linha da frente em áreas como o eGovernment, eBusiness e eCommerce para Empresas, facto amplamente divulgado e destacado pelas vozes oficiais, mas demonstra também que a percentagem de portugueses que, de facto, está “ligada” é muitíssimo baixa. A justificação “oficial” faz sentido:

Este relatório aponta níveis baixos de utilização regular da Internet pela população (Portugal=38%, UE=56%) que, como sabemos, estão relacionados com a muito baixa percentagem da população adulta que tem educação secundária em Portugal (a mais baixa dos 27 países da UE), sendo que a posição de Portugal no que toca a utilização da Internet por pessoas com educação secundária e não superior (87%) e com educação superior (91%) é das melhores na UE, acima das médias da UE (respectivamente, 67% e 89%), e o mesmo acontece para a utilização da Internet por estudantes (Portugal=97%, UE=94%), muito acima do que seria de esperar pelas características socio-económicas do país.

Mas é muitíssimo deprimente. E ilustra, por si só, a fractura virtualmente inultrapassável que impede o país de progredir: um défice gritante de formação a que, aparentemente, nos rendemos. Esta justificação para um 22º lugar (entre 27) no ranking de utilizadores regulares de internet, ainda que honesta e rigorosa, não pode deixar de nos arrepiar: “a mais baixa (percentagem da população adulta com educação secundária) dos 27 países da UE”.

E estes dados devem-nos fazer pensar a todos em formas de inverter esta situação pela simples razão de que a literacia digital é um factor objectivo de exclusão social. Paradoxalmente agravada pela adopção de medidas que visam facilitar a prestação de serviços públicos por esta via. É, de facto, uma história de “ovos e galinhas”, mas é por demais evidente que nenhuma estratégia será bem sucedida se decidir aproveitar destes dados os indicadores positivos e esquecer os negativos, com a desculpa fácil de que temos muitos “analfabetos funcionais e info-excluídos”. A concentração de esforços na inversão desta tendência deve, por imperativos sociais e democráticos, sobrepôr-se ao investimento na adopção de soluções tecnológicas que servem minorias. Não se trata dum clássico “enquanto houver um analfabeto funcional no país não devemos gastar um tostão em projectos de eGov”, mas de procurar compreender quais as medidas que facilitam o acesso, de facto e quais aquelas que têm sido ineficazes.

Fazer perguntas simples e procurar responder com rigor:

  • como se demonstra e explica a utilidade das novas tecnologias a populações “info-deprimidas”?
  • como se constróem e conquistam espaços de cidadania onde as novas tecnologias desempenham um papel útil e, assim, consolidam o seu espaço?
  • como se utiliza a escola para promover a adopção das novas tecnologias para lá dos seus limites físicos?
  • como se consolida o espaço virtual como espaço de comunicação e participação cívica?
  • como se desenvolve o potencial económico do espaço virtual nacional?

A muitas destas perguntas os especialistas e os homens da propaganda responderão com siglas e nomes de programa já executados e em curso que se orientam, teoricamente, em função destes objectivos. Mas, se olharmos para os dados dos últimos quadros deste relatório, percebemos que talvez alguns desses programas tenham bases pouco sólidas: na percentagem de pessoas empregadas com competências de utilizador de TICs, estamos em 26º, apenas à frente da Roménia, e na percentagem de pessoas empregadas com competências de especialista em TICs, estamos em 21º. Significa isso que uma parte significativa dos esforços desenvolvidos no terreno, junto de empresas e organizações, são realizados no vazio, sem interlocutores válidos para a implementação de medidas nestas áreas. Parece por isso mais relevante, ainda, reforçar a ideia do investimento na formação em TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) como competência cívica elementar: a conquista de novos utilizadores pela via da participação cívica, como indivíduos será mais eficaz do que a sua instrumentalização no local de trabalho, onde as pressões laborais podem ter um efeito adverso. Para a conquista destes novos utilizadores-cidadãos, precisamos, como de pão para a boca, de níveis absolutamente diversos de conteúdos, o eterno calcanhar de Aquiles da internet “portuguesa”. Produzimos poucos conteúdos e de fraca qualidade; nas Universidades, por exemplo, faltam projectos de disponibilização aberta dos poucos conteúdos de qualidade que temos e abundam projectos fechados, nos quais se adivinham, ora grande tesouros, ora “porcas misérias”. As pesquisas em português devolvem sistematicamente resultados produzidos no Brasil, nem sempre com qualidade, mas sem que nunca se perceba a inexistência de equivalente ou alternativas portuguesas. Ou devolvem conteúdos irrelevantes. E, para quem dominar a língua inglesa, mais frustrante será saber que, muitas vezes, há conteúdos de qualidade a serem criados cá, mas na chamada “língua franca”, para aumentar a visibilidade, mas com o efeito perverso de diminuir a acessibilidade aqui.

Na escola, a iniciativa e-escola é bem exemplo do que não se devia fazer, na minha opinião: ao privilegiar e financiar a aquisição privada de computadores e a contratação de serviços de ligação à internet, o estado dinamiza o comércio de serviços e produtos, e esquiva-se ao papel fundamental de assegurar as infra-estruturas humanas, mais que técnicas, que poderiam fazer funcionar comunidades educativas em rede. O dinheiro vertido no comércio de laptops, seria mais útil na formação continuada de professores, na manutenção de redes informáticas adequadas (leia-se com técnicos responsáveis), na criação e difusão de conteúdos em rede, na abertura das infra-estruturas técnicas das escolas às comunidades que ali poderiam (re)construir os seus centros cívicos. Menos computadores, mais bem usados, prioridade a soluções abertas, livres e gratuitas, combate ao desperdício que consiste a aquisição de tantos laptops, cuja obsolescência se confirma em poucos anos… estes factores de rigor na gestão dos recursos permitiriam “fazer mais com menos” e, ao concentrar os recursos técnicos e humanos em torno das escolas, poderíamos assistir a um curiosos fenómeno: as pessoas aproximavam-se umas das outras fisicamente, para descobrir as vantagens de generalizarem essa aproximação no mundo virtual. Compreendia-se de forma mais profunda o significado e a importância das relações (dos vários tipos de relações) no contexto dum mundo tendencialmente virtual. Perceber-se-ia, talvez, que, num mundo de informação e comunicação, passar demasiado tempo a olhar e polir os nossos umbigos é disparatado: há imensa gente e imensos umbigos mais interessantes que o nosso com que nos podemos relacionar.

E, entre olhar para o próprio umbigo e passar a olhar o umbigo do outro, dá-se uma tão grande mudança de postura que talvez possamos ver a linha do horizonte.

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Onde estão as escolas no e-escolas?

Questão Prévia
Porque é que as pessoas não lêem?

A quantidade de pedidos de informação sobre o portátil português Magalhães e o programa e-escolinhas que me veio parar a esta caixa de comentários é indicativo de que as pessoas, cada vez mais, simplesmente não lêem o que está escrito nos artigos. Pesquisam no Google ou noutro motor de pesquisa, clicam num resultado mais ou menos promissor, passam os olhos na diagonal, e perguntam o que precisam de saber. Esta é a verdadeira definição de lazy web. Que me irrita.

Para que conste: escrevi sobre a inexistência de informação online oficial sobre o portátil Magalhães ou sobre o programa e-escolinhas. Não tenho informação a dar e só sei (porque alguém escreveu na caixa de comentários) que há um site não oficial, da autoria dum astuto blogger profissional português, a quem poderão colocar questões, que está a aproveitar bem a falta de informação oficial sobre este projecto. Veremos quando é que a falta de informação se transforma em falta de transparência. Por isso, se estiverem à procura de informação sobre o Portátil Magalhães, o melhor é irem mesmo ao blog: www.portatilmagalhaes.com.

Questão de Fundo
Onde estão as escolas no e-escolas?

Há muitas coisas que me irritam no programa e-escolas ou na sua variante e-escolinhas. Irrita-me a falta de transparência dos processos, irrita-me a falta de diversidade na oferta e a constante promoção de soluções baseadas no binómio Intel + Microsoft, irrita-me a associação estranha entre aquisição subsidiada pelo estado e contratos de fidelização com empresas privadas de telecomunicações… e a lista continua. Até a publicidade dos operadores de telecomunicações me faz desconfiar ainda mais do programa e dos seus efeitos, já que a lógica de promoção passa sempre muito ao largo da lógica da utilização dos computadores e/ou da internet no contexto educativo.

Campanha Optimus Kanguru e-escola
Campanha TMN e-escola

Já viram bem os anúncios do e-escolas, promovidos pela Optimus ou TMN? São claramente campanhas de promoção da utilização de computadores portáteis e da internet de banda larga móvel, mas onde é que entra a parte da escola, da formação ou do conhecimento?

Pode parecer cruel usar a publicidade produzida pelos privados para julgar este programa, mas parece-me que isto ilustra bem problema de base de que o programa sofre, na minha perspectiva: com estas campanhas de promoção da aquisição pessoal de computadores portáteis e planos de internet móvel não se opera nada de significativo sobre a escola, enquanto tal. Nem sobre o tecido de produção de conhecimento, informação ou comunicação. Facilitar a aquisição de computadores, sem intervir na base do sistema, é um desperdício. E, na base, o que é que está?

  • equipar escolas, bibliotecas e diferentes espaços públicos com computadores acessíveis e boas ligações à internet, de utilização gratuita, com possibilidade de acompanhamento por parte de formadores-monitores experientes não só na utilização das ferramentas, mas na pesquisa e utilização de conteúdos relevantes
  • apostar de forma séria e decisiva na produção de conteúdos e na sua promoção, assim como na indexação e interligação dos conteúdos existentes (nas escolas, nos centros de formação, etc)
  • preparar professores e formadores para usarem, de facto, as tecnologias e encontrarem usos relevantes nos seus espaços e comunidades educativas, divulgando conteúdos e ferramentas e promovendo a troca de experiências
  • concentrar esforços na promoção de soluções livres e abertas ao nível da produção e divulgação de conteúdos, para garantir interoperabilidade, acessibilidade a todos e optimização dos resultados, através de sinergias entre as diversas comunidades educativas
  • procurar uma mudança de mentalidades que permita que cada vez mais pessoas olhem para os computadores e para a internet como meios de comunicação e acesso a conteúdos relevantes (informação e conhecimento), assim como ferramentas de produção e divulgação de novos conteúdos e não apenas como plataformas de entretenimento ou fonte de distracções

É que, sem medidas que garantam a utilização relevante das ferramentas, de que adianta facilitar a sua aquisição? Aumentamos o nosso parque informático e o número de acessos de banda larga dispara (e isso deve ficar bem nas estatísticas e deve ser um dos indicadores na execução dos objectivos do Plano Tecnológico), mas e daí? Aumenta o conhecimento? Aumenta a utilização relevante das ferramentas? Aumentam as qualificações tecnológicas da população?

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Magalhães e o Feiticeiro de Oz

O nosso Primeiro Ministro lembra-me muitas vezes o Feiticeiro de Oz. Hoje fez isso mesmo durante o anúncio com pompa e circunstância do “Magalhães”, o primeiro netbook made in Portugal  para o mercado da Educação. Quem tiver ouvido a notícia que eu ouvi, sem conhecer o projecto OLPC deve ter pensado “uau! que revolução! que grande avanço! que maravilha! que…!”

Como em Oz, temos que ir espreitar por trás da cortina, para ver o triste espectáculo de marionetas em que a gestão da coisa pública se vai transformando: se a perspectiva do projecto OLPC for demasiado parcial, podem ler no IOLDiário um artigo sobre a “guerra dos computadores portáteis para crianças”.

Infelizmente, nem sequer posso dizer que estou surpreendido. Já há muito tempo que andamos a hipotecar o nosso futuro, tecnologicamente, falando.