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Atabicar o Caminho

Um audiowalk para Guimarães (2013)

Com partida na Plataforma das Artes e da Criatividade, Atabicar o Caminho é uma intervenção sonora sobre um percurso de exploração da envolvente urbana do Rio de Couros, cruzando e unindo alguns dos seus espaços singulares, entre as antigas propriedades das Dominicas, onde se instalaram o novo espaço da Feira Semanal e do Mercado Municipal, a jusante, e o núcleo central da Zona de Couros, a montante. Este projeto, desenvolvido em contacto com indivíduos e comunidades que, de formas diversificadas, habitam, usam e conhecem este território, pretende refletir sobre a natureza dos processos de evolução da cidade.
Um passeio de natureza imersiva, sobre um percurso invulgar, que cruza diferentes visões e relações, na construção de um objeto artístico que se assume como “uma companhia sonora para caminhantes solitários”(1).

Conceção e criação: João Martins
Apoio à dramaturgia: Nuno Casimiro
Interpretação (voz off): Pedro Carreira, com participação especial de Ana Vitorino e Tommy Scanlon

Uma encomenda e produção do Serviço Educativo de Guimarães, Capital Europeia da Cultura

(1) O formato audiowalk, com este “mote”, foi inicialmente desenvolvido em Portugal pela companhia de teatro Visões Úteis, com a colaboração de João Martins.

As cidades são, antes das casas, das ruas, ou das praças, os locais onde nos juntamos. Onde paramos e nos tornamos verdadeiramente gregários: escravos do território que julgamos explorar. Ou que exploramos mesmo.

São os sítios das biografias colectivas, dos conflitos pequenos e grandes, domésticos e públicos.

São mais do que a soma do que somos, porque são também o que nos subtraímos e os milagres e os desastres da divisão e multiplicação de recursos e malfeitorias que fazemos ou deixamos fazer.

São o que espalhamos à nossa volta nesse momento de parar e dizer: “é aqui”. É aqui que nascemos, é aqui que morremos.

A Ribeira de Couros atravessa a cidade de Guimarães em regime de apneia. Ouvimo-la resfolegar debaixo das ruas, vemo-la ser engolida pelos edifícios, sabemos que, desde tempos imemoriais, as “gentes de luta e labor”— dos curtumes e não só—, canalizaram e canibalizaram a Ribeira e sobre ela construíram os espaços do trabalho e da vida.

A cidade fora da cidade, fora do perímetro muralhado, com cheiros e vidas que não juntavam ao útil, o agradável, encosta-se nas margens da ribeira. Sobre ela se debruça e pousa as suas estruturas. Bebe a água que nasce na Penha e é com ela que alimenta a terra e o trabalho e é sobre ela, também, que despeja os seus desperdícios.

Sim, é o “merdário”, esta ribeira que se esconde debaixo das ruas e das casas, mas é também com ela que se lava a roupa nos tanques públicos e se regam os campos, da Penha até à Veiga de Creixomil.

Junto ao novo Mercado Municipal— onde o vento faz ranger as lonas e se ouve uma catatua—, a ribeira reencontra o ar e, por breves instantes, interrompe a sua prolongada apneia.

Em alguns dias, a cor da água, sugere que, algures, entre a Penha e a cidade, alguém lava toda a roupa de Guimarães nesta água. Imagino um tanque gigantesco e braços fortes a esfregar séculos de fraldas e lençóis da nação que nasceu de uma disputa familiar.

(Um filho e uma mãe desavindos terão sempre muita roupa suja para lavar.)

Mas logo a água se some, engolida por estruturas seculares— o Brecht diria qualquer coisa sobre tudo isto, com certeza— e as voltas que damos à procura desses assomos da água, ensinam-nos os caminhos de Couros e das quintas que se haviam de plantar nestas margens até à Veiga de Creixomil, onde as águas já só desperdício, já só fedor, se haviam de aliviar e purificar na rega dos campos.

É também nesta violência sobre as águas que se desenha e define a cidade; nesta mistura de exploração exaustiva e controlo obsessivo que faz nascer casas que engolem a ribeira.

Na rua onde se planta um Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura, um Mercado e uma Feira, a ribeira circula, em contra-mão, algures debaixo de nós.

Canalizada e posta ao serviço da indústria, em tempos, que corrente é esta agora? O que traz e para que serve?

Imagino os “rápidos” na escuridão total deste ventre pós-industrial.

E aquela árvore solitária? Há quanto tempo está a olhar para nós?

João Martins

Texto publicado no jornal LURA, n.º 24, abril a julho 2013.

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20 anos do Guimarães Jazz

A marcar a 20ª edição do Guimarães Jazz – um festival consolidado no panorama cultural português e já com afirmação além-fronteiras, pela qualidade da programação, pela diversidade e quantidade de propostas que apresenta ao seu público, pelo crescimento sustentado e continuado e pela adaptação a novos desafios e às profundas mudanças que o contexto em que se realiza sofreu, a várias escalas – é merecida uma visão retrospectiva ampla não só do que aconteceu nas diversas edições, mas, principalmente, dos parâmetros, das condições, das opções e dos acasos que lhes deram origem e o sustentam no tempo.
A pensar nisso, o livro “Guimarães Jazz 20 anos” é com certeza uma das melhores formas de assinalar este momento e prestar uma justa homenagem ao Guimarães Jazz e a todos os que o tornaram possível nestes 20 anos. O Café Concerto do CCVF é o espaço reservado para o lançamento desta edição especial.

O Guimarães Jazz neste ano de 20º aniversário, acontece de 8 a 19 de Novembro e o programa merece, mais uma vez, toda a atenção. Foi com enorme prazer e algum receio, dada a enorme responsabilidade, que contribuí para o livro que assinala a efeméride e será uma honra assistir e participar do seu lançamento.

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Emoção

Sequência de demolição em Aveiro ilustrada, por mera coincidência, por um outdoor de Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura.

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20 anos do Guimarães Jazz

2011 é ano de celebrações, sendo uma delas, os 20 anos do Guimarães Jazz. Tenho o privilégio de participar nas celebrações com um pequeno artigo retrospectivo, tendo tido a oportunidade de entrevistar alguns dos protagonistas destes 20 anos. Escrevo, a certa altura da introdução:

(…) Era bom que fosse frequente celebrarmos a 20ª edição destes acontecimentos: festivais de músicas várias, de teatro, dança ou artes performativas em geral. Iniciativas culturais descentralizadas, instituições ou espaços dedicados à promoção da arte e da cultura cujos projectos celebrassem esta singela marca das duas décadas seriam bons indicadores da saúde do nosso tecido cultural mas, mais do que isso, da nossa liberdade, da qualidade do nosso desenvolvimento e da maturidade da nossa democracia.
Infelizmente não é o caso: não só não é frequente celebrarmos 20 edições consecutivas e sustentadas de festivais ou 20 anos de programação consequente de instituições culturais, especialmente, se pensarmos em termos de descentralização cultural, como não chega sequer a ser assunto de debate aprofundado as razões que dificultam a sua realização ou continuidade.
E, enquanto a tão debatida questão da “cultura dos mega-eventos” consome demasiado espaço na opinião pública, não aparecem com a frequência necessária os exemplos que contrariam essa tendência.
Pensar, por isso, nas 20 edições do Guimarães Jazz e tentar fornecer uma visão retrospectiva ampla não só do que aconteceu nas diversas edições, mas, principalmente, dos parâmetros, das condições, das opções e dos acasos que lhe deram origem e o sustentam no tempo é um desafio de importância extrema.

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Sons microscópicos: improvisações

Como disse no artigo inicial sobre este trabalho dos sons microscópicos, “além dos desenhos, que são solos, fizemos improvisações em alguns dos meus “instrumentos” que, depois duma oficina de sonoplastia, já faziam mais sentido.

Cá estão as improvisações (dirigidas): 3 trios e um duo em “MeSA”, “laptop acústico” e “desenho”.

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Sons microscópicos: faz-me um desenho III

continuação dum artigo anterior

[desenho 11 e 12. trios improvisados no próximo artigo]

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Sons microscópicos: faz-me um desenho II

continuação do artigo anterior

[desenhos 6 a 10. continua no próximo artigo]

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Sons microscópicos: faz-me um desenho para eu ouvir

Depois de ter experimentado fazer pequenos “audiowalks” à descoberta de lugares escondidos, voltei ao Programa À Descoberta do CCVF e estivemos a procurar “sons microscópicos”. As actividades com este grupo desenvolveram-se à volta desta ideia, ligando-se à visita que tinham feito no dia anterior à Universidade do Minho e continuei a explorar exercícios de escuta e exploração do som. Chamámos “sons microscópicos” aos sons para os quais precisamos de ajuda técnica na escuta e estivemos a testar várias formas de captar e amplificar os mais diversos sons, desde o bater do coração à textura da pele, passando pelo som dum desenho.

Também partilhei com as crianças um “lugar-acústico escondido” muito especial: o limite superior do espectro audível delas, que os adultos, como eu, não conseguem ouvir. 😉

Além dos desenhos, que são solos, fizemos improvisações em alguns dos meus “instrumentos” que, depois duma oficina de sonoplastia, já faziam mais sentido.

Se quiserem um conselho, experimentem ouvir vários “desenhos” em simultâneo e não ponham o volume muito alto, porque todos eles descobriram a magia dos “pontos” bastante cedo. 😉

[desenhos de 1 a 5. continuação no próximo artigo]

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À Descoberta de Lugares Escondidos

Esta semana começou com uma experiência extraordinária: no contexto das Oficinas À Descoberta, do Centro Cultural Vila Flor, que nesta primeira semana tinham como tema “À Descoberta de Lugares Escondidos“, propus desenvolver com o grupo de crianças/participantes, um conjunto de percursos sonoros por lugares escondidos do próprio CCVF. Uma experiência arriscada, que o Serviço Educativo do CCVF acolheu de braços abertos e que ultrapassou largamente as minhas melhores expectativas.

Sala

Desenhei previamente os percursos, com apoio da equipa técnica do CCVF e, com as 12 crianças divididas em 3 grupos, explorámos e registámos o som dos percursos na segunda-feira à tarde e na terça-feira de manhã. O processo foi rigoroso e o plano impecavelmente cumprido por todos e durante a tarde de terça-feira ouvimos as gravações já montadas na sequência correcta e procurámos outras formas de representar os percursos traçados por este mapa de som.

O objectivo final era muito ambicioso: queria mostrar às crianças alguns dos “lugares escondidos” do CCVF; queria que elas activassem a audição como sentido de reconhecimento espacial e se relacionassem com os sons destes espaços; queria mostrar-lhes formas alternativas de “registar” a experiência de conhecer um lugar; queria produzir um conjunto de objectos sonoros e espaciais interessantes, considerando, desde o início, os percursos individualmente e a possibilidade de os sobrepôr. Creio que todos os objectivos foram atingidos— mesmo os mais irrealistas ou líricos— e esta foi, de longe, a experiência mais intensa e recompensadora que tive de trabalho em contexto de formação/sensibilização, em qualquer área e com qualquer “público”.

Todos os percursos começavam no mesmo local, junto à rua, e terminavam no Grande Auditório (um, na Plateia, um no Palco e outro na Teia). E todos atravessavam zonas públicas e zonas de acesso reservado, cruzando-se, ocasionalmente. Nesse desenho se jogava também a possibilidade de sobreposição.

Diagrama 3 Percursos

O “Grupo 1” (Ana Carolina Pereira, Tiago Martins, Afonso Andrade e Afonso Santos), acabou o seu percurso no palco do Grande Auditório, depois de atravessar grande parte do jardim, entrar nas áreas reservadas junto do Café-Concerto, atravessar o sub-palco e a oficina de luz e usar o monta-cargas para conhecer o cais de carga.

Percurso Grupo 1

O “Grupo 2” (Maria João Teixeira, Helena Pereira, Paulo Cardoso Paolo Cardaso e Rodrigo Silva), acabou o seu percurso na teia do Grande Auditório, depois de entrar nas áreas reservadas através do pátio interior da Sala de Ensaios, atravessar o sub-palco, ir ao palco para ligar luzes de serviço, subir pelas escadas à primeira varanda técnica, percorrendo todo o perímetro da caixa de palco e finalizar a subida até ao ponto mais alto do CCVF.

Percurso Grupo 2

O “Grupo 3” (Carolina Monteiro, Francisco Anjo, Afonso Lemos, Ângelo Martins), acabou o seu percurso na plateia do Grande Auditório, depois de aceder às áreas reservadas através do parque de estacionamento e do acesso de cargas à cozinha do restaurante, que atravessou até à zona pública, regressar à zona reservada junto ao Pequeno Auditório, subir ao piso da produção, cruzar um corredor técnico até à régie de cinema, e chegar ao foyer do GA, através da régie geral.

Percurso Grupo 3

Podem ouvir os 3 percursos individualmente, mas também podem ouvir “A Grande Aventura”, que é a sobreposição destes 3 percursos.

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jazz.pt | Guimarães Jazz 2008

Texto escrito por João Martins, a 01/12/2008, relativo à 1ª semana do Guimarães Jazz 2008.
Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes e em conjunto com a cobertura da 2ª semana, da responsabilidade de Gonçalo Falcão, foi publicado no nº 22 da revista jazz.pt.
A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.

Guimarães Jazz 2008

Considerações Gerais:
Um Festival de Dimensão Regional

O Festival de Jazz que Guimarães acolhe anualmente, apesar de não deixar de ser “de” Guimarães, atingiu já, de alguns anos a esta parte, uma dimensão regional que abrange, na atracção de público, não só todo o Norte do País— se falarmos de público “geral”, já que o pouco público especializado nacional está, à partida, conquistado— mas as regiões espanholas (cada vez) mais próximas. Essa dimensão, que resulta também do investimento e da prioridade definida pela cidade e pelo seu Centro Cultural, tem reflexos na programação dos concertos do festival, na organização geral, nas actividades paralelas, nas extensões que levam o Festival (e o seu público) a outros pontos da cidade— as sessões de cinema, as exposições, as Jam Sessions da primeira semana…
Considerar, portanto, o público para quem o festival é concebido e, obviamente, os efeitos “secundários” que dele se esperam na cidade, é de elementar justiça na apreciação das opções programáticas.
Em 2 fins-de-semana prolongados consecutivos, o festival propõe-se equilibrar diferentes visões do fenómeno jazzístico, procurando abrir mais portas do que aquelas que fecha (exercício sempre complicado), satisfazendo o apetite de vários públicos (dos mais generalistas aos mais especializados), assegurando uma componente formativa e (algum) espaço para músicos nacionais, num contexto global que envolva a cidade, em vez de a “colonizar”.
Só quem habita a cidade de Guimarães poderá aferir dos resultados destas apostas ao longo do tempo, mas quem, como eu, a visita regularmente, não pode deixar de reparar em sinais evidentes e, aparentemente, consolidados no tecido cultural/musical da cidade, atribuíveis, em grande parte, ao Festival e à atenção que ele faz incidir sobre a cidade.