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O percibo

Toda a gente sabe que os umbigos são grandes apreciadores de cotão. O que nem toda a gente sabe é que, às vezes, nem os mais gulosos dos umbigos conseguem comer todo o cotão que encontram.
Foi precisamente numa altura em que um umbigo com mais olhos que barriga se deparou com uma montanha de cotão— tão grande que o deixou em sérios apuros—, que um bando de percibos apareceu em seu auxílio.
Agora estamos habituados a ver percibos e umbigos sempre juntos, os primeiros a alimentarem-se calmamente das sobras dos primeiros, mas até esse episódio inaugural, os bandos de percibos eram conhecidos apenas por andarem assim, em bando, e estarem sempre disponíveis para ajudar criaturas maiores: umbigos, tornigos, comigos…
Desde esse dia, de grande aflição para o umbigo em causa, a preciosa ajuda dos percibos passou a ser habitual. Tão habitual como a impaciência dos tornigos, a sonolência dos comigos e, claro está, a gula dos umbigos.

A história dos percibos e da sua relação com umbigos, tornigos e comigos está em construção entre mim e a Maria. Além do primeiro encontro de percibos e comigos, já testámos uma história de um percibo que estava sozinho e triste. Fica para a próxima.

Percibo, a palavra, é uma forma possível de conjugar o verbo perceber. Eu, pelo menos, consigo perceber a lógica. Percebido?

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Grande ideia para um romance

Como não tenho tempo para (mais) projectos de grandes romances, partilho convosco esta ideia: imaginem uma História Universal em que as únicas fontes disponíveis para a caracterização dos principais personagens fossem a sua auto-imagem. Imaginem os líderes políticos, militares, religiosos e económicos, dos vários períodos da História da Humanidade, apresentados nas suas diversas dimensões— do aspectos físico e de aparência, às motivações psicológicas, passando pelos seus vícios e virtudes nas relações com os outros, em público e privado— exclusivamente, através da sua própria percepção. Uma História em que Átila, o Huno, nos era apresentado como ele se veria a si próprio, assim como Napoleão Bonaparte, o nosso D. Afonso Henriques e a sua própria mãe. Um complemento imprescindível a um retrato psicológico da Humanidade, que nos permitisse espreitar o “conceito-de-si” daqueles que pontuam a nossa História, dos mais heróicos aos mais vis.

* foi uma ideia que me ocorreu durante o sono e que me fez acordar sobressaltado, há uns minutos atrás. Merece, provavelmente, alguma reflexão.

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Tragicomédia clássica, aqui e agora

Saiu de casa para uma corridinha para espairecer, numa terra que lhe era menos familiar do que ele gostaria de admitir. Uma decisão irreflectida no percurso, associada à teimosia que lhe era característica, acrescentou meia hora de sofrimento em subidas e descidas angustiantes em locais que não reconhecia e numa geografia que desafiava as referências que lhe pareciam óbvias. Era só uma corridinha e acabou por reencontrar o caminho para casa, mais cansado e dorido do que alguma vez admitiria e com um sério abalo no ego. O reencontro com a filha curou-lhe algumas feridas, apesar da sua insistência em correr mais um bocadinho com o pai. 30 ou 40 metros, de mão dada com a criança de 3 anos, com as pernas já dormentes, mas em paz. Um pouco depois, regressou a casa a mulher, com quem partilhou uma versão suave da sua aventura e pôs-se no banho.

Nunca se saberá do grau de intencionalidade da escolha da camisola que vestiu depois. Ao jantar, lia-se no seu peito: “Hercules”.

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Os amanhãs que cantam

Por sobre as montanhas de cinismo e hipocrisia que nos habitam, a cada 25 de Abril torna-se mais importante repetirmos que “a democracia é o pior de todos os sistemas, com excepção de todos os outros” e, por isso mesmo, agradecermos a quem construiu Abril. Para lá de todas as desilusões, hesitações, segundas, falsas ou más intenções, a conquista da nossa liberdade começou nessa madrugada de 1974. O resto, os “amanhãs que cantam” e as “promessas de Abril” são a nossa responsabilidade colectiva e quotidiana. Há 35 anos que é assim e é nas alturas em que a desilusão e a desesperança nos atingem mais fortemente que se torna fundamental afinar as vozes e a memória:

25 de Abril Sempre! Fascismo Nunca Mais!