Jeffery Davis Quartet: “Haunted Gardens”
Ficha Técnica do disco
título: Haunted Gardens
editora: Tone of a Pitch
gravação: Novembro de 2008 e Março de 2009, Estúdios Timbuktu, Lisboa
lançamento: Julho de 2009
staff: Jeffery Davis (Vibrafone e Marimba), André Fernandes (Guitarra), Nelson Cascais (Contrabaixo) e Marcos Cavaleiro (Bateria)
Todos os temas compostos por Jeffery Davis.
Jeffery Davis é um músico invulgar: com apenas 28 anos, este percussionista português nascido no Canadá, acumula no currículo uma vastíssima formação, um invejável número de distinções e longa experiência nos principais palcos e com alguns dos nomes maiores, quer da música erudita, quer do jazz, em Portugal e fora de portas. A sua progressão académica foi meteórica e merecedora de atenção: concluiu, com nota máxima, a licenciatura em percussão na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto, onde estudou com Miguel Bernat e Manuel Campos e colaborou, entre outros, com o Drumming – Grupo de Percussão, tendo estreado peças de compositores tão diversos e distintos como Emmanuel Nunes, João Pedro Oliveira, Mário Laginha e Carlos Azevedo; concluiu, com o estatuto Summa Cum Laude, o curso de “Jazz Performance Vibraphone” na importante Berklee College of Music, onde ingressou após vencer o primeiro prémio no Concours International de Jazz, em Paris, em 2002, tendo sido igualmente reconhecido na Berklee como “Most Active Mallet Player”, com a “Gary Burton Scholarship” e o prémio por excelência académica “Dean of Curriculum”. Durante a sua estadia nos EUA recebeu também do IAJE (International Association for Jazz Education) o prémio de “Outstanding Musicianship” e colaborou com alguns nomes incontornáveis da cena jazzística norte-americana: Hal Crook, Joe Lovano, Gary Burton, Dave Liebman, Dave Samuels, Phil Wilson, Terrence Blanchard, Michel Camilo, Bob Mintzer, entre outros.
Mas, apesar deste sucesso e reconhecimento, Jeffery Davis, actualmente professor de Vibrafone na Licenciatura em Jazz da ESMAE, entre outras tarefas pedagógicas no mundo da música erudita e do jazz, não cedeu à tentação de se especializar na linguagem jazzística e distanciar-se da música erudita porque, como afirma, não vê “grande separacão entre os dois: é tudo música.” Para Jeffery, “tocar um estilo ajuda-me a tocar melhor o outro. A enorme diferença que existe entre os dois é a preparação necessária. Para o Jazz sinto que para tocar é muito mais de momento, não é preciso uma preparação tão específica para um determinado concerto, embora, obviamente, tudo depende da banda e dos temas que se vai tocar. Para o clássico é preciso uma preparação bastante mais específica e minuciosa, para um determinado concerto. Mas o estudo diário e bastante intenso é preciso para os dois mundos. Se não estiver em forma, nem um estilo nem o outro serão executados com rigor.”
Esta visão global do fenómeno musical e da sua interpretação é bastante precoce na formação de Jeffery: “sempre ouvi muito Jazz, desde miúdo, e sempre ouvi muita música erudita.”
Mas é uma convicção amadurecida ao longo do tempo, consciente e atenta: “também acho que cada vez mais estes dois estilos se estão a aproximar um do outro. A existência de músicos que tocam estes dois estilos é cada vez (mais rara), na minha opinião, só pelo enorme trabalho que é (preciso para) fazer as duas coisas: são precisas longas horas de estudo diário para se sobreviver nos dois mundos.” E Jeffery faz bem mais do que “sobreviver”: no universo da música erudita, mantém uma sólida carreira como concertista, além das actividades pedagógicas, e importantes colaborações, nomeadamente nos duos com percussionista Pedro Carneiro e com o saxofonista Fernando Ramos, tendo estreado várias peças escritas propositadamente para estes agrupamentos; no universo do jazz, além do seu próprio quarteto, que se apresentará no festival jazz.pt, Jeffery lidera um trio e integra de forma activa muitos projectos nacionais: Quinteto de Nelson Cascais, Lift Off, Duo Erro de Sintaxe, Yeti Project, Quarteto de Vasco Agostinho, Septeto de Michael Lauren, Trio de Percussão “Jeffery Davis, Pedro Carneiro e Alexandre Frazão”, entre outros. E na cena internacional, quer como jazzman, quer como intérprete de música erudita, Jeffery Davis é um músico activo e reconhecido pelos pares e pela crítica, merecendo de forma continuada a atenção de compositores e líderes de agrupamentos.
E, apesar da elevada exigência que a sua actividade de instrumentista impõe, Jeffery afirma-se como músico criativo completo, compondo para diversos músicos e agrupamentos de música erudita e jazz, numa experiência completa de afirmação duma identidade musical madura, exigente e em constante crescimento.
O próprio processo de consolidação do quarteto e do reportório que poderemos ouvir no disco “Haunted Gardens” e no seu concerto de lançamento, durante o Festival Jazz.pt, reflecte bem essa exigência e esse crescimento constante, como nos diz Jeffery: “quando voltei dos Estados Unidos andei bastante tempo à procura dos músicos ideais para desenvolverem este projecto, porque tinha algumas ideias bastante claras. O André Fernandes, para mim, era uma escolha óbvia, desde o princípio, porque me relaciono muito bem com o que ele faz e porque dei por mim a escrever especificamente para ele, a pensar nas coisas que ele faz. Depois conheci o Nelson Cascais e percebi que era com ele que projecto podia resultar. O que me custou mais foi o baterista, até porque o Marcos (Cavaleiro) andava ocupado com outros afazeres. O disco já esteve para sair antes, mas eu re-escrevi quase tudo: tocámos durante algum tempo e eu fui-me apercebendo que as coisas não estavam a funcionar como eu queria. Só fazemos no disco uma peça minha mais antiga, que é uma suite que escrevi ainda quando estava na América e que foi sofrendo um processo de metamorfose.”
“Haunted Gardens” é, por isso, o encontro entre estes músicos, todos eles notáveis e amplamente reconhecidos, e as ideias, em constante crescimento e evolução, de Jeffery Davis, que assina todos os temas, numa escrita que, pela amostra, faz justiça aos talentos interpretativos e criativos do quarteto e às imensas possibilidades que uma personalidade musical completa e sem preconceitos pode alcançar: o som que esta escrita e este quarteto produzem é singular e, por vezes, surpreendente, explorando um ambiente que o próprio Jeffery classifica de “sombrio – daí o título (Haunted Gardens)”, com as lâminas do vibrafone e da marimba em grande destaque– pelo virtuosismo verdadeiramente musical, pela forte expressividade, pela clareza do gesto, pela enorme paleta dinâmica e tímbrica– mas com espaço para a expressão também singular de André Fernandes, Nelson Cascais e Marcos Cavaleiro (no concerto, substituído por Carlos Miguel), em estruturas articuladas e coesas, onde o discurso solístico parece cumprir funções no arco dramático.
Sombria a música? Positivamente densa, isso sim. Mas claramente em contraste com a personalidade afável, acessível e simples do luso-canadiano que se afirma “português de gema, gajo de aldeia, daqueles que vai beber umas minis à taberna, com os amigos“, que um acaso biográfico fez nascer no Canadá, pátria paterna, e a incompatibilidade entre o frio e a bronquite trouxe de regresso à pátria materna, Febres, Cantanhede.
A promessa está feita: a apresentação de “Haunted Gardens”, disponível a partir de Julho através da “Tone of a Pitch”, tem todas as condições para ser um concerto notável, rico, intenso e fortemente empático, a cargo de Jeffery Davis, no vibrafone e marimba, de André Fernandes, na guitarra, de Nelson Cascais, no contrabaixo e de Carlos Miguel, na bateria.
+ info: www.toapmusic.com | www.jefferydavis.net
Texto escrito por João Martins. Depois de revisto e editado por Rui Eduardo Paes, foi publicado no nº 26 da revista jazz.pt, como parte da apresentação do Festival jazz.pt 2009. A publicação do texto neste blog tem como principal objectivo promover a revista: compre ou assine a jazz.pt.