Ainda no Público de hoje, no Local Porto, um grupo de arquitectos faz publicar a sua opinião:
Porto: cidade inteligente ou autista?
“Para lá dos gostos e das perplexidades que se possam legitimamente exprimir, a Casa da Música representa objectivamente o state of the art na arquitectura. A sua importância é ainda exponenciada se tivermos em conta que a arquitectura contemporânea encerra hoje uma verdadeira coligação de disciplinas que se exprimem abertamente. Nesse sentido, a Casa da Música é também o state of the art nas engenharias, na construção, na acústica, no design. O próprio programa, concebido no âmbito da Porto 2001, Capital Europeia da Cultura, é também um momento alto de compreensão da transversalidade do fenómeno musical. A Casa da Música é então, por estas várias «coincidências», de facto, uma alavanca «global» do futuro do Porto e do nosso país: permitirá que os «outros» invistam em nós; e que nós nos ponhamos em causa.
Vem isto a propósito da prevista construção do edifício-sede do BPN na vizinhança da Casa da Música. O projecto deste edifício representa o modelo que marcou a explosão do terciário no Porto, nos anos 80. É a repetição anacrónica de um modelo que na origem era já gasto de sentido e cujos «tiques» repercutem a arquitectura banal que inunda as periferias das cidades. Podia estar ao longo de uma auto-estrada ou de um qualquer IP. Mas está face à Casa da Música. E ao fazê-lo, sob a forma de espelho emoldurado, cria sinais contraditórios: o Porto é uma «cidade inteligente» — a Casa da Música —, ou uma «cidade autista» – a sede do BPN?
A área em torno da Rotunda da Boavista constitui o lugar onde se concentraram os despojos de uma arquitectura comercial ou «corporativa» que vem marcando o Porto nos últimos 25 anos. Ou seja, trata-se de uma zona urbana que se densificou, entre vidros espelhados e granitos polidos, com a chegada de investimentos privados na área da banca, dos seguros e do comércio, estrategicamente implantados para lá da linha que viria a demarcar o Porto, Património da Humanidade. A Boavista e o Bom Sucesso cresceram alheados das consciências patrimonialistas, das críticas da cultura arquitectónica da «Escola do Porto», dos regulamentos ferozes da gestão autárquica, todos aparentemente mais preocupados com a «desertificação» do centro histórico.
A Casa da Música é um sinal fortíssimo de uma inversão desse alheamento. Sobe a fasquia da nossa urbanidade. No entanto, nem os promotores privados, nem os gestores autárquicos, nem mesmo uma parte da nossa «intelligentsia» arquitectónica, terão compreendido esse facto, preferindo continuar a desenvolver activamente ou a aceitar passivamente esses princípios de investimento economicista e de gestão casuística que envolvem esta área há mais de duas décadas.
A prevista construção de um edifício, bem espelhado e bem polido, na vizinhança da Casa da Música, é o reflexo desta conjuntura. É o tempo a andar para trás, no momento de uma bela aceleração. Mas não é fatal: existem muitas soluções que podem redimir a contemporaneidade que se desenha na Casa da Música para aquela área. Um concurso de arquitectura seria, neste contexto particular, um inteligente exercício de cidadania”.Assinam: Jorge Figueira, Nuno Grande, Ana Vaz Milheiro, Ana Tostões, Luís Tavares Pereira, Pedro Gadanho, Nuno Brandão Costa, João Pedro Serôdio, João Afonso, João Mendes Ribeiro, Manuel Aires Mateus, Jorge Carvalho, Teresa Novais, José Mateus, Nuno Mateus, Bernardo Rodrigues, Inês Lobo (arquitectos)