Categorias
blog

(não) responder à pergunta

Durante a minha “longa” carreira académica 😉 um dos meus divertimentos favoritos era, ao deparar-me com uma questão num teste ou exame para a qual não estivesse preparado, tecer um longo conjunto de observações tão inteligentes e bem escritas como me era possível, relativamente inseridas no contexto da questão, mas, em boa verdade, apenas tangentes. Era uma espécie de número de circo, mágico, através da qual procurava impressionar os professores com os meus dotes de retórica e outros malabarismos, enquanto disfarçava o facto de não ter nenhuma resposta decente para a pergunta.

Às vezes a estratégia resultava e eu saía do exame com uma bela nota e o ego inchado… vaidoso como um pavão. Outras vezes espalhava-me ao comprido e saía do exame com uma péssima nota mas com uma grande admiração pelo professor em causa. Era um jogo no qual o gozo superficial de ganhar uma partida, não disfarçava a mágoa de o estar a perder a cada novo lance.
Talvez seja o facto de ser filho de professores que sempre me fez ter grandes expectativas e alguma exigência nas escolas por onde andei. Talvez alguns bons exemplos que tive (vou tendo) nos vários tempos dos meus estudos, desde a primária até às Universidades onde andei (ando), tenham ajudado a consolidar essas expectativas e exigências. Isso não faz com que pare de jogar o meu “jogo”, quando sou apanhado desprevenido numa pergunta.
De todas as vezes aumenta o meu peso na consciência e espero ansiosamente que me digam, como dizia a professora da primária da minha mãe, separando sílaba a sílaba: “não me interessa nada do que estás para aí a dizer”.
Às vezes acontece e o professor chama-me a atenção para o facto de eu não estar a responder à pergunta. Às vezes acontece e eu fico feliz. Envergonhado, mas feliz.
Quando não acontece, quando o meu “fogo-de-artifício” distrai os professores e eles aplaudem o coelho saído da cartola, esquecidos do pedido que me acabaram de fazer, fico infeliz. Envergonhado e infeliz.

De facto, há sempre 3 sentimentos: a vergonha de não ter a resposta, a felicidade (ou infelicidade) de estar (ou não) perante um bom professor e a vaidade por ser capaz de tirar coelhos de cartolas retóricas em situações complicadas, ao ponto de até os bons professores me darem uma ocasional palmadinha cúmplice nas costas, antes ou depois do “não estás a responder à pergunta”…

Isto tudo vem a propósito da campanha do referendo, como já devem ter percebido.
Face a esta pergunta, há demasiada gente a tentar usar esta minha estratégia para baralhar tudo e trazer ao debate o relevante, o acessório, o irrelevante e tudo o resto e, em vez de responder à pergunta, que, convenientemente, só permite uma de duas respostas, tiram coelhos e lebres de cartolas variadas (umas mais gastas que outras, umas até já rotas)…
Eu acho que a esta estratégia, um bom professor respondia com uma nega.
Podia sorrir, fazer um gesto simpático, dar um cumprimento pela riqueza da argumentação ou pela imaginação… mas dava uma nega. E a razão é simples e justa: não estás a responder à pergunta.

Eu, que até tenho uns coelhos, algumas lebres e até pombas e rolas por aqui guardadas à espera de uma boa altura e de uma boa desculpa para enganar alguém que me apareça com uma pergunta para a qual não tenho resposta, não estou para usar nada disso agora. Por tudo e porque a pergunta é simples. E porque o peso na consciência por brincar com coisas tão sérias seria demais para suportar.

A pergunta é simples: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?
Eu concordo, por isso, VOTO SIM.
Se não concordasse, votava “não”. E espero que nunca tenha estômago para fazer exercícios de estilo à volta de perguntas deste tipo para defender um voto contrário às minhas convicções. E tenho pena de quem tem.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.