Algumas entradas recentes aqui no blog estão relacionadas, ainda que isso não seja evidente. Falar da diferença entre ensino das artes e ensino pelas artes, falar do que aprendi na Feira Galega de Artes Cénicas, falar de estratégias de criação de públicos ou fazer eco do comunicado de aniversário da ZDB, tudo isto são peças dum puzzle complexo e fundamental construído à volta da questão fundamental que é: como se poderiam/deveriam estruturar as políticas de incentivo à criação artística?
Uma das armadilhas comuns na reflexão sobre esta questão é a confusão entre o apoio à criação e o apoio à difusão. Muitas vezes, principalmente para quem tiver uma visão mais “liberal” do mundo, as duas coisas podem ficar misturadas e parece ser isso o que acontece na Galiza, onde o estado apoia fortemente a circulação de espectáculos (com efeitos evidentes nas lógicas de divulgação e nos mecanismos de marketing dos espectáculos), criando um tecido cultural que, aparentemente, arrisca muito pouco e se concentra na capacidade de circular e servir os públicos. É este o sonho de muitos intelectuais portugueses que se manifestam contra a subsídio-dependência. Mas não é um sonho bonito no que a criação diz respeito. Apesar de ter claros efeitos benéficos nas estratégias de circulação.
Já do lado de cá da fronteira, parece não existir nenhuma escolha consciente, clara e/ou consequente relativamente à forma dos apoios à criação: se não há distinção entre apoios à circulação e criação, a verdade é que os diversos projectos parecem condenados a ter que se justificar e alavancar nestas duas esferas, muitas vezes contraditórias, sendo finalmente avaliados numa completa mistura opaca entre critérios de validade estética e lógicas de saudável rentabilização de investimento. É por demais evidente (não é?) que a função do Estado no sector deverá ser assegurar o acesso à cultura a todos os cidadãos e que isso se consegue de três formas:
- apoiando a criação/manutenção de infraestruturas de circulação da cultura de forma abrangente (territorial, social, económica e geracional)
- apoiando a criação onde o mercado falha (e o mercado falha sempre em algumas áreas e não é só cá)
- apoiando o ensino das artes e pelas artes como instrumento de construção da cidadania plena
O que não é nada evidente— muito pelo contrário— é a razão pela qual o (nosso) estado considera razoável juntar criadores, promotores e difusores de cultura em conjuntos indistintos, separados apenas por ténues fronteiras disciplinares, impondo a todos regras semelhantes na candidatura a apoios e subsídios. A razão poderia ser estratégica, mas parece mais uma mistura de preguiça e miopia.
Se houvesse estratégia, haveria clareza e rigor e, com isso, ganhávamos todos. Porque se houvesse estratégia, haveria integração entre estes 3 vectores que refiro. E seria possível “ler” essa estratégia nos diferentes níveis de decisão e a diversas escalas. Haveria objectivos, metodologias, prioridades. Há alguém capaz de enunciar alguma destas coisas na política cultural do nosso país dos últimos… 30 anos?
Mas como dizia ontem, em conversa entre colegas, a propósito das fragilidades produtivas do nosso sector audiovisual, “o problemas que nos aflige nesse sector é o mesmo que nos aflige nas obras públicas: incapacidade de projectar“…
E com isto vos deixo, antes de partir para Bruxelas.
Até ao meu regresso.
Um comentário a “Que tipo de apoio para as artes?”
Há muito que se pode fazer… Assim de rajada lembro-me logo de dois “escândalos” (na minha opinião assim são):
* um deles é o IVA aplicado à música (os produtos culturais como o livro têm um IVA de 5%, mas a música tem uma IVA de 21%…)
* o outro, talvez ainda pior, é a desresponsabilização quanto à situação de cartel, qual máfia, das sociedades ditas “protectoras” dos autores e artistas. É completamente ridículo o facto de, por um lado, termos a protecção legal (e devida) que nos diz que por omissão somos os autores e temos os direitos de autor das nossas obras, mas por outro lado os impedimentos impostos pelas ditas sociedades em relação a toda a indústria, o que faz com que, para dar apenas um exemplo, um artista em Portugal que queira gravar um CD Audio (em Portugal) que seja fabricado e impresso numa replicadora Portuguesa precise se _obrigatoriamente_ ter a sua obra registada na SPA ou na GDA, apesar de tal não ser obrigatório pela lei… Fazer o paralelo desta situação com a máfia tradicional é fácil em demasia.