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Está tudo ligado

Anteontem:

“A grande preocupação que temos é a de que o país possa ser mais auto-suficiente do ponto de vista alimentar”, disse [Francisco Louçã], defendendo a necessidade de uma “política sensata” para evitar que os portugueses, que “hoje ganham muito menos, sejam tão penalizados”.

Ontem:

Primeiro produtor mundial de arroz, a Tailândia já se tinha pronunciado por uma acção concertada anunciando (…) a sua intenção de criar, juntamente com outros países ribeirinhos do rio Mekong (…), um convénio para fixar os preços do arroz baseado no modelo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
(…)
“Quando as pessoas têm fome, entram em desespero e tomam atitudes desesperadas”, advertiu recentemente na Austrália o professor da Universidade de Deakin Damien Kingsbury.

Face à possível escassez alimentar resultante da subida de preços, o Governo da Malásia anunciou ontem que vai adiar projectos públicos não essenciais e usar as respectivas verbas para criar reservas de alimentos.

“Não podemos esperar que [a escassez de alimentos] aconteça. Nessa altura será o caos”, justificou o primeiro-ministro malaio, Abdullah Ahmad Badawi.
(…)
Sem especificar ainda o montante da ajuda [planeada pelo Banco Asiático de Desenvolvimento], que “dependerá dos pedidos dos países em causa”, Kuroda [presidente do BAD] exemplificou que o preço do arroz triplicou nos últimos quatro meses, algo que, em sua opinião, “não se pode explicar pela leia da oferta e da procura”.

Já sabemos que as próximas crises não vão estar ligadas ao preço dos combustíveis, mas ao preço dos bens alimentares essenciais. E sabemos que está tudo ligado e que a política económica que eliminou a esmagadora maioria da nossa capacidade de produção alimentar (agropecuária, pescas, …) é uma ameaça real à nossa soberania.

E, nunca é demais frisá-lo: O MERCADO NÃO FUNCIONA!

7 comentários a “Está tudo ligado”

Uma vez mais, uma afirmação do género “O MERCADO NÃO FUNCIONA” é extremamente generalista e inapropriada.

O mercado está em funcionamento, mas não na direcção desejada: o crescente uso do petróleo levou ao proporcional crescimento dos biocombustíveis para colmatar a subida do preço do petróleo. Por sua vez, quando a procura aumenta, os preços aumentam também. Foi o que aconteceu aos alimentos, visto que estes são usados para os biocombustíveis.

A investida que deverá ser feita é garantir uma menor dependência nos combustíveis fósseis e priveligiar o uso de híbridos e outros meios de transporte não poluentes (por exemplo, oferecer bicicletas, reduzir preços dos transportes públicos rodoviários e ferroviários, etc..). Assim, diminuirá a procura de biocombustíveis e os preços baixarão. Se as únicas medidas a tomar forem a produção por excesso poderá acontecer uma situação de deflacção quando o mercado se auto-regular, situação bem pior que a vivida actualmente.

Mário:

Parece-me que o sentido da frase “O mercado não funciona” era precisamente esse: sem intervenção, o mercado leva à destruição da economia. Na verdade, penso que o mercado funciona — abundância faz os preços baixarem, escassez faz com que subam — o problema são os efeitos laterais, como a fome, a guerra e a destruição das economias menos produtivas (mas essenciais, mesmo assim).

Já agora, exceptuando as bicicletas, todos os outros meios de transporte que referiste dependem de combustíveis fósseis.

Não necessariamente: muitos dos comboios são eléctricos logo não precisam (directamente) de combustíveis fosseis e, caso a fonte de electricidade seja nuclear ou solar, não são sequer dependentes deles.

António,

Deixa-me corrigir: o mercado funciona efectivamente, mas em algumas situações necessita de intervenção. O funcionamento do mercado é aliás um dos pilares fundamentais da Economia pós-Revolução Industrial.

Se se constatar a subida dos preços como um problema endémico e se decidir seguir a sugestão de Francisco Louçã, o que acontecerá é que existirão muitos mais produtores e oferta, embora a procura continue precisamente a mesma. Com o crescimento do número de produtores e assim que o mercado estabilizar (se equilibre a produção de biocombustíveis ou baixe o preço do petróleo por aumento da produção) vai ocorrer uma deflacção, pelo que todos esses produtores irão entrar em falência pois não conseguirão vender os seus produtos a um valor rentável.

Por outro lado, a consequência do preço do petróleo é precisamente o mercado ser controlado pela OPEC, que regula os preços e a extracção de petróleo. Se fosse um mercado livre em que cada país decide quanto produzir existiria uma competição entre produtos e os preços baixariam em flecha — mas isso não interessa aos produtores, daí o cartel.

Por fim, não interessa se os transportes públicos usam combustíveis fósseis ou não. A questão é que um autocarro transporta 60 pessoas e um carro transporta no máximo 5, e em média (em Portugal) 1.

Mário: no teu primeiro comentário dizes tudo. “O mercado está em funcionamento, mas não na direcção desejada”. Se juntarmos a isso a ajuda do António, “sem intervenção, o mercado leva à destruição da economia” e “o problema são os efeitos laterais, como a fome, a guerra e a destruição das economias menos produtivas (mas essenciais, mesmo assim)” chegamos à minha síntese, que repito: O MERCADO NÃO FUNCIONA.
Se quiseres, elaboro um pouco mais: o mercado não funciona porque não serve as pessoas, serve-se a si próprio e aos seus intervenientes mais poderosos. Deixar o mercado funcionar, independentemente da “direcção desejada”— ser liberal, portanto—, é assumir os “efeitos (co)laterais” de que fala o António. Eu não dou para esse peditório.
E acredito que a fé no mercado não tem futuro. Quero acreditar. Não me leves a mal.

Eu também não sou liberal, longe disso. Mas isso não significa que não olhe para o mercado como um princípio económico e observe que a sua sustentabilidade depende do seu correcto funcionamento.

Ou seja, o que eu quero dizer é que se existissem medidas milagrosas (como muitos partidos de esquerda tentam fazer passar) que permitissem dar a volta ao mercado, resolver todos os problemas, permitir equidade e igualdade.. bom, viviamos num mundo perfeito. Não sendo assim e sendo impossível de regular determinados mercados, o melhor é mesmo saber jogar com ele.

Qual seria a hipótese ao mercado? Por o país a produzir arroz, como na China? Incentivar privados a começarem a produzir arroz em Portugal e quando existir excedente essas pessoas vão à falência?

É que de suspiros e lamentações estamos todos. Ninguém quer pagar muito pelo gasóleo nem pelo arroz que come. Agora, há depois dois caminhos, o idealista e o realista. Eu prefiro seguir o realista.

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