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O conforto, a tranquilidade e a sedução dum mundo a preto e branco

Aldo Naouri, em entrevista ao Público, fala dum mundo que eu desconheço. Um mundo a preto e branco, rigorosamente binário, em que os “Os maus pais são os que acham que a criança tem direito a tudo“, em que “As crianças de famílias monoparentais são crianças sós” e “Quanto aos casais homossexuais, a criança é como que um produto“. Este respeitável pediatra, já reformado, debita estas verdades absolutas com o á-vontade e a experiência de quem atende crianças e seus pais, cujos principais problemas são “Falta de disciplina, mau comportamento, desobediência nas horas de comer, tomar banho ou de dormir“, tratados em 48 línguas no seu consultório parisiense, de onde se vê que “São poucas as [crianças europeias] que vivem essas situações [miséria, vítimas de abusos e de maus tratos]”. Eu talvez gostasse de viver nesse mundo mais simples e, aparentemente, onde a vida e a educação das crianças é mais simples. Um mundo onde a forma e o tom das instruções dadas pelos pais é mais importante e significativo que o conteúdo dessas instruções. Um mundo onde uma educação autoritária dá origem a democratas convictos e uma educação democrática expele fascistas empedernidos…

Mas, a sério: “Os pais nunca pedem desculpa. Devem falar com firmeza e ternura. Nunca temos de nos justificar, nem de dar argumentos à criança. Podemos explicar, mas não justificar. O limite entre ambas é ténue, por isso defendo que na maior parte das vezes nem se explique.” ?? Até que idade é que se faz isso? Quando é a que a construção da identidade e autonomia da criança passa a ser assunto? É suposto que os pais se isentem da participação nesse processo? E se se sugere uma correlação entre a frequência dos divórcios e o estado divorciado dos progenitores, ou um estado particular de solidão nos filhos de pais sozinhos… porque não se concretiza uma relação entre uma educação autoritária e um indicador de convicção democrática ou o contrário? E porque é que me parece que este discurso absolutista, absolutamente anacrónico e desfasado da realidade é usado de forma oportunista, por ter um enorme potencial mediático?

Resumidamente, por muito que me reveja em algumas afirmações sobre a necessidade de estabelecer relações mais verticalizadas entre pais e filhos ou sobre a necessidade de perceber que, com o desmantelamento de relações tradicionalmente autoritárias e, mais do que isso, com a falta de confiança dos pais, poderemos estar a criar “tiranos”, não me passa pela cabeça que a demonstração de confiança por parte dos pais tenha que passar pela construção duma relação autoritária e opaca. Instruções estúpidas dadas com plena confiança e autoridade são instruções estúpidas que prejudicam a criança. Instruções inteligentes explicadas e até discutidas, continuam a ser instruções inteligentes. E nada em nenhum processo tão complexo, completo e total como a educação duma criança é assim tão simples. Nem tão congelado no tempo.

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