
“… was there to illuminate the night sky…”, Trespass Trio
CLASSIFICAÇÃO: 5/5
«O que é que podemos conseguir com cordas, palhetas, peles e paus?
Além de sermos ignorantes fazedores de música, o que é que somos?
Estamos a tentar ver através do esventramento da nossa sociedade, mas com sons– uma tarefa impossível, poderão dizer. Uma audição cega. (…)
Como fazer música no ano 2009? Digam-me vocês!»
Esta angústia de Martin Küchen, expressa nas notas da edição, marca este “… was there to illuminate the night sky…” da primeira à última nota, concedendo à experiência de audição uma intensidade emocional verdadeiramente invulgar. A substância exacta ou a motivação da mensagem política de Martin Küchen, da sua ira e frustração, é verdadeiramente de angústia que se trata, não são sequer necessárias para que o disco nos arrepie e entre por baixo da pele, nos interrogue e nos preencha com essa angústia, uma tristeza profunda e paralisante, que tememos, mas aceitamos.
Através dos seus saxofones e da sua escrita musical, profunda, genuína e desesperada, Martin Küchen envolve os seus parceiros do Trespass Trio e os ouvintes numa experiência quase catártica e o disco parece transcender a superficialidade de registo sonoro e transforma-se em instrumento terapéutico ou arma de combate… E se a construção dum projecto musical à volta duma genuína mensagem política de revolta é, nos dias que correm, relativamente rara, raríssimo é que o resultado desse projecto seja capaz de sensibilizar fisicamente os seus ouvintes, mobilizando-nos emocionalmente exclusivamente através da música.
“… was there to illuminate the night sky…” corre seriamente esse risco, na alternância consequente entre um grande ira e revolta e uma simplicade e pungência avassaladoras, colocando os melhores recursos destes 3 instrumentistas escandinavos de referência ao serviço da construção de momentos emocionalmente densos, sem medo do belo trágico ou falsos pudores líricos. Essa pungência, assim como o carácter militante, recorda vagamente, “Alerte à l’eau / Water Alert” (Label Bleu, 2007), do sexteto de Henri Texier, Strada, com o som de François Corneloup no sax barítono. Mas na militância ambientalista do veterano francês Texier, há réstias de esperança e sinais de vida, enquanto que na obra do saxofonista sueco, parece não existir outra luz que não a de uma bomba de fósforo. Eventualmente uma vela tremeluzente.
Martin Küchen despeja a sua alma através das suas composições, primeiro, mas, de forma mais evidente, através dos saxofones, com especial eficácia visceral no barítono. E conta com a solidária companhia e o apoio empenhado de Per Zanussi e Raymond Strid, uma secção rítmica de sonho na música improvisada escandinava.
E um homem que despeja a sua alma na música que faz, tem em si a coragem de mudar o (seu) mundo. E oferece a quem ouve essa magnífica e rara oportunidade de, com ele, lavarmos um pouco da nossa própria alma. Intenso, eventualmente perigoso, mas precioso.
“… was there to illuminate the night sky…”, Trespass Trio
Edição: Clean Feed, 2009
Gravação: Oslo, 2007
- Martin Küchen: saxofone alto e barítono
- Per Zanussi: contrabaixo
- Raymond Strid: percussão