Por razões várias, assisti ao processo de registo de várias marcas nos últimos tempos e tenho observado com algum desprezo um fenómeno que, com o passar do tempo e a sofisticação, me preocupa.
Há empresas de consultores1 a enviar cartas para requerentes de registo de marca, escritas e formatadas (a começar logo nos nomes e identidades gráficas das empresas) como se se tratassem de documentação oficial, de tipo jurídico, apresentando a necessidade de contratar serviços de “protecção” e “vigilância” da marca, incluindo valores a pagar e dados de pagamento, incluindo NIB, em alguns casos. Referenciam o número do pedido, e incluem o sinal no caso das marcas figurativas, mostrando bastante sofisticação considerando o prazo que medeia entre a efectivação do pedido de registo e a recepção destas comunicações. A natureza do do serviço que propõem, pela forma contorcida como é descrito não deve ser ilegal, mas é certamente questionável, já que o registo da marca, que se propõem vigiar e proteger ainda não é efectivo. Claramente de natureza dúbia e muito pouco ética é a forma como se inclui na comunicação um processo rápido de proceder a um pagamento, que pode ultrapassar os 100 euros, pro um serviço que não está descrito de forma clara, que não inclui nada que não seja da competência do próprio Instituto Nacional de Propriedade Industrial, responsável pelo registo das marcas e por um primeiro filtro de admissibilidade que protege as marcas das ameaças mais óbvias enumeradas por estas empresas de consultores.
Comunicações como as que tenho aqui em cima da minha secretária, de empresas como a Gastão da Cunha Ferreira, Lda ou a Álvaro Duarte & Associados podem ser consideradas “marketing agressivo”, onde estes prestadores de serviços entram em contacto automático com todos os potenciais clientes simplesmente usando o próprio Boletim de Propriedade Industrial. Estas comunicações automatizadas e massificadas compreendem-se numa área que devia ser fácil há umas décadas, mas onde a simplificação e desmaterialização dos processos, associada à emergência de novas gerações de empreendedores, menos formalistas e, por isso, mais autónomos, deve ter operado algumas pequenas revoluções, mas há uma diferença significativa entre uma atitude pró-activa, de contacto com todos os potenciais clientes, com informações sobre os serviços que se presta e eventuais características diferenciadoras da empresa que se representa, incluindo informações sobre o preço de alguns serviços e a inclusão nesta comunicação de preços específicos e dados de pagamento, assim como de dados referentes ao cliente que, objectivamente se destinam a induzir o requerente em erro e aproveitar qualquer distracção para obter um pagamento ao qual não corresponde nenhum serviço contratado. Podemos interpretar isto de várias maneiras, mas o objectivo destas cartas, que todos os requerentes de novas marcas devem estar a receber, é o de confundir as pessoas e/ou aproveitar a confusão existente sobre o que é preciso pagar e quando para facturar2 dinheiro fácil.


Isto é grave porque, se é claro que uma parte dos empreendedores mais informados e autónomos compreende as cartas pelo que elas são e nada mais, alguém com menos informação ou autonomia, que decida confiar na simplificação de processos tantas vezes anunciada, pode perfeitamente presumir que esta comunicação é o sinal de que “afinal não é assim tão simples e preciso de contratar uma empresa”.
Pode ser subtil, mas é extorsão.
Nada subtil e muito perigosa— e certamente ilegal, espero eu— é a actividade de empresas como a Brand Land, cuja “proposta de contrato” também tenho aqui ao meu lado. Estas bases de dados de marcas sem qualquer utilidade— relativamente às quais algumas das outras empresas alertam os seus clientes—, enviam aos requerentes de novas marcas um formulário claramente enganador, pré-preenchido com os dados entregues ao INPI, para registo da marca (na sua base de dados). Este formulário completo, com dados de pagamento por Multibanco e valores aproximados às expectativas que poderá ter um requerente— que achará que as taxas praticada no registo online são muito mais baixas relativamente ao que ouviu falar3— é uma tentativa clara de “golpe” e a leitura das “condições gerais da prestação de serviços”, no verso, onde se esclarece que isto não é sequer uma “proposta de contrato” como se lê em letras pequenas na frente (o título do formulário é “MARCAS – Info-registo de marcas nominativas / de marcas figurativas / de marcas mistas na internet”, com o sub-título “Proposta para a publicação do REGISTO DA MARCA”), mas sim um “convite a contratar, estando a celebração do contrato dependente da aceitação pela BRAND LAND da proposta de subscrição dos serviços apresentada no verso pelo CLIENTE”.

Esta é uma operação sofisticada de burla e considerando que, num período de 5 anos, esta é a 3ª marca que ajudo a registar e me tenho deparado sempre com situações semelhantes a esta, interrogo-me até que ponto é que o INPI leva a sério as suas atribuições, que incluirão, certamente, uma monitorização do sector que identifique e corrija estes abusos.
É evidente que há uma enorme diferença entre os “consultores em propriedade industrial” que se propõem a proteger e vigiar a marca que acabou de ser publicada no Boletim do INPI, enviando-nos o seu NIB e uma “conta” de 150 a 160 euros e uma base de dados online que envia formulários com referências de pagamentos Multibanco de 430 euros por uma publicação do registo da marca, sem validade jurídica. Aliás, até os primeiros nos avisam da existência dos últimos.
Mas é claro que a falta de (in)formação está neste caso a ser explorada indecentemente e é urgente a tomada de medidas por parte do INPI, nem que seja através da publicação de alertas no site e nas comunicações com os requerentes relativos a estes esquemas paralelos.
Da minha parte, deixo este alerta ilustrado, esperando que seja útil para alguém.
1 “attorneys” em inglês, mas consultores em português
2 presumindo que seria emitida uma factura e/ou assinado um contrato a posteriori
3 o pedido de registo duma marca (1 classe) custa actualmente 100 euros (online) com um prazo de 10 anos, assim como a renovação ou a “manutenção dos direitos”, mas custa o dobro se for feito em papel e estes preços são recentes