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Atabicar o Caminho

Um audiowalk para Guimarães (2013)

Com partida na Plataforma das Artes e da Criatividade, Atabicar o Caminho é uma intervenção sonora sobre um percurso de exploração da envolvente urbana do Rio de Couros, cruzando e unindo alguns dos seus espaços singulares, entre as antigas propriedades das Dominicas, onde se instalaram o novo espaço da Feira Semanal e do Mercado Municipal, a jusante, e o núcleo central da Zona de Couros, a montante. Este projeto, desenvolvido em contacto com indivíduos e comunidades que, de formas diversificadas, habitam, usam e conhecem este território, pretende refletir sobre a natureza dos processos de evolução da cidade.
Um passeio de natureza imersiva, sobre um percurso invulgar, que cruza diferentes visões e relações, na construção de um objeto artístico que se assume como “uma companhia sonora para caminhantes solitários”(1).

Conceção e criação: João Martins
Apoio à dramaturgia: Nuno Casimiro
Interpretação (voz off): Pedro Carreira, com participação especial de Ana Vitorino e Tommy Scanlon

Uma encomenda e produção do Serviço Educativo de Guimarães, Capital Europeia da Cultura

(1) O formato audiowalk, com este “mote”, foi inicialmente desenvolvido em Portugal pela companhia de teatro Visões Úteis, com a colaboração de João Martins.

As cidades são, antes das casas, das ruas, ou das praças, os locais onde nos juntamos. Onde paramos e nos tornamos verdadeiramente gregários: escravos do território que julgamos explorar. Ou que exploramos mesmo.

São os sítios das biografias colectivas, dos conflitos pequenos e grandes, domésticos e públicos.

São mais do que a soma do que somos, porque são também o que nos subtraímos e os milagres e os desastres da divisão e multiplicação de recursos e malfeitorias que fazemos ou deixamos fazer.

São o que espalhamos à nossa volta nesse momento de parar e dizer: “é aqui”. É aqui que nascemos, é aqui que morremos.

A Ribeira de Couros atravessa a cidade de Guimarães em regime de apneia. Ouvimo-la resfolegar debaixo das ruas, vemo-la ser engolida pelos edifícios, sabemos que, desde tempos imemoriais, as “gentes de luta e labor”— dos curtumes e não só—, canalizaram e canibalizaram a Ribeira e sobre ela construíram os espaços do trabalho e da vida.

A cidade fora da cidade, fora do perímetro muralhado, com cheiros e vidas que não juntavam ao útil, o agradável, encosta-se nas margens da ribeira. Sobre ela se debruça e pousa as suas estruturas. Bebe a água que nasce na Penha e é com ela que alimenta a terra e o trabalho e é sobre ela, também, que despeja os seus desperdícios.

Sim, é o “merdário”, esta ribeira que se esconde debaixo das ruas e das casas, mas é também com ela que se lava a roupa nos tanques públicos e se regam os campos, da Penha até à Veiga de Creixomil.

Junto ao novo Mercado Municipal— onde o vento faz ranger as lonas e se ouve uma catatua—, a ribeira reencontra o ar e, por breves instantes, interrompe a sua prolongada apneia.

Em alguns dias, a cor da água, sugere que, algures, entre a Penha e a cidade, alguém lava toda a roupa de Guimarães nesta água. Imagino um tanque gigantesco e braços fortes a esfregar séculos de fraldas e lençóis da nação que nasceu de uma disputa familiar.

(Um filho e uma mãe desavindos terão sempre muita roupa suja para lavar.)

Mas logo a água se some, engolida por estruturas seculares— o Brecht diria qualquer coisa sobre tudo isto, com certeza— e as voltas que damos à procura desses assomos da água, ensinam-nos os caminhos de Couros e das quintas que se haviam de plantar nestas margens até à Veiga de Creixomil, onde as águas já só desperdício, já só fedor, se haviam de aliviar e purificar na rega dos campos.

É também nesta violência sobre as águas que se desenha e define a cidade; nesta mistura de exploração exaustiva e controlo obsessivo que faz nascer casas que engolem a ribeira.

Na rua onde se planta um Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura, um Mercado e uma Feira, a ribeira circula, em contra-mão, algures debaixo de nós.

Canalizada e posta ao serviço da indústria, em tempos, que corrente é esta agora? O que traz e para que serve?

Imagino os “rápidos” na escuridão total deste ventre pós-industrial.

E aquela árvore solitária? Há quanto tempo está a olhar para nós?

João Martins

Texto publicado no jornal LURA, n.º 24, abril a julho 2013.

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Biométricos Rua (última semana)

Esta é a última semana para experimentar a 1ª parte da 44ª criação do Visões Úteis: Biométricos Rua.

Até ao dia 1 de junho, o público pode dirigir-se ao Espaço Montepio, na Avenida dos Aliados, e requisitar um smartphone que contém a aplicação “Biométricos Rua”. Cada espetador é então desafiado a escolher um percurso para ligar um conjunto de Estações obrigatórias, espalhadas pelo centro do Porto. Para concluir o desafio, deverá validar os códigos QR Biométricos que aí encontrará. O percurso é monitorizado por GPS e condiciona a banda sonora ouvida a cada momento.

Existem pontos extra que podem ser obtidos validando códigos específicos nos locais assinalados no mapa: Pontos de Esforço, em trechos que implicam especial esforço físico ou desvios ao percurso mais direto, e Pontos de Calma, onde a localização dos códigos é obtida mediante especial atenção às indicações fornecidas na banda sonora.

Se concluir o desafio, o espetador poderá inscrever o resultado da sua performance num ranking onde o tempo de realização do percurso e o total de pontos recolhidos determinarão a sua posição.

Não há um percurso lógico, não há uma velocidade certa. É o espetador que escolhe o caminho e o grau de esforço físico que quer dedicar ao desafio.

Biométricos Rua – 17 de maio a 1 de junho / Espaço Montepio
Avenida dos Aliados nº90, das 11h às 17h (horário da última saída)

Coprodução: Visões Úteis / Fundação de Serralves; Apoio Financeiro: Porto Lazer

  • Direção: Ana Vitorino, Carlos Costa e João Martins
  • Cocriação: Inês de Carvalho
  • Leitura Vídeo: Alexandre Martins
  • Imagem: João Martins / entropiadesign
  • Coordenação de Produção: Marina Freitas

Biométricos Rua

  • Concepção e interface da aplicação, banda sonora original e sonoplastia: João Martins
  • Programação: Óscar Rodrigues (Digitópia/Casa da Música)
  • Textos: Ana Vitorino, Carlos Costa e João Martins e entrevistas com Alexandre Viegas, António Fonseca, Conceição Martins, Ester Alves e Isabel do Carmo
  • Interpretação: Ana Vitorino, Carlos Costa, Inês de Carvalho, João Martins, José Carlos Gomes e Marina Freitas e ainda Alexandre Viegas, António Fonseca, Conceição Martins, Ester Alves e Isabel do Carmo

Com citações de Alberta Lemos, Carlos Sá, Filippo Tommaso Marinetti, Hugo Ball, La Fontaine por Curvo Semedo e Marion Bartoli. A banda sonora inclui registos de ensaio do NEFUP, de situações em contexto de trabalho e desporto, e um excerto da transmissão de uma partida de ténis entre Michelle Brito e Maria Sharapova.

 

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Esta rua não é só um número, apresentação

“Esta rua não é só um número” é uma peça de arte sonora comunitária: um esforço colaborativo para desenhar um mapa que se ouve, uma cartografia sonora.
Em oficinas com crianças, adultos e séniores, (re)aprendemos a ouvir com todos os sentidos e também com a memória, para procurarmos as paisagens sonoras, os eventos e os estados de espírito que constroem a identidade do lugar.
Estas paisagens incorporam registos mais objectivos, como gravações de campo, entrevistas e testemunhos, registos mais subjectivos, como as interpretações musicais de locais ou eventos e materiais híbridos, construídos a partir da manipulação dos registos.
Partilhámos mapas feitos de locais e percursos habituais, preferidos e imaginários e a a sobreposição destes mapas (re)constrói uma cidade que podemos ouvir, em fragmentos, distribuídos pelos diversos pontos de difusão da peça.
Nesta difusão fragmentada, há elementos comuns, estruturais e há grupos temáticos, que constituem a identidade específica de cada um dos locais de difusão. Mas há também excertos de percursos e narrativas que têm continuidade noutro local e que convidam à circulação e ao jogo de encaixar peças de um puzzle sempre incompleto.
Em cada um dos locais de difusão coexistem materiais diversos: ambientes públicos em difusão geral, testemunhos pessoais, em micro-altifalantes e materiais que exigem uma escuta mais atenta, em auscultadores.

“A casa”

Na Casa Alves Ribeiro, no espaço protegido das garrafeiras, sentamo-nos e pensamos na dimensão pessoal e íntima da cidade. Falamos sobre as suas fronteiras e sobre a relação com o exterior. Ouvimos confidências. Confrontamo-nos com o passado da vila e com o seu crescimento.
Estamos protegidos.

“O corredor”

No famoso corredor da Aipal, recriamos fragmentos dos circuitos familiares nocturnos da cidade de Espinho e pensamos na sua história. Pensamos no “picadeiro” e na Avenida 8 e, aproveitando a forma característica do espaço, reflectimos também aqui sobre a relação de Espinho com o comboio, ao longo do tempo.
Estamos de passagem.

“A pesca”

A cafetaria Conde Ferreira, instala-se no edifício da Junta de Freguesia de Espinho, que é também posto de turismo, e convida-nos a desfrutar da esplanada. Entre estes interiores e exteriores acompanhamos fragmentos do ciclo da pesca. Ouvimos o mar e as redes e pensamos nas origens piscatórias do lugar. E, já que aqui estamos, deixamos a praia entrar mais um pouco.
Estamos ao sol.

“A feira”

Em toda a sua calma, a casa de chá 20 Intensus, fica bem perto do centro da maior agitação da cidade. Pensamos na feira de Espinho e no ritmo semanal que impõe. Comparamos o seu funcionamento com a natureza do espaço que ocupa e visitamos a feira, mas visitamos também o vazio criado pela sua ausência.
Estamos só a ver.

“A circulação”

A posição da Perles de Chocolat, na Rua 23, permite-nos observar o sobe-e-desce da cidade, no seu ritmo constante de actividades complexas. Reconstruímos os ritmos diversos e as funções que fazem a vida da cidade. Pensamos nos locais de trabalho e nos locais de lazer. Na circulação.
Estamos a fazer uma pausa.

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Grândola, uma cábula útil para os dias que correm

Para reler e refrescar a memória. Ninguém precisa de ficar só a trautear.

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade

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Mega Picnic da Sustentabilidade – Aveiro

MEGA PICNIC DA SUSTENTABILIDADE - Aveiro | Venha aproveitar os nossos espaços verdes! Escolha um dia e convide a família e amigos para um picnic num dos maravilhosos estaleiros que o Parque da Sustentabilidade instalou por toda a cidade. É só escolher! Rossio, Alboi, Baixa de S.to António, Parque Infante D. Pedro.  QUEREMOS OS NOSSOS PARQUES DE VOLTA!

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Por estes dias…

Eu fui às manifestações. Eu vou às manifestações. Faço a minha parte. Mas estas palavras não me saem da cabeça:

Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer-se dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-faxistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas é sempre o mexilhão, eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto, viva o Porto, viva o Benfica! Lourosa! Lourosa! Marrazes! Marrazes! Fora o arbitro, gatuno! Qual gatuno, qual caralho! Razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho? Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de policia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! Podes estar descansado que o Teng Hsiao-ping está a tratar de ti com o Jimmy Carter, o Brezhnev está a tratar de ti com o João Paulo II, tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas. A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias, ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou! Vão te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer, votas à esquerda moderada nas sindicais, votas no centro moderado nas deputais, e votas na direita moderada nas presidenciais! Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no natal?! Era o que faltava! É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, ora toma, para safado, safado e meio, né filho? Nem para a frente nem para trás e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né? Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega. Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canada ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acho normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar! Descontrai baby, come on descontrai, afinfa-lhe o Bruce Lee, afinfa-lhe a macrobiótica, o biorritmo, o hoscópio, dois ou três ovniologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas! Piramiza filho, piramiza, antes que os chatos fujam todos para o Egipto, que assim é que tu te fazes um homenzinho e até já pagas multa se não fores ao recenseamento. Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá! Dá-lhe no Travolta, dá-lhe no disco-sound, dá-lhe no pop-chula, pop-chula pop-chula, iehh iehh, J. Pimenta forever! Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti, não te chega para o bife? Antes no talho do que na farmácia; não te chega para a farmácia? Antes na farmácia do que no tribunal; não te chega para o tribunal? Antes a multa do que a morte; não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, ah? Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu ah? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é ‘pequeno burguês’, o menino pertence a uma classe sem futuro histórico… Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado, eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto, eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa, deixem-me só porra, rua, larguem-me, desopila o fígado, arreda, T’arrenego Satanás, filhos da puta. Eu quero morrer sozinho ouviram? Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se eu tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe…
José Mário Branco, FMI (transcrição daqui)

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=_Adp77ivpT8[/youtube]

Não quero contribuir em nada para a banalização deste momento histórico que o José Mário Branco criou em 1979 e partilhou uns anos depois. Mas o momento de partilhar e pensar é este.

Dia 13 de Outubro há manifestações culturais em várias cidades do país. Eu vou estar na minha cidade, Aveiro, e vou tocar algo que é muito especial para mim. Fazer o meu trabalho, portanto.

E vocês?

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Diz-me com quem queres andar…

Eu não sou adepto de ditados populares, mais que não seja porque há mais do que um para todas as ocasiões e, normalmente são contraditórios. Mas, quando comecei a pensar no assunto que me leva a escrever, ocorreu-me, para o título, uma corruptela do famoso “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”.

Isto a propósito de um aspecto que me parece ser fundamental para a relativa falta de saúde do debate político que se faz aqui por Aveiro. Há bastante tempo que a irrelevância que Aveiro assumiu no contexto nacional me faz confusão: com certeza que coexistem factores de várias origens que se relacionam de formas complexas para que assim seja, mas, em boa verdade, a cidade de Aveiro desqualificou-se e foi desqualificada no plano institucional, mediático, social, cultural e económico, de forma mais ou menos contínua nos últimos anos e não parece existir grande vontade, por parte dos protagonistas políticos, de inverter esta tendência. É como se houvesse um acordo de cavalheiros relativamente à reduzida importância da cidade de Aveiro e, nesse acordo, participam políticos, órgãos de informação, agentes económicos e instituições da cidade que, sinceramente, nem sempre percebo o que ganham com o “encolhimento” da cidade.

Exemplos desse “encolhimento” aparecem na forma de decisões sobre infra-estruturas fundamentais, como os serviços de comboios prestados pela CP, a alteração da circulação na rede viária que nos estrangula em SCUTs, propostas absolutamente estapafúrdias de alteração de modelos de gestão do estacionamento, desinvestimento e despromoção em equipamentos culturais e serviços do estado central, intervenções urbanísticas criminosas, etc. Cada um de nós sente cada uma destas decisões (e outras) como agressões às legítimas expectativas de uma cidade que é, para lá da realidade, a soma dos nossos sonhos projectados. Cada um de nós sentirá também, e por isso mesmo, um grande desânimo e frustração ao ver como estas decisões são tomadas, sem grande discussão ou participação, sem que surjam vozes fortes a demonstrar pensamentos claros e articulados que nos permitam pensar que as coisas podiam acontecer de forma diferente.

O grau de interesse individual far-nos-á participar em discussões políticas diferentes na forma, no conteúdo e no local, da conversa de café ou da cadeira do barbeiro, às reuniões partidárias e Assembleias Municipais, passando por espaços de tertúlia, física mas também (e cada vez mais) virtual. Aí, no calor das discussões, o “encolhimento” da cidade torna-se paradoxalmente mais óbvio: com a cidade encolhida sobre si própria, encalhada entre falta de ambição e visão de alguns, conforto e auto-complacência de outros, e comiseração de muitos, as iniciativas esbarram com a falta de oxigénio de uma cidade “abafada” por um ciclo vicioso de “não há razões ou pontos de interesse na cidade, a cidade perde visibilidade política e mediática; a cidade não tem visibilidade política nem mediática, não se justifica criar razões ou pontos de interesse”.

O quadro que pinto pode ser excessivo no pessimismo, mas esta é a dinâmica espiral descendente a que assisto nos últimos 10 anos, desde que voltei a viver em Aveiro.

E, como disse, tenho pensado e falado sobre isso, mas ocorreu-me escrever algo mais, quando ouvi um argumento que vi atribuído ao Presidente da Câmara num artigo sobre a discussão da privatização da MoveAveiro na Assembleia Municipal. Um argumento que não vi ser discutido como um grave sintoma do estado a que chegou a cidade.

É o argumento de que, dos 300 e tal municípios que constituem a realidade nacional, apenas meia dúzia têm transportes colectivos públicos, sendo por isso quase um execício de arrogância ou irresponsabilidade achar que Aveiro pode estar nesse grupo mais restrito. São os outros que estão enganados?, terá perguntado Élio Maia.

Este é um argumento “espertalhaço” porque apela à má consciência do povo desgraçadinho e invejoso que gostamos de ser. Mas eu, pessoalmente, preferia que Aveiro, no discurso político e na ambição urbana, evitasse comparar-se com a realidade dos 300 e poucos municípios portuguese e assumisse a ambição de fazer parte de alguns subconjuntos dos mesmos. Por exemplo, porque é que temos vergonha de assumir que estamos numa capital de distrito, que nos faria fazer parte de um grupo mais restrito de 18 cidades portuguesas em alguns dos nossos exercícios comparativos? Bem sei que o título de “capital de distrito”, em si mesmo, significa pouco, mas é um critério de comparação de cidades mais razoável do que o simples “município”. Municípios— lá está— há muitos, como os chapéus.

E se este critério não nos agradar, a cada momento, temos muitos outros critérios válidos para agrupar municípios, que podem ser úteis para uma forma mais corajosa e ambiciosa de pensar Aveiro: cidades com Universidades; cidades com linhas de comboio e paragem dos comboios Alfa e Intercidades; cidades do litoral centro/norte; etc, etc.

Se escolhermos um critério real— não uma daquelas filiações em redes fictícias, criadas para nos sentirmos menos mal— podemos todos subir as expectativas colectivas. E a exigência.

Porque não existe apenas a ambição cega e desmedida que nos trouxe à bancarrota, ou a timidez provinciana que nos estagna. Não pode.

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A (des)propósito do Acordo Ortográfico

Toda e qualquer língua interpreta a facticidade da realidade existencial, de «os dados» (les données immédiates) à sua maneira própria e específica. Cada uma das janelas da casa das línguas abre para uma paisagem e para uma temporalidade diferente, para um segmento diverso do espectro da experiência compreendida e classificada. Nenhuma língua divide o tempo ou o espaço exactamente da mesma maneira que outra língua o faz (tenhamos em consideração os tempos dos verbos hebraicos, se assim lhes podemos chamar); nenhuma língua tem tabus idênticos ao de qualquer outra (daí o profundo donjuanismo do acto de fazer amor em línguas diferentes); nenhuma língua sonha exactamente como outra qualquer. A extinção de uma língua, por muito remota e por muito imune que ela seja ao êxito ou à difusão histórico-material, representa a morte de uma visão do mundo única, de um género de memória, de existência actual e de futuridade. Uma língua realmente morta é insubstituível. Encerra aquilo que Kierkegaard nos convidou a deixarmos em aberto se a humanidade quisesse evoluir: «as feridas da possibilidade». Esse encerramento pode ser, para a tecnocracia da informação e do mercado de massas de finais do século XX, um triunfo. Pode facilitar o imperium das cadeias do pronto-a-comer e das notícias via satélite. Para as oportunidades do espírito humano, em permanente redução, é um processo destrutivo.

George Steiner, in “A Paixão Intacta”

Concordo em absoluto com o que Steiner diz acerca da importância de todas as línguas e de cada uma delas. Tenho pena, por isso mesmo, que o debate mais visível à volta do Acordo Ortográfico se faça em torno de meias-verdades e seja sistematicamente obscurecido pelos vários lados da “barricada” artificial. Relevante seria perceber de que modo é que uma alteração na Ortografia se reflecte numa alteração da língua, por um lado e, por outro, quais os compromissos aceitáveis para assegurar a sobrevivência e prosperidade da língua portuguesa, em toda a sua diversidade, num contexto de ataque real e global às línguas “marginais”.

(Vejam no que dá o estudo de disciplinas como Literatura Comparada por mentes propensas à distração, como a minha…)

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Carta aberta ao Presidente da CMP, a propósito do despejo da Escola da Fontinha

Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto:

Não vivo nem voto na cidade cujos destinos dirige. Mas trabalho aí com frequência e conheço, por razões várias, o projecto da ES.COL.A da Fontinha, tendo trabalhado e convivido de perto com alguns dos seus colaboradores: pessoas que asseguram salas de apoio ao estudo das crianças do bairro, pessoas que asseguram o desenvolvimento de actividades de dinamização do bairro destinadas a gente de todas as idades e contextos, pessoas que participam em actividades culturais, na organização das vontades colectivas, com a simpatia, o apoio, a solidariedade e a participação da comunidade que servem.
Eu sei, por isso, que interesses serve o projecto de ocupação e dinamização da Escola da Fontinha: serve os habitantes daquela área, aquela comunidade alargada e, assim, os interesses da cidade.

Por isso, desde as primeiras notícias de que a Câmara Municipal do Porto pretendia despejar a Escola e tentar acabar com esta ideia, sempre achei que só se poderia tratar de um equívoco. Na altura do primeiro despejo, a vontade das pessoas acabou por prevalecer e a CMP negociou formas que garantissem a continuidade do projecto, segundo se percebeu.
Hoje, estou a receber relatos de que, depois do incumprimento sistemático por parte da CMP dos aspectos negociados, se está novamente a proceder ao despejo da Escola, com recurso a forte aparato policial, com detenções de activistas e controlo dos acessos à Rua da Fábrica Social, sem que ninguém se possa aproximar do local e verificar o que se passa.

A verificar-se esta decisão inoportuna, desenquadrada, contrária aos interesses dos moradores e da cidade, o seu Executivo transmite uma estranha mensagem: aparentemente, não querem que a sociedade civil se organize para diagnosticar e resolver colectivamente os seus problemas. Não valorizam uma cidade feita de pessoas e por pessoas que estão disponíveis a fazer algo mais do que viver as suas vidinhas individuais e, por isso, se reúnem para se apoiarem e valorizarem o espaço que habitam. Não querem uma cidade viva, resistente à crise, capaz e imaginativa.

Apesar de todas as diferenças que nos dividem, não imaginava que seja mesmo esse o seu projecto de cidade, até porque não é natural— é, aliás, um paradoxo— que um Presidente de Câmara assente as suas opções políticas na negação da urbanidade.

Peço-lhe por isso que reflicta sobre o significado profundo das decisões que está a tomar e sobre a forma como está a gerir este processo e tente distinguir entre sentimentos pessoais de desconforto face a movimento e atitudes que não compreende, protagonizados por pessoas que talvez despreze sem conhecer, e o superior interesse da cidade e de quem a habita.

O Porto dificilmente lhe perdoará se não for capaz de o fazer.

Hoje, perdoar-me-á, mas não lhe poderei dar os meus melhores cumprimentos, mas espero poder fazê-lo em breve, após uma sua demonstração de bom senso e sensibilidade.

João Martins

(enviado para presidente@cm-porto.pt)

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Intervenção na reunião do Executivo da CMA

O papel da participação cívica nos processos de tomada de decisão e a importância da informação e transparência

O problema da participação cívica na gestão dos problemas da cidade de Aveiro tem passado por diversas fases. Em Aveiro, como noutras cidades, os movimentos de cidadãos surgem com carácter cada vez mais fluído e agregado em torno de causas relativamente específicas. Sinal dos tempos e da necessária renovação de práticas de gestão democrática da coisa pública que se apoia em direitos constitucionais, por um lado, e procura respostas à relativa falência de modelos mais convencionais de participação.
Uma crise da democracia que, entendida em toda a sua complexidade, a reforça, segundo as mais variadas opiniões e que, nos diferentes órgãos de poder dá origem a novas práticas. Ou pelo menos a novas retóricas e narrativas políticas.

É a natureza dinâmica e evolutiva da democracia que torna consensual, no espectro político (e às mais variadas escalas de decisão, das autarquias às decisões da União Europeia), que a participação dos cidadãos em processos de consulta e decisão colectiva e colaborativa favorece e fortalece os modelos democráticos que constituem os nossos alicerces civilizacionais.
Desde os Orçamentos Participativos, aos apelos para maior transparência e dinamismo nos processos de discussão pública, um pouco por todo o lado, o espaço dado à sociedade civil aumenta, porque aumenta a necessidade de legitimação das decisões e pertença dos projectos.
Os eleitos reconhecem que a eleição não é um livre-trânsito ou um cheque em branco. E os projectos verdadeiramente participados contam com adesão genuína das populações que servem e, assim, tornam-se verdadeiramente públicos. Pertencem-nos.

É este um dos fundamentos da nossa participação, aqui.

E reconhecemos, em discursos que não podem ser apenas de circunstância e em decisões que queremos que sejam consequentes, como as relativas ao Orçamento Participativo, que este Executivo compreende este problema e procura ajustar-se a novos modelos de intervenção. Mas não podemos alimentar ilusões: a participação cívica não é uma questão formal, nem pode ser de natureza regulamentar ou instrumental. Todo e qualquer esforço de  implicação da comunidade nas decisões públicas estará condenado à partida se não se afirmar como continuidade ou consequência de mudanças reais de metodologias e mentalidades.
Sem convicção nas vantagens da participação cidadã, nenhum processo poderá ser bem sucedido, por mais estudos e pareceres técnicos, por mais exemplar que seja o modelo.
Pelo contrário: se a convicção de que envolver as pessoas nas decisões as favorece e enriquece— sem procurar unanimismos impossíveis, com certeza, mas informando, fomentando a transparência dos processos, dialogando, reflectindo publicamente—, se essa convicção estiver presente como motivação para servir a causa pública, ainda que os modelos estejam em construção e aperfeiçoamento, a participação será efectiva, genuína e contribuirá para o progresso democrático.

Este é, no fundo, um problema de cultura democrática, que não é de agora, nem exclusivo deste município. Não é sequer uma responsabilidade exclusiva dos decisores públicos: aos cidadãos cabe uma fatia importante da responsabilidade de dignificar as diversas formas de democracia. Os cidadãos que hoje se apresentam aqui assumem essa responsabilidade e têm-no feito, em muitos casos, de forma consistente e construtiva nos últimos anos.

Contestamos uma ponte, é verdade. Mas discutimos muito mais do que isso. Podemos discutir muito mais do que isso. Porque afirmamos a nossa vontade de participar na vida da cidade e adoptar como nossos, os projectos que o sejam de facto. Porque dizemos, antes de qualquer outra coisa, que o pecado original deste processo é o de não se explicar. Um projecto que de tal forma não se explica que até um arquitecto e deputado municipal de um dos partidos que suporta este Executivo na Assembleia Municipal confessa achar que “não serve absolutamente para nada”. Que, com a pouca informação disponível, reúne críticas e mais críticas, muita oposição insuspeita, às quais o Executivo não responde ou responde com bocados dispersos de informação, fora de tempo e com estafados argumentos de inevitabilidades.

Em processos desta natureza, potencialmente irreversíveis nas marcas que deixa no território, não pode ficar no ar a ideia de que se avança, sem pensar, inevitavelmente ou sem avaliar a cada momento os mais diversos argumentos, sem sectarismos quanto à sua proveniência. E, a cada momento, precisamos, mais do que sentir que a nossa opinião é tida em conta, saber como evolui a opinião de cada um dos legítimos representantes dos cidadãos de Aveiro.
Este Executivo evoluiu na sua composição, naturalmente e essa evolução não deve ser neutra nos processos de decisão.
Se a segurança da decisão e a qualidade da informação que a sustenta é aquela que o estaleiro no Rossio e algumas declarações recentes anunciam, as melhores intervenções que este Executivo pode promover agora, são as dos novos Vereadores, que, livres de pelouros, mas solidários na acção política, terão tido o privilégio de receber a informação favorável ao projecto que a nós, claramente, nos falta.