Volta e meia, sai-me uma barbaridade destas pela boca fora. Quando a Maria está muito irrequieta, durante uma muda de fralda mais complicada, ou quando me escapa pela enésima vez para ir fazer de conta que brinca com uma tomada1, dou mostras da minha falta de paciência com uma destas afirmações absurdas de se dirigir a uma filha com quase 15 meses. Porque é absurdo dizer que já me estou passar, considerando tudo o que ainda aí vem: se me estiver a passar por ela insistir em coçar o rabiote ou passear quando lhe mudo a fralda ou por gatinhar a alta velocidade até um ponto proibido2 e fazer uma das fitinhas dela, o que é que faço quando ela chegar à idade das perguntas repetitivas ou quando for, simplesmente autónoma a caminhar, ou nessa maratona de esforço parental que há-de ser a adolescência?
Ainda assim, às vezes sai-me um “já me estou a passar contigo, Maria!“, com mais ou menos colorido3 e, logo a seguir a dizê-lo, tenho vontade de rir. É que é verdade que me estou a passar com a Maria, mas precisamente por todas as outras coisas: pela autonomia, pelo sentido de humor, pela ternura, pela inteligência, pela perspicácia, pela rapidez, pela curiosidade, pela beleza4… por tudo.
Não me lembro de ter feito nada para merecer tão boa experiência enquanto pai. A não ser “encontrar” uma mãe estupenda. Seja o que for, obrigado a quem de direito.
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1 estão todas protegidas, mas é importante educar para o perigo como se não estivessem
2 ela já conhece bem os “pontos proibidos” da casa e uma forma de o demonstrar é ir muito depressa até eles, estender uma mãozita e fazer um olhar maroto como quem diz “é aqui que eu não posso mexer, não é?”
3 recuperei o “caramba” para o meu vocabulário desde que sou pai
4 deixem-me ser vaidoso