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Estetização da Política vs. Politização da Arte

“(…) quando o uso natural das formas produtivas é paralisado pelo regime da propriedade, o crescimento dos meios técnicos, dos ritmos, das fontes de energia, tende a um uso contranatura. Este uso contranatura é a guerra que, pelas destruições que arrasta, demonstra que a sociedade não tem a maturidade suficiente para fazer da técnica o seu órgão, que a técnica não está suficientemente elaborada para dominar as forças sociais elementares. A guerra imperialista, com os seus aspectos atrozes,  tem como factor determinante o desfasamento entre a existência de poderosos meios de produção e a insuficiência do seu uso para fins produtivos (por outras palavras, o desemprego e a falta de mercados). A guerra imperialista é uma revolta da técnica que reclama sob forma de «material humano» aquilo que a sociedade lhe arrancou como matéria natural. Em vez de canalizar os rios,  dirige o caudal humano para o leito das trincheiras; em vez de usar os seus aviões para semear a terra, espalha as suas bombas incendiárias sobre as cidades; no uso bélico do gás, encontrou um novo meio de acabar com a aura.
Fiat ars, pereat mundus [que se faça arte, mesmo que o mundo pereça], é esta a palavra de ordem do fascismo que, como Marinetti reconhece, espera da guerra a satisfação artística de uma percepção sensível modificada pela técnica. Aí reside, evidentemente, a perfeita realização da arte pela arte. Na época de Homero a humanidade oferecia-se em espectáculo aos desuses do Olimpo; agora converteu-se no seu próprio espectáculo. Tornou-se bastante estranha a si mesma para conseguir viver a sua própria destruição como uma fruição estética de primeira ordem. Esta é a estetização da política que o fascismo pratica. A resposta do comunismo é politizar a arte.
Walter Benjamin, in “A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica” (1936)

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Be Cool (reflexões avulsas sobre a América)

Uma das coisas curiosas de me dedicar ao estudo de um tema qualquer é que, qualquer acontecimento, episódio da vida corrente ou conteúdo apreendido, ainda que não intencional nem relacionado, encontra um caminho de sinapses esquisitas para se ligar ao tal estudo. Isto a propósito da minha nova investida na licenciatura em Estudos Artísticos na Universidade Aberta e numa disciplina interessante, que se chama Temas da Civilização Ocidental e nos propõe, como objecto de estudo a “América”.
A parte séria do estudo, a que me tenho dedicado afincadamente, tem como referência a obra de Eduardo Lourenço, “A Morte de Colombo – Metamorfose e Fim do Ocidente como Mito”, para já, mas estava eu “posto em repouso” em frente à televisão e… pimba!

“Be cool” (Jogos Mais Perigosos, na tradução para português) é um filme ligeiro, mas inteligente, protagonizado por John Travolta e Uma Thurman, com participações de Cedric The Entertainer e Harvey Keitel, entre outros. Adaptado por Peter Steinfeld a partir do romance de Elmore Leonard, é uma comédia negra, sobre um produtor de cinema desiludido com a indústria cinematográfica (Chilli Palmer, interpretado por Travolta), que decide virar as suas atenções para a música.
Todo o filme é construído à volta de intrigas e ligações perigosas entre estas indústrias do entretenimento e várias formas de crime organizado e uma parte significativa dos personagens são gangsters e mafiosos de vários tipos, todos interessados em investir no cinema e na música, para lavar e ganhar dinheiro, mas também pela reputação e pela possibilidade de conhecerem ou se tornarem celebridades.
Calha bem num momento de descontração, mas a razão mais específica pela qual fiquei em “modo-estudo” é esta reflexão de Sin LaSalle (o gangster interpretado por Cedric The Entertainer):

[Sin LaSalle está, com os seus cúmplices, a ameaçar Nick Carr (Harvey Keitel) e é interrompido por um grupo de mafiosos de leste que querem matar o mesmo Nick Carr e referem-se a Sin e ao seu grupo como “niggers”, termo pejorativo]

Have you lost your mind?
I mean, how is it that you can disrespect a man’s ethnicity when you know we’ve influenced nearly every facet of white America, from our music to our style of dress, not to mention your basic imitation of our sense of cool… walk, talk, dress, mannerisms.
We enrich your very existence, all the while contributing to the gross national product through our achievements in corporate America.
It’s these conceits that comfort me when I’m faced with the ignorant, cowardly, bitter and bigoted who have no talent, no guts, people like you who desecrate things they don’t understand when the truth is you should say, “Thank you, man,” and go on about your way.
But apparently, you’re incapable of doing that.

[Sin LaSalle mata o mafioso de leste com um tiro à queima roupa]
(…)

And don’t tell me to be cool.
I am cool!

Racial epithets.
Why does it always come down to that? Makes me sad for my daughter.

fonte: http://www.script-o-rama.com/movie_scripts/b/be-cool-script-transcript.html

Não é uma reflexão fundamentada ou estruturada de um filósofo ou pensador ilustre. Não passa de um par de linhas num guião bem escrito e cómico.
Mas é uma boa forma de enquadrar uma conversa sobre a “especificidade” da cultura afro-americana na definição da cultura norte-americana, por um lado, e nos seus impactos nos fenómenos culturais globalizados, particularmente, a partir da 2ª metade do século XX.

E a questão é: será que, enquanto estiver a estudar, vou deixar de poder simplesmente, descontrair?