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Dificuldades no registo de domínio .pt após registo de marca

O registo de domínios .pt tem sido sujeito a grandes discussões (liberalização ou não, rigor e complexidade dos normativos e tantas outras coisas) e cirúrgicas alterações. Algumas verdadeiramente inexplicáveis e intoleráveis, como a impossibilidade do legítimo detentor dum registo de marca nacional proceder ao registo do domínio .pt correspondente, caso a marca seja mista, isto é, caso inclua, além da designação nominativa, elementos gráficos, verbais ou não, como é o caso de um logótipo.

Transcrevo comunicação enviada a propósito ao INPI e à FCCN, com conhecimento do ARBITRARE (as referências à empresa e marca estão propositadamente obliteradas).

— início da comunicação

Dirigimo-nos simultaneamente ao INPI e aos serviços de gestão de domínios da FCCN, uma vez que não sabemos exactamente como podemos resolver o problema que nos aflige neste momento: a aparente impossibilidade de registar o domínio .pt relativo a uma marca da qual somos legítimos titulares.

A nossa empresa [Nome da Empresa] é actualmente titular do domínio [nomedaempresa.pt] (registado no momento da sua constituição) e da marca [Nossa Marca], como se pode observar no documento anexo (processo [nº de processo]). O registo corresponde a uma marca mista, dada a necessidade de proteger não apenas a designação nominativa, mas também o sinal figurativo associado e o Registrar a que recorremos informou-nos que, por isso, este não é aceite pela FCCN como base de registo de domíno .pt.
De acordo com o site do INPI “uma marca poderá ser composta por letra(s) ou por palavra(s) (marca nominativa), mas pode também ser composta por figuras (marca figurativa) ou por ambas (marca mista)“, o que, na nossa interpretação, significaria que a marca mista contém uma dupla validade enquanto nominativa e figurativa, até por requerer a indicação da designação nominativa a proteger. Pelo que percebemos do Código de Propriedade Industrial (CPI) e das restantes indicações dadas pelo INPI, esta forma de registo de marca é a mais correcta para a nossa situação e protege a marca nos dois aspectos, designação nominativa e identidade gráfica, sem prejuízo de nenhuma das duas. Parece-nos até uma violação do referido CPI (artigo 235º, unicidade do registo) que um novo registo de marca, exclusivamente nominativo, se possa fazer com uma designação idêntica à que registámos, pelo que nem sequer compreendemos qual o procedimento a adoptar, caso seja correcta a interpretação do regulamento de registo de domínios .pt que originou a recusa de proceder ao registo por parte do Registrar que usamos. De facto, fomos informados de que a FCCN se recusaria, com base no normativo actual, a aceitar o registo dum domínio .pt com base num regito de marca mista, exigindo uma marca nominativa. Encontrámos esta mesma referência noutros locais online, incluindo o comunicado de imprensa associado à campanha euestou.com.pt e o comentário do INPI a esse respeito, mas, face ao já referido artigo 235º do CPI e à explicação da dupla validade da marca mista, constante no próprio site do INPI, não somos capazes de perceber qual o processo preconizado pela FCCN, no contexto da aplicação do CPI, para a correcta protecção da marca, incluindo o registo do domínio e não excluindo outros sinais identitários. Sabíamos da alteração das normas por parte da FCCN, mas a leitura que fazemos do regulamento de registo de domínio .pt, tal como consta no site, não excluiria as marcas mistas. A alínea f) do artigo 11º, ao referir que “apenas são admitidas como base de registo as marcas nominativas tal como constem do respectivo título de registo nacional”, exclui naturalmente, e bem, as marcas figurativas e todos os elementos gráficos, verbais ou não verbais não incluídos na designação nominativa incluída na marca mista. Mas não nos parece que possa excluir liminarmente as marcas mistas, sem que isso constitua, pelo menos, uma leitura enviesada do CPI. A esse respeito, pode ler-se numa decisão recente do ARBITRARE:

«A nosso ver, o disposto na alínea f) do artigo 11º do Regulamento supra referido, ao impôr as condições que analisámos, prejudica, injustificadamente, uma grande percentagem de titulares de marcas, nacionais, comunitárias e internacionais, sendo, por isso, altamente discriminatória quanto aos titulares de marcas mistas ou figurativas contendo um elemento verbal, como é o caso da marca comunitária em apreciação;
(…)
Deste modo, são manifestamente impedidos de, com base nas suas marcas, registarem nomes de domínios, mais de 40% dos titulares de marcas comunitárias e cerca de 49% de titulares de marcas nacionais e internacionais;
A menos que esta elevada percentagem de requerentes de marcas, reconhecendo as funções actuais que, no âmbito comercial e comunicacional, desempenham os nomes de domínio, optem por marcas que sejam exclusivamente nominativas, ou procedam a dois registos: além do registo de marca mista, registarem marcas nominativas contendo apenas os elementos verbais que delas constam, o que nos parece inadmissível;
Não se justifica, assim, a norma por não atender à intenção, finalidades e aos interesses que subjazem à opção pelos titulares pelo registo das marcas mistas no plano das estratégias das empresas no plano jurídico, no plano comercial e comunicacional;
(…)
Nem se justifica pelas próprias funções que actualmente os nomes de domínios são chamados a desempenhar.
(…)
Existem, portanto, razões para se reflectir sobre a disposição do artigo 11º, na sua alínea f), tentando encontrar vias que removam os impedimentos que se colocam a cerca de metade dos requerentes de todos os níveis territoriais de registo de marcas;»

Partilhamos inteiramente dos argumentos e perplexidades expostas por Paulo Serrão a propósito da formulação e aplicação da alínea f) do artigo 11º nesta sua decisão no ARBITRARE e, face ao exposto, gostaríamos de saber:

  • se a prática da FCCN se mantém, como nos informam os Registrars e
    • se sim, qual o procedimento que aconselham, face ao CPI, nomeadamente, se promovem o duplo registo (misto e nominativo)
    • se não, como se deve proceder ao registo do domínio e quais as medidas tomadas pela FCCN para esclarecer os Registrars
  • se o INPI considera esta prática compatível com a aplicação do CPI e com a promoção da propriedade industrial e
    • se sim, se pretende clarificar a explicação acerca das diferenças entre marcas nominativas, figurativas e mistas, para incluir este “pequeno-grande” pormenor e qual o procedimento que preconiza, nomeadamente, como se processaria o duplo registo marca mista + marca nominativa
    • se não, que medidas tomou ou pretende tomar para clarificar a situação, nomeadamente, que seguimento dará às considerações citadas nesta recente decisão do ARBITRARE
  • qual a forma mais expedita de procedermos ao registo do domínio [nossamarca.pt] considerando a nossa condição de detentores do registo da marca nacional mista que contém o registo nominativo [Nossa Marca]?

Agradecemos uma resposta tão completa quanto possível, no mais curto espaço de tempo possível.

— fim da comunicação

Acredito que este seja um assunto que interesse a alguns dos leitores do blog (interessa-me muito e não é só por estar a lidar com a situação de perto, mais uma vez) e, evidentemente, darei toda a atenção às eventuais reacções de qualquer uma das instituições relevantes. Claro que qualquer comentário da parte dos leitores é bem-vindo, também.

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Extorsão após pedido de registo de marca?

Por razões várias, assisti ao processo de registo de várias marcas nos últimos tempos e tenho observado com algum desprezo um fenómeno que, com o passar do tempo e a sofisticação, me preocupa.

Há empresas de consultores1 a enviar cartas para requerentes de registo de marca, escritas e formatadas (a começar logo nos nomes e identidades gráficas das empresas) como se se tratassem de documentação oficial, de tipo jurídico, apresentando a necessidade de contratar serviços de “protecção” e “vigilância” da marca, incluindo valores a pagar e dados de pagamento, incluindo NIB, em alguns casos. Referenciam o número do pedido, e incluem o sinal no caso das marcas figurativas, mostrando bastante sofisticação considerando o prazo que medeia entre a efectivação do pedido de registo e a recepção destas comunicações. A natureza do do serviço que propõem, pela forma contorcida como é descrito não deve ser ilegal, mas é certamente questionável, já que o registo da marca, que se propõem vigiar e proteger ainda não é efectivo. Claramente de natureza dúbia e muito pouco ética é a forma como se inclui na comunicação um processo rápido de proceder a um pagamento, que pode ultrapassar os 100 euros, pro um serviço que não está descrito de forma clara, que não inclui nada que não seja da competência do próprio Instituto Nacional de Propriedade Industrial, responsável pelo registo das marcas e por um primeiro filtro de admissibilidade que protege as marcas das ameaças mais óbvias enumeradas por estas empresas de consultores.

Comunicações como as que tenho aqui em cima da minha secretária, de empresas como a Gastão da Cunha Ferreira, Lda ou a Álvaro Duarte & Associados podem ser consideradas “marketing agressivo”, onde estes prestadores de serviços entram em contacto automático com todos os potenciais clientes simplesmente usando o próprio Boletim de Propriedade Industrial. Estas comunicações automatizadas e massificadas compreendem-se numa área que devia ser fácil há umas décadas, mas onde a simplificação e desmaterialização dos processos, associada à emergência de novas gerações de empreendedores, menos formalistas e, por isso, mais autónomos, deve ter operado algumas pequenas revoluções, mas há uma diferença significativa entre uma atitude pró-activa, de contacto com todos os potenciais clientes, com informações sobre os serviços que se presta e eventuais características diferenciadoras da empresa que se representa, incluindo informações sobre o preço de alguns serviços e a inclusão nesta comunicação de preços específicos e dados de pagamento, assim como de dados referentes ao cliente que, objectivamente se destinam a induzir o requerente em erro e aproveitar qualquer distracção para obter um pagamento ao qual não corresponde nenhum serviço contratado. Podemos interpretar isto de várias maneiras, mas o objectivo destas cartas, que todos os requerentes de novas marcas devem estar a receber, é o de confundir as pessoas e/ou aproveitar a confusão existente sobre o que é preciso pagar e quando para facturar2 dinheiro fácil.

A carta da Gastão da Cunha Ferreira, Lda (clique para ampliar)

A carta da Álvaro Duarte & Associados (clique para ampliar)

Isto é grave porque, se é claro que uma parte dos empreendedores mais informados e autónomos compreende as cartas pelo que elas são e nada mais, alguém com menos informação ou autonomia, que decida confiar na simplificação de processos tantas vezes anunciada, pode perfeitamente presumir que esta comunicação é o sinal de que “afinal não é assim tão simples e preciso de contratar uma empresa”.

Pode ser subtil, mas é extorsão.

Nada subtil e muito perigosa— e certamente ilegal, espero eu— é a actividade de empresas como a Brand Land, cuja “proposta de contrato” também tenho aqui ao meu lado. Estas bases de dados de marcas sem qualquer utilidade— relativamente às quais algumas das outras empresas alertam os seus clientes—, enviam aos requerentes de novas marcas um formulário claramente enganador, pré-preenchido com os dados entregues ao INPI, para registo da marca (na sua base de dados). Este formulário completo, com dados de pagamento por Multibanco e valores aproximados às expectativas que poderá ter um requerente— que achará que as taxas praticada no registo online são muito mais baixas relativamente ao que ouviu falar3— é uma tentativa clara de “golpe” e a leitura das “condições gerais da prestação de serviços”, no verso, onde se esclarece que isto não é sequer uma “proposta de contrato” como se lê em letras pequenas na frente (o título do formulário é “MARCAS – Info-registo de marcas nominativas / de marcas figurativas / de marcas mistas na internet”, com o sub-título “Proposta para a publicação do REGISTO DA MARCA”), mas sim um “convite a contratar, estando a celebração do contrato dependente da aceitação pela BRAND LAND da proposta de subscrição dos serviços apresentada no verso pelo CLIENTE”.

Formulário / Burla da Brand Land

Esta é uma operação sofisticada de burla e considerando que, num período de 5 anos, esta é a 3ª marca que ajudo a registar e me tenho deparado sempre com situações semelhantes a esta, interrogo-me até que ponto é que o INPI leva a sério as suas atribuições, que incluirão, certamente, uma monitorização do sector que identifique e corrija estes abusos.

É evidente que há uma enorme diferença entre os “consultores em propriedade industrial” que se propõem a proteger e vigiar a marca que acabou de ser publicada no Boletim do INPI, enviando-nos o seu NIB e uma “conta” de 150 a 160 euros e uma base de dados online que envia formulários com referências de pagamentos Multibanco de 430 euros por uma publicação do registo da marca, sem validade jurídica. Aliás, até os primeiros nos avisam da existência dos últimos.

Mas é claro que a falta de (in)formação está neste caso a ser explorada indecentemente e é urgente a tomada de medidas por parte do INPI, nem que seja através da publicação de alertas no site e nas comunicações com os requerentes relativos a estes esquemas paralelos.

Da minha parte, deixo este alerta ilustrado, esperando que seja útil para alguém.

1 “attorneys” em inglês, mas consultores em português
2 presumindo que seria emitida uma factura e/ou assinado um contrato a posteriori
3 o pedido de registo duma marca (1 classe) custa actualmente 100 euros (online) com um prazo de 10 anos, assim como a renovação ou a “manutenção dos direitos”, mas custa o dobro se for feito em papel e estes preços são recentes