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As cinzas vulcânicas e o nosso lugar no mundo

Pode parecer uma barbaridade o que vou dizer, mas estou satisfeito com isto das cinzas vulcânicas e do caos instalado nos transportes de todo o tipo, particularmente os aéreos. Se tivesse acontecido algum acidente, não teria a mesma sensação, obviamente, mas, assim, sem vítimas, as cinzas expelidas pelo vulcão da Islândia têm a extraordinária capacidade de nos relembrarem o nosso lugar no mundo.

É certo que nós sabemos imenso de todas as ciências e tecnologias. É certo que nós inventámos mecanismos de todos os tipos e dominamos com à-vontade uma parte significativa da realidade que nos rodeia e, sobre ela, manipulamos um grande conjunto de parâmetros. É certo que estamos rodeados de especialistas capazes de nos explicar porque é que os aviões voam em geral, mas não podem voar através duma nuvem de cinza vulcânica, e outros que nos explicam o funcionamento dos vulcões e prevêem e fazem modelos do comportamento da nuvem de cinzas expelida… é certo que somos os maiores.

Mas quanto mais conhecemos e percebemos do mundo, mais claro fica que a nossa existência depende duma espécie de boa vontade circunstancial da Natureza, que, em qualquer momento, nos pode brindar com uma das suas manifestações que, sem escapar à nossa capacidade de compreensão, e mesmo previsão, ultrapassa claramente qualquer uma das nossa possibilidades de controlo. Estou convencido que a Humanidade (umas partes mais do que outras) precisa de ser confrontada com este sentimento de impotência mais frequentemente e, um evento destes abater-se sobre o centro da Velha e Civilizada Europa, é um “tiro certeiro”.

Não sei como será feito o rescaldo deste período de crise dos transportes aéreos que se reflectiu, num efeito de cascata, como uma crise global dos transportes, demonstrando, quase pornograficamente, o quanto as nossas “vidas modernas” dependem de redes de transportes eficazes e a quantidade assustadora de gente que está em movimento aparentemente constante através do globo. Não sei se uma crise nos ares, nos fará ver com outros olhos alguns dos meios terrestres que temos esquecido frequentemente.

Pergunto-me, por exemplo, se não seria esta uma altura engraçada para voltar a falar de comboios (mas uma conversa séria, como a que propõe o dactilógrafo em 3 actos: 1, 2 e 3) e se não virá aí uma segunda vaga de conversas sobre o desígnio nacional de ligar a rede ferroviária portuguesa à rede de alta velocidade europeia. Pergunto eu que não percebo nada disto: com TGV a ligar-nos à Europa, estaríamos melhor em casos destes? As redes de alta velocidade na Europa ajudaram alguma coisa no meio desta grande confusão? Ou estão, à partida, dimensionadas e pensadas para não competirem com ligações aéreas, pelo que se limitaram a colapsar um bocadinho mais tarde? Pode um transporte terrestre como o comboio de alta velocidade ter margens de disponibilidade na prestação de serviço, geridas estrategicamente à escala europeia, por exemplo, que lhe permitam minimizar os efeitos dum fenómeno similar a este?

Ou vamos simplesmente discutir o facto dos espaços aéreos terem sido fechados com base em modelos computacionais geridos por meteorologistas e precauções teóricas da indústria aeronáutica, pedir desculpa e indemnizar os operadores e partir do princípio que isto não volta a acontecer, ainda que saibamos que estas erupções são cíclicas?

Por mim, desde que o Planeta tenha a delicadeza de me deixar em casa nos dias em que nos decidir lembrar que nós só fazemos aquilo que ele nos vai permitindo, menos mal.