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Por estes dias…

Eu fui às manifestações. Eu vou às manifestações. Faço a minha parte. Mas estas palavras não me saem da cabeça:

Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer-se dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-faxistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas é sempre o mexilhão, eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto, viva o Porto, viva o Benfica! Lourosa! Lourosa! Marrazes! Marrazes! Fora o arbitro, gatuno! Qual gatuno, qual caralho! Razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho? Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de policia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! Podes estar descansado que o Teng Hsiao-ping está a tratar de ti com o Jimmy Carter, o Brezhnev está a tratar de ti com o João Paulo II, tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas. A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias, ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou! Vão te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer, votas à esquerda moderada nas sindicais, votas no centro moderado nas deputais, e votas na direita moderada nas presidenciais! Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no natal?! Era o que faltava! É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, ora toma, para safado, safado e meio, né filho? Nem para a frente nem para trás e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né? Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega. Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canada ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acho normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar! Descontrai baby, come on descontrai, afinfa-lhe o Bruce Lee, afinfa-lhe a macrobiótica, o biorritmo, o hoscópio, dois ou três ovniologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas! Piramiza filho, piramiza, antes que os chatos fujam todos para o Egipto, que assim é que tu te fazes um homenzinho e até já pagas multa se não fores ao recenseamento. Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá! Dá-lhe no Travolta, dá-lhe no disco-sound, dá-lhe no pop-chula, pop-chula pop-chula, iehh iehh, J. Pimenta forever! Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti, não te chega para o bife? Antes no talho do que na farmácia; não te chega para a farmácia? Antes na farmácia do que no tribunal; não te chega para o tribunal? Antes a multa do que a morte; não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, ah? Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu ah? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é ‘pequeno burguês’, o menino pertence a uma classe sem futuro histórico… Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado, eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto, eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa, deixem-me só porra, rua, larguem-me, desopila o fígado, arreda, T’arrenego Satanás, filhos da puta. Eu quero morrer sozinho ouviram? Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se eu tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe…
José Mário Branco, FMI (transcrição daqui)

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=_Adp77ivpT8[/youtube]

Não quero contribuir em nada para a banalização deste momento histórico que o José Mário Branco criou em 1979 e partilhou uns anos depois. Mas o momento de partilhar e pensar é este.

Dia 13 de Outubro há manifestações culturais em várias cidades do país. Eu vou estar na minha cidade, Aveiro, e vou tocar algo que é muito especial para mim. Fazer o meu trabalho, portanto.

E vocês?

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24 de Novembro

Preocupações, crises políticas pá? A culpa é dos partidos pá! Esta merda dos partidos é que divide a malta pá, pois pá, é só paleio pá, o pessoal na quer é trabalhar pá! Razão tem o Jaime Neves pá! (Olha deixaste cair as chaves do carro!) Pois pá! (Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?) É pá, deixa-te disso, não destabilizes pá! Eh, faz favor, mais uma bica e um pastel de nata. Uma porra pá, um autentico desastre o 25 de Abril, esta confusão pá, a malta estava sossegadinha, a bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa… Tá bem, essa merda da pide pá, Tarrafais e o carágo, mas no fim de contas quem é que não colaborava, ah? Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, ah? Quem é que não se calava, quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, ah? Meia dúzia de líricos, pá, meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro, pá, isto é tudo a mesma carneirada! Oh sr. guarda venha cá, á, venha ver o que isto é, é, o barulho que vai aqui, i, o neto a bater na avó, ó, deu-lhe um pontapé no cu, né filho? Tu vais conversando, conversando, que ao menos agora pode-se falar, ou já não se pode? Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, ah? Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem… E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do… que dia é hoje, ah?

José Mário Branco, no FMI, escrito em 1979. Um texto e uma performance que a cada nova “visita” parece ganhar novos sentidos e que, nos dias que correm, parece estar a tocar no meu subconsciente, em loop contínuo. “E zás, enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares”, que hoje dizia que “não se pode fazer do FMI um bicho papão”.

FMI Não há truque que não lucre ao FMI
FMI O heróico paranóico hara-kiri
FMI Panegírico, pro-lírico daqui

Hoje é dia 11 de Novembro e faltam pouco mais de 12 dias para a Greve Geral. E para ajudar quem fica na dúvida sobre que dia é hoje, e amanhã, e depois… até ser tarde demais e não haver quem culpar, fica ali do lado direito do blog a minha modesta contribuição, na forma de contador, disponível através do Esquerda.net.

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Banda Larga Móvel: não é concertação, é coincidência

Digam lá se é ou não uma maravilha ver o mercado a funcionar? Valentes empreendedores capitalistas, sempre em concorrência feroz, ainda que educada, sempre em prol do consumidor, aumentando a escolha, elevando a fasquia na oferta de produtos e serviços e na procura duma “estratégia de diferenciação” e…

Tretas! Se é isto o mercado e a livre concorrência, eu vou ali e já volto!

E claro que não há concertação de preços, nem nenhuma atitude menos clara que exija atenção por parte dos argutos, perspicazes e activos reguladores seja na Autoridade da Concorrência, seja na ANACOM, seja… vão gozar com outro! Depois dizem que a malta anda deprimida por ter voltado de férias! A malta anda deprimida é porque anda farta de promessas do El Dorado abanadas na ponta duma vara, enquanto leva no lombo com os “sacrifícios” que se exigem de “todos e de cada um”, a bem da “estabilidade” e da “consolidação”. Já dizia o Zé Mário Branco, no FMI: “consolida, filho, consolida!…”

Depois admirem-se com o mau feitio de alguns tipos e a falta de educação e boas maneiras… ou, pior ainda, falta de fé no “mercado”.

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O meu 25 de Abril tem uma cara e uma voz

José Mário Branco, o cantor, o compositor, o Homem e tudoA paixão e a raiva. O sonho, a ilusão e o desencanto. A coragem, a generosidade imensa e a coerência inflexível de quem sabe que vai mudar o mundo. De quem já o mudou, mesmo sem saber. O José Mário Branco é, sem sombra de dúvida um dos autores maiores da música portuguesa. E isso não é o menos.

Além disso, leva-me, em cada palavra, em cada grito de luta, em cada lamento, em cada interrogação a um país e a um mundo que também sonhei e sonho.

Não se passa um 25 de Abril (no calendário ou na alma) em que não o recorde, o use e dele abuse.

E que se lixe o pudor: o José Mário Branco é a cara e a voz do meu 25 de Abril, em que a “cantiga é uma arma”.

E é um músico imenso que só não ouve e reconhece quem tem os ouvidos cheios de uma qualquer porcaria que me é até difícil de descrever. Ouçam-no, a ele, por ele ou por outros e descubram-no. Vale a pena.