Categorias
cidadania comunicação cultura ensino política portugal

A Bíblia

Eu li declarações do Saramago sobre a Bíblia e sobre o Corão.
E depois li e ouvi reacções aos vitupérios dirigidos pelo Saramago às pessoas religiosas. Mas não li nem ouvi esses vitupérios. Onde é que eles estão?

Ouvi também, com gosto, o teólogo e “biblista” Carreira das Neves (franciscano, segundo percebi), dizer que não acha que o Saramago esteja a perder qualidades, mas que acha estranho que um escritor da sua craveira não consiga olhar para a Bíblia como Literatura. Este é um importante teólogo que gostou muito do Evangelho Segundo Jesus Cristo, do Saramago. Esta incapacidade de Saramago será sectarismo, provavelmente. Mas é interessante que a defesa deste teólogo seja a ideia da Bíblia enquanto Literatura, dizendo o próprio que, “antes de ser Religião, Fé ou Igreja, a Bíblia é Literatura” (cito de cor).

Com muito menos gosto, ouvi e li a reacção de Mário David, eurodeputado do PSD e vice-presidente do Partido Popular Europeu, que sente “vergonha de o ter [a Saramago] como compatriota” e considera que Saramago está a “vilipendiar povos e confissões religiosas”, convidando-o a concretizar a ameaça feita em tempos de renunciar à cidadania portuguesa (ainda se lembram do caso Sousa Lara?).

Não me espanta nem a voz livre de Saramago, nem a honestidade de Carreira das Neves (sei que a Igreja tem muitas mentes lúcidas e pessoas boas), nem a desonestidade obtusa e estreiteza de vistas de Mário David.

Mas este episódio faz-me pensar no apelo ao ateísmo militante de Richard Dawkins. Lembrava Dawkins que George Bush (pai) teria afirmado, sem nunca ser forçado a retratar-se, que “um ateu não poderá nunca ser um cidadão americano patriota”. Com as devidas ressalvas, as declarações de Mário David ficam aqui bem alinhadas.

Pensemos nisto.

Já agora, eu, que li a Bíblia (creio que toda, numa das minhas idiotices adolescentes, mas certamente muito mais do que o católico médio português) concordo com Saramago na sua afirmação de que esta é um “manual de más condutas” e “um catálogo de crueldades”. Sei, como Saramago saberá e Carreira das Neves recorda, que esta é, acima de tudo, Literatura. Mas é também claro que é um dos mais elementares e bem sucedido exercícios de controlo e doutrina pelo terror.
De resto, não sendo especialista— apenas apreciador— acho que, como Literatura, salvo honradíssimas excepções, os 73 livros que a constituem têm importância histórica, mas não são mesmo nada recomendáveis. talvez por isso mesmo seja tão pouco lida.

Links:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.